O olhar de Sílvio, naquele momento, parecia um lago profundo e silencioso. Giovana sentia-se afundando, como se quanto mais tentasse resistir, mais fosse tragada para o fundo."Então é assim que se sente quando a pessoa que você ama também te ama", pensou. A sensação era sublime, quase irreal.Ela o encarou por alguns segundos, sem saber exatamente o que fazia, e lentamente estendeu a mão, tocando o rosto dele. Seus dedos, delicados como pincéis, traçaram o contorno de suas sobrancelhas, deslizaram pela linha do nariz e finalmente chegaram aos lábios firmemente fechados.Sílvio ficou rígido. Tudo em seu corpo gritava para que ele a afastasse, mas ele se forçou a manter o controle.— Me diga, por que você é tão bom para mim? — Perguntou Giovana, sua voz era um sussurro carregado de algo que ele não conseguiu decifrar. — A vida é única, Sílvio, você sabe disso, não sabe? Há tantas pessoas que querem viver, mas não têm essa chance. Não importa o quanto você ame uma mulher, nunca diga que
Lúcia jamais saberia que, no final, Sílvio havia tomado o remédio que ela havia comprado para ele com tanto cuidado.Sílvio segurava o pequeno frasco de comprimidos na mão, o olhar perdido em pensamentos. Seus dedos apertavam o frasco com força, mas ele não disse nada.— Algum problema? — Perguntou Giovana, com um tom de nervosismo na voz, enquanto o observava com atenção.Ele pareceu voltar à realidade, e, com um gesto leve, pousou a mão no ombro dela, tentando tranquilizá-la:— Um remédio comprado pela Lúcia, claro que eu vou tomar. Descanse cedo. Vou para o escritório resolver umas coisas.Sílvio levantou-se, falou com uma gentileza desconcertante e, sem esperar resposta, virou-se para sair do quarto.Giovana deixou escapar um riso irônico assim que ele atravessou a porta. Ela já estava na mansão dos Baptista fazia dias, mas, até agora, ele sequer cogitava dormir ao lado dela. Não fazia mal. Ela tinha tempo de sobra. "Deixe ele resistir o quanto quiser. Quando terminar de tomar esse
Lúcia voltou ao casarão. A casa estava aconchegante, com uma temperatura agradável como a primavera. Envolta em um cobertor grosso, ela ouviu Basílio terminar de falar e, de repente, suas pestanas tremeram:— Giovana?— Isso mesmo. Ela foi sua grande amiga no passado. Foi ela quem apresentou você ao Sílvio. Mas, Lúcia, essa mulher é perigosa. Você precisa manter distância dela. Essa foto, você não se lembra dela? — Basílio pegou o celular e mostrou uma imagem. Na foto, aparecia um garoto de costas, vestindo uma jaqueta jeans suja e caminhando apressado.Lúcia pegou o celular dele, baixou os olhos e encarou a foto por um longo tempo. Parecia familiar, como se já tivesse visto em algum lugar, mas não conseguia se lembrar. No entanto, algo dentro dela se apertou ao olhar para aquela imagem. Uma dor inexplicável tomou seu peito, como se estivesse prestes a sufocar. Sua cabeça parecia prestes a explodir.— Você sente que já viu isso antes? — Basílio perguntou.— Sim.— Isso porque essa foto
— Será que isso foi ideia do Sílvio? Talvez ele realmente tenha pensado que eu morri e agora quer encontrar uma substituta pra mim? A Giovana não parece se importar... e assim a coisa ficou por isso mesmo. — Lúcia conjecturou, visivelmente incomodada.Basílio refletiu por um instante antes de responder:— Isso é algo que precisamos confirmar, mas, pelo que conheço do Sílvio, não seria surpresa se ele tivesse feito algo assim. Aliás, tem outra coisa que preciso te contar.— Pode falar. — Lúcia respondeu, esforçando-se para manter a compostura, embora sentisse o peso das palavras de Basílio.Ele abriu a pasta que carregava e tirou um relatório médico, entregando-o para Lúcia. Ela pegou o documento com uma certa hesitação. Bastou uma leitura rápida para que seu rosto ficasse pálido. Seus dedos apertaram o papel com força enquanto seus olhos fixavam-se, incrédulos, na pequena linha onde estava escrito: "Leucemia em estágio terminal".— O Sílvio tem, no máximo, seis meses de vida. E, na sit
No escritório da Mansão Baptista.A porta estava fechada. Uma luminária de mesa jazia sobre a escrivaninha, projetando uma luz amarelada e tímida que mal iluminava o ambiente.Sílvio, vestido com um roupão verde-escuro que realçava sua figura imponente, estava parado em frente à janela. Seus olhos estavam fixos na neve fina que caía lá fora. Primeiro, os flocos desciam discretos, pequenos, quase tímidos. Mas logo, tornaram-se mais densos e preenchiam o ar. A vidraça já estava embaçada por uma fina camada de condensação.Seu rosto estava tenso, como se carregasse um fardo invisível. Lúcia havia voltado, estava ali, tão próxima, ao seu lado. Ainda assim, uma sensação inexplicável de solidão e opressão o consumia. Ele estendeu a mão até o frasco branco sobre a mesa, um vidro de vitaminas que Lúcia havia trazido para ele mais cedo. Retirou a tampa, pegou três comprimidos e os colocou na boca.Apesar disso, o incômodo interno persistia. Sílvio sentia-se inquieto, irritado sem motivo aparent
Lúcia levantou o rosto, deixando que os flocos de neve caíssem em suas bochechas. No caminho até Sílvio, o vento gelado soprava contra seu rosto, mas, curiosamente, ela não sentia frio.Os arranha-céus imponentes pareciam tocar as nuvens, e em um deles havia um enorme cartaz de propaganda. Na imagem, um homem de feições marcantes estava sentado numa cadeira, vestindo um terno impecável. Apesar da expressão séria, a aura de poder e elegância era inegável.Lúcia sorriu para o homem da foto:— Sílvio, eu vim te encontrar. Vim te contar a verdade.Ela atravessou a faixa de pedestres impecavelmente pintada e entrou no Grupo Baptista. Era o horário de expediente, mas o prédio estava surpreendentemente tranquilo. Ela pegou o elevador social e subiu até o andar da presidência. Caminhando pelo longo corredor, ela notou o carpete cinza com padrões discretos que abafava o som dos passos.Dos dois lados do corredor estavam os escritórios. Com curiosidade, Lúcia lançou um olhar rápido. Os homens, t
Lúcia ainda estava tentando entender o que estava acontecendo quando foi violentamente empurrada por Giovana. Seu corpo inteiro, como se fosse um saco de areia, colidiu com força na borda da mesa. Uma dor lancinante percorreu todo o seu corpo, e ela não conseguiu conter um arquejo de dor.— Solta… solta… — Lúcia tentou dizer, com a respiração entrecortada.Giovana riu, fria e sarcástica:— Soltar você? Você mesma veio aqui me provocar e agora quer que eu te solte? Sua idiota! Você não tem cérebro, não? Veio até aqui por conta própria, como se estivesse pedindo para morrer!Antes que Lúcia pudesse reagir, Giovana agarrou a nuca dela com força e bateu sua cabeça contra a superfície da mesa. O impacto foi brutal, e o sangue começou a escorrer pela testa de Lúcia, borrando sua visão quase instantaneamente.— Já tentei te matar várias vezes e você ainda não morreu, hein? Que sorte de merda a sua! Câncer em estágio terminal? Você sobreviveu! Pulou de um prédio? Também sobreviveu! Seus pais m
A porta do escritório foi escancarada com um chute. Sílvio entrou apressado e viu o cinzeiro cair das mãos de Lúcia, batendo no chão com um som seco.Giovana estava com o rosto completamente coberto de sangue. Ela tapava os lábios com as mãos, chorando de maneira desesperada.— O que foi que eu fiz de errado para você me tratar assim? — Giovana soluçou, com a voz embargada. — Me mata de uma vez, me mata! Eu sou a verdadeira Lúcia, eu juro!Lúcia estava paralisada, tentando compreender o que estava acontecendo.De repente, Giovana caiu de joelhos na frente dela, com um baque surdo, e começou a bater a testa no chão enquanto a implorava, em meio a lágrimas:— Quem é você? Por que está fazendo isso comigo? Eu te imploro! Olha, eu me ajoelho, eu faço o que você quiser! Eu e meu marido passamos por tanta coisa pra chegar até aqui... Por que você quer destruir o que temos? Por que você quer acabar com o nosso amor?— Eu... — A voz de Lúcia falhou. Sua garganta estava seca, e a dor na testa e