Talvez, se Basílio dissesse o que sentia, nem como amigo conseguiria ficar ao lado dela."Basílio, não alimente esperanças. Lúcia não é alguém que você deveria desejar."Com esse pensamento, Basílio mudou de assunto e lançou um olhar rápido para as roupas já organizadas dentro da mala:— Está tudo pronto?— Sim, já arrumei tudo. — Respondeu Lúcia.— Ele entrou em contato com você? — Basílio perguntou, observando-a com atenção.Lúcia pegou o celular que estava sobre a cama. Suas mãos estavam um pouco trêmulas enquanto desbloqueava a tela. Abriu o WhatsApp, ansiosa. Mas não havia nenhuma resposta de Sílvio. Nem uma mensagem. Nem uma ligação."Isso é estranho", pensou. Em outras épocas, quando ela provocava Sílvio saindo com algum pretendente para ir ao cinema, ele ficava tão furioso que a esperava no dormitório, apenas para dar uma bronca nela e ameaçar: "Se você não manter distância de outros homens, eu vou te fazer ficar na cama por dois meses!"E agora? Agora ele estava tão calmo, tão
— Chega. — Disse Basílio, lançando um olhar frio para Enzo, que imediatamente entendeu o recado e engoliu as palavras que já estavam na ponta da língua.O olhar de Basílio para Enzo era gélido, mas, ao se virar para Lúcia, seus olhos suavizaram. Ele manteve a postura impecável, com um tom gentil e quase distante, sempre extremamente cortês:— Lúcia, eu te acompanho até a saída.— Tio Enzo, estou indo. Muito obrigada por tudo nesses dias. — Disse Lúcia, sorrindo de forma grata antes de sair pela porta do casarão.Basílio, carregando a mala, seguiu logo atrás dela.Na Mansão do Baptista, Giovana subiu as escadas em silêncio, os pensamentos longe. Quando passou pela porta do banheiro, ouviu o som da água correndo.Curiosa, ela se virou e viu, através do vidro fosco embaçado pela água quente, a silhueta de um homem. Forte, imponente. O quarto estava com a porta aberta, e Giovana deu alguns passos em direção ao cômodo. Era o antigo quarto de Lúcia, que agora ela ocupava.Dormir na cama de L
Sílvio caminhava na direção da Giovana, calçando chinelos de algodão. Conforme ele se aproximava, o aroma fresco do sabonete líquido preencheu o ar, chegando aos sentidos de Giovana.Ao vê-lo, seus olhos instantaneamente se encheram de lágrimas. Um aperto tomou conta de seu peito. Depois de tudo o que havia passado naquele dia nas mãos de Arthur, seu coração parecia ainda mais frágil. Mesmo assim, ela disfarçou a dor e forçou um sorriso na direção dele.— Onde você estava agora há pouco? — Perguntou Sílvio, olhando para ela com preocupação.— Sílvio, você estava... preocupado comigo? — Giovana ficou surpresa, quase sem acreditar no que ouvia.Ele franziu as sobrancelhas:— Você é minha esposa. Não é normal eu me preocupar?"Esposa." Ele a chamou de esposa. Depois de tantos anos, ela finalmente ouviu essa palavra sair da boca dele. "Valeu a pena tudo o que eu fiz, valeu a pena cada sacrifício", pensou Giovana.Ao perceber que os olhos dela estavam vermelhos e que lágrimas começavam a es
O olhar de Sílvio, naquele momento, parecia um lago profundo e silencioso. Giovana sentia-se afundando, como se quanto mais tentasse resistir, mais fosse tragada para o fundo."Então é assim que se sente quando a pessoa que você ama também te ama", pensou. A sensação era sublime, quase irreal.Ela o encarou por alguns segundos, sem saber exatamente o que fazia, e lentamente estendeu a mão, tocando o rosto dele. Seus dedos, delicados como pincéis, traçaram o contorno de suas sobrancelhas, deslizaram pela linha do nariz e finalmente chegaram aos lábios firmemente fechados.Sílvio ficou rígido. Tudo em seu corpo gritava para que ele a afastasse, mas ele se forçou a manter o controle.— Me diga, por que você é tão bom para mim? — Perguntou Giovana, sua voz era um sussurro carregado de algo que ele não conseguiu decifrar. — A vida é única, Sílvio, você sabe disso, não sabe? Há tantas pessoas que querem viver, mas não têm essa chance. Não importa o quanto você ame uma mulher, nunca diga que
