No escritório da Mansão Baptista.A porta estava fechada. Uma luminária de mesa jazia sobre a escrivaninha, projetando uma luz amarelada e tímida que mal iluminava o ambiente.Sílvio, vestido com um roupão verde-escuro que realçava sua figura imponente, estava parado em frente à janela. Seus olhos estavam fixos na neve fina que caía lá fora. Primeiro, os flocos desciam discretos, pequenos, quase tímidos. Mas logo, tornaram-se mais densos e preenchiam o ar. A vidraça já estava embaçada por uma fina camada de condensação.Seu rosto estava tenso, como se carregasse um fardo invisível. Lúcia havia voltado, estava ali, tão próxima, ao seu lado. Ainda assim, uma sensação inexplicável de solidão e opressão o consumia. Ele estendeu a mão até o frasco branco sobre a mesa, um vidro de vitaminas que Lúcia havia trazido para ele mais cedo. Retirou a tampa, pegou três comprimidos e os colocou na boca.Apesar disso, o incômodo interno persistia. Sílvio sentia-se inquieto, irritado sem motivo aparent
Lúcia levantou o rosto, deixando que os flocos de neve caíssem em suas bochechas. No caminho até Sílvio, o vento gelado soprava contra seu rosto, mas, curiosamente, ela não sentia frio.Os arranha-céus imponentes pareciam tocar as nuvens, e em um deles havia um enorme cartaz de propaganda. Na imagem, um homem de feições marcantes estava sentado numa cadeira, vestindo um terno impecável. Apesar da expressão séria, a aura de poder e elegância era inegável.Lúcia sorriu para o homem da foto:— Sílvio, eu vim te encontrar. Vim te contar a verdade.Ela atravessou a faixa de pedestres impecavelmente pintada e entrou no Grupo Baptista. Era o horário de expediente, mas o prédio estava surpreendentemente tranquilo. Ela pegou o elevador social e subiu até o andar da presidência. Caminhando pelo longo corredor, ela notou o carpete cinza com padrões discretos que abafava o som dos passos.Dos dois lados do corredor estavam os escritórios. Com curiosidade, Lúcia lançou um olhar rápido. Os homens, t
Lúcia ainda estava tentando entender o que estava acontecendo quando foi violentamente empurrada por Giovana. Seu corpo inteiro, como se fosse um saco de areia, colidiu com força na borda da mesa. Uma dor lancinante percorreu todo o seu corpo, e ela não conseguiu conter um arquejo de dor.— Solta… solta… — Lúcia tentou dizer, com a respiração entrecortada.Giovana riu, fria e sarcástica:— Soltar você? Você mesma veio aqui me provocar e agora quer que eu te solte? Sua idiota! Você não tem cérebro, não? Veio até aqui por conta própria, como se estivesse pedindo para morrer!Antes que Lúcia pudesse reagir, Giovana agarrou a nuca dela com força e bateu sua cabeça contra a superfície da mesa. O impacto foi brutal, e o sangue começou a escorrer pela testa de Lúcia, borrando sua visão quase instantaneamente.— Já tentei te matar várias vezes e você ainda não morreu, hein? Que sorte de merda a sua! Câncer em estágio terminal? Você sobreviveu! Pulou de um prédio? Também sobreviveu! Seus pais m
A porta do escritório foi escancarada com um chute. Sílvio entrou apressado e viu o cinzeiro cair das mãos de Lúcia, batendo no chão com um som seco.Giovana estava com o rosto completamente coberto de sangue. Ela tapava os lábios com as mãos, chorando de maneira desesperada.— O que foi que eu fiz de errado para você me tratar assim? — Giovana soluçou, com a voz embargada. — Me mata de uma vez, me mata! Eu sou a verdadeira Lúcia, eu juro!Lúcia estava paralisada, tentando compreender o que estava acontecendo.De repente, Giovana caiu de joelhos na frente dela, com um baque surdo, e começou a bater a testa no chão enquanto a implorava, em meio a lágrimas:— Quem é você? Por que está fazendo isso comigo? Eu te imploro! Olha, eu me ajoelho, eu faço o que você quiser! Eu e meu marido passamos por tanta coisa pra chegar até aqui... Por que você quer destruir o que temos? Por que você quer acabar com o nosso amor?— Eu... — A voz de Lúcia