Depois de acalmar Giovana, Sílvio saiu apressado do quarto e desceu as escadas com passos firmes. Entrou na parte traseira do Rolls-Royce Cullinan, jogando-se no banco de couro. Enquanto girava distraidamente um cigarro entre os dedos, ouviu o ronco do motor que Leopoldo acabara de ligar. Logo deu a ordem, com a voz fria e cortante:— Siga por esta rua. Vamos encontrar a Lúcia.Leopoldo, enquanto ajustava o espelho retrovisor, não conseguiu conter o comentário:— Sr. Sílvio, se encontrarmos a Sra. Lúcia, tente conversar com ela. Não dá para exigir que o coração humano aguente tanto. Do ponto de vista dela, a Sra. Lúcia tem todo o direito de saber a verdade.O Cullinan seguia devagar pela margem da calçada, com os pneus esmagando pequenas poças na rua ainda molhada pela neve derretida. O olhar de Sílvio, frio e resoluto, percorria a multidão que lotava a calçada, buscando desesperadamente uma silhueta familiar.— Pare o carro! — Ordenou Sílvio, subitamente.Leopoldo pisou imediatamente
Onde quer que olhasse, Lúcia já havia examinado tudo. Mas onde estava a sombra de Sílvio? Só havia pedestres indo e vindo, e ela, completamente desamparada, no meio daquela confusão.— Lúcia, você está procurando pelo Sílvio? — Basílio perguntou, como se já tivesse adivinhado.Lúcia mordeu os lábios, mantendo o olhar baixo.Basílio soltou uma risada fria:— Ele não vai aparecer.Era claro que não. Como ele viria? Ele estava ocupado, mergulhado na doçura de sua vida com Giovana.Lúcia levantou a cabeça e esboçou um sorriso amargo:— Sr. Sílvio, vamos para casa.— Quer que eu te ajude a andar?— Não precisa. Não sou tão frágil assim. — Lúcia respondeu enquanto se dirigia ao carro estacionado na calçada.No entanto, mal tinha dado alguns passos, quando uma dor aguda no joelho pareceu cravar agulhas em sua pele, e suas pernas perderam toda a força. Por pouco, não caiu novamente. Mas Basílio, rápido como um raio, segurou sua cintura com firmeza, enquanto outra mão amparava seu braço. Num mo
Dois dias depois.Lúcia não entendia por que Basílio insistia tanto para que ela ficasse longe da internet e do celular. No fundo, ela sentia que algo estava errado, mas não conseguia descobrir o quê.Foi só quando uma empregada, enquanto lhe servia café, deixou escapar sem querer que Sílvio havia ido a Viana para se noivar com Giovana.Enzo, que presenciou a cena, repreendeu a empregada de imediato e tentou consolar Lúcia. Ela, no entanto, forçou um sorriso e disse que estava tudo bem, apesar de ser evidente que não estava. Após tomar um gole apressado de café, subiu para o quarto.Enzo percebeu a inquietação dela e temeu que algo mais sério acontecesse. Sem pensar duas vezes, ligou para Basílio.No quarto, Lúcia estava sentada no chão, encostada no tapete, com o celular nas mãos. Seus olhos estavam fixos nos trending topics do Twitter, onde o principal assunto era o noivado de Sílvio e Giovana. Os tópicos estavam todos em negrito, chamando atenção de qualquer um que passasse por ali.