Lúcia jamais saberia que, no final, Sílvio havia tomado o remédio que ela havia comprado para ele com tanto cuidado.Sílvio segurava o pequeno frasco de comprimidos na mão, o olhar perdido em pensamentos. Seus dedos apertavam o frasco com força, mas ele não disse nada.— Algum problema? — Perguntou Giovana, com um tom de nervosismo na voz, enquanto o observava com atenção.Ele pareceu voltar à realidade, e, com um gesto leve, pousou a mão no ombro dela, tentando tranquilizá-la:— Um remédio comprado pela Lúcia, claro que eu vou tomar. Descanse cedo. Vou para o escritório resolver umas coisas.Sílvio levantou-se, falou com uma gentileza desconcertante e, sem esperar resposta, virou-se para sair do quarto.Giovana deixou escapar um riso irônico assim que ele atravessou a porta. Ela já estava na mansão dos Baptista fazia dias, mas, até agora, ele sequer cogitava dormir ao lado dela. Não fazia mal. Ela tinha tempo de sobra. "Deixe ele resistir o quanto quiser. Quando terminar de tomar esse
Lúcia voltou ao casarão. A casa estava aconchegante, com uma temperatura agradável como a primavera. Envolta em um cobertor grosso, ela ouviu Basílio terminar de falar e, de repente, suas pestanas tremeram:— Giovana?— Isso mesmo. Ela foi sua grande amiga no passado. Foi ela quem apresentou você ao Sílvio. Mas, Lúcia, essa mulher é perigosa. Você precisa manter distância dela. Essa foto, você não se lembra dela? — Basílio pegou o celular e mostrou uma imagem. Na foto, aparecia um garoto de costas, vestindo uma jaqueta jeans suja e caminhando apressado.Lúcia pegou o celular dele, baixou os olhos e encarou a foto por um longo tempo. Parecia familiar, como se já tivesse visto em algum lugar, mas não conseguia se lembrar. No entanto, algo dentro dela se apertou ao olhar para aquela imagem. Uma dor inexplicável tomou seu peito, como se estivesse prestes a sufocar. Sua cabeça parecia prestes a explodir.— Você sente que já viu isso antes? — Basílio perguntou.— Sim.— Isso porque essa foto
— Será que isso foi ideia do Sílvio? Talvez ele realmente tenha pensado que eu morri e agora quer encontrar uma substituta pra mim? A Giovana não parece se importar... e assim a coisa ficou por isso mesmo. — Lúcia conjecturou, visivelmente incomodada.Basílio refletiu por um instante antes de responder:— Isso é algo que precisamos confirmar, mas, pelo que conheço do Sílvio, não seria surpresa se ele tivesse feito algo assim. Aliás, tem outra coisa que preciso te contar.— Pode falar. — Lúcia respondeu, esforçando-se para manter a compostura, embora sentisse o peso das palavras de Basílio.Ele abriu a pasta que carregava e tirou um relatório médico, entregando-o para Lúcia. Ela pegou o documento com uma certa hesitação. Bastou uma leitura rápida para que seu rosto ficasse pálido. Seus dedos apertaram o papel com força enquanto seus olhos fixavam-se, incrédulos, na pequena linha onde estava escrito: "Leucemia em estágio terminal".— O Sílvio tem, no máximo, seis meses de vida. E, na sit
No escritório da Mansão Baptista.A porta estava fechada. Uma luminária de mesa jazia sobre a escrivaninha, projetando uma luz amarelada e tímida que mal iluminava o ambiente.Sílvio, vestido com um roupão verde-escuro que realçava sua figura imponente, estava parado em frente à janela. Seus olhos estavam fixos na neve fina que caía lá fora. Primeiro, os flocos desciam discretos, pequenos, quase tímidos. Mas logo, tornaram-se mais densos e preenchiam o ar. A vidraça já estava embaçada por uma fina camada de condensação.Seu rosto estava tenso, como se carregasse um fardo invisível. Lúcia havia voltado, estava ali, tão próxima, ao seu lado. Ainda assim, uma sensação inexplicável de solidão e opressão o consumia. Ele estendeu a mão até o frasco branco sobre a mesa, um vidro de vitaminas que Lúcia havia trazido para ele mais cedo. Retirou a tampa, pegou três comprimidos e os colocou na boca.Apesar disso, o incômodo interno persistia. Sílvio sentia-se inquieto, irritado sem motivo aparent