Lúcia não ouvia a voz de Sílvio há muito, muito tempo. E agora, ao escutá-lo falar tão educadamente, sem o tom agressivo de antes, seus olhos imediatamente se encheram de lágrimas.Meio minuto se passou.— Você está bem? — Perguntou Sílvio, como se realmente estivesse preocupado.As lágrimas de Lúcia vieram com força, transbordando pelo rosto, sem que ela conseguisse controlar. Mesmo assim, ela tentou disfarçar, não queria que ele percebesse:— Sílvio, você está preocupado comigo? — Perguntou Lúcia, com a voz trêmula.Ele não respondeu.Sentindo o peito apertar, ela insistiu, sua voz carregada de mágoa:— Você está preocupado comigo, não está? Você ainda se importa comigo, não é? Então como, Sílvio? Como você pode estar noivo de outra mulher? O que está passando pela sua cabeça? Me diz, por favor, o que você está pensando? Eu não consigo entender. O que foi que eu fiz de errado para você me tratar assim? Por que você não pode simplesmente falar comigo, ser honesto? Você tem seus motivo
A voz zombeteira de Sílvio ecoou do outro lado da linha:— Só um trote.A ligação foi abruptamente encerrada. Giovana, completamente imersa na felicidade do noivado iminente, não suspeitou de nada. Sílvio a envolveu pela cintura, e ela se aconchegou contra o peito dele.O rosto de Giovana se avermelhou num instante.— Sílvio! Em plena luz do dia? Não tem medo que alguém veja? — Giovana o repreendeu, com um tom manhoso.— Já estamos quase noivos, ainda tem medo que alguém veja? Hum? — Sílvio arqueou os lábios, soltou sua cintura e tirou um cigarro do bolso da calça, levando-o aos lábios. — Entra comigo?Ela hesitou:— Pode ir na frente. Vou dar uma volta.— Algum problema?— Não, só quero dar uma volta. Pode ir, eu volto logo.— Se cuida. — Sílvio acariciou seu rosto com ternura.Giovana assentiu e se virou, entrando em uma viela pavimentada com pedras. Sílvio acendeu o cigarro e a seguiu à distância.Giovana estava bastante alerta. A cada poucos passos, ela se virava para olhar ao redo
Como uma chuva torrencial castigando flores prestes a murchar, Giovana sentia-se esmagada. Era vergonha, era raiva, era desespero. Com os olhos vermelhos, ela mordia os lábios com tanta força que o gosto salgado das lágrimas escorria para dentro da boca tão salgado que parecia arder.— Vou te dar mais uma chance, Giovana. Hoje à noite, traga o Sílvio para a fábrica abandonada. Hoje, ou ele morre, ou você morre. — A voz de Arthur era fria, cortante como uma lâmina.— Depois que eu me casar, você faz o que quiser. — Giovana estava de joelhos, tentando resistir à humilhação.Arthur, com um chute violento, a arremessou ao chão. A dor foi tão intensa que ela levou vários segundos até conseguir se mover. Ele se aproximou lentamente, agachou-se diante dela e segurou seu queixo com força, obrigando-a a encará-lo:— Se eu não tivesse medo de que você voltasse para casa cheia de marcas, já teria te dado um tapa na cara. Você não passa de uma vadia, Giovana. Quem você pensa que é para tentar nego
Na mansão da família Araújo, em Cidade A.O céu estava pesado, cinzento, e a neve caía furiosamente.Lúcia havia se trancado no terraço. Diante dela, um braseiro emanava chamas que dançavam ao sabor do vento gelado. No chão, ao lado dela, estavam folhas de papel com desenhos. Eram retratos de Sílvio: ele a carregando nas costas, ele concentrado em uma aula na sala de aula, e eles caminhando juntos pelo campus, onde ele, com uma mão, empurrava uma bicicleta enquanto segurava a mão dela com a outra.Sempre que a saudade apertava, Lúcia desenhava Sílvio. Mas agora, ele havia mudado. Sílvio estava de casamento marcado com outra mulher. O telefonema de hoje foi a gota d’água; ela não podia mais se enganar.Uma lágrima solitária caiu sobre o papel, mas o vento frio rapidamente secou o rastro. Em seguida, ela jogou os desenhos no braseiro. Depois, pegou um caderno onde havia escrito incontáveis vezes o nome dele e também o lançou ao fogo.Os papéis e o caderno logo se transformaram em cinzas,
Lúcia pensou por um momento e sorriu de leve:— Vamos ver o que acontece. Perdi a memória, e minha única âncora, o Sílvio, também se afastou de mim. Quando eu conseguir me recompor, acho que vou procurar um emprego. Ficar presa às lembranças de um amor perdido não vai me levar a lugar nenhum.— Já tem algo em mente? Posso ajudar você a encontrar alguma coisa. — Basílio pareceu lembrar de algo e sugeriu. — O escritório da presidência do Grupo Araújo está precisando de uma secretária. Que tal tentar?Lúcia não demonstrou interesse. Pensar em Sílvio, prestes a se casar com outra mulher, fazia seu coração apertar:— Vamos deixar pra depois.Mais tarde naquela noite.Era a última noite de Lúcia na fazenda. O humor dela não estava dos melhores, e durante o jantar, resolveu beber um pouco de vinho. Basílio a acompanhou. Ele ficou observando suas bochechas coradas, como duas nuvens de fogo no céu do entardecer, e acabou se perdendo em seus pensamentos.Lúcia, já um pouco embriagada, começou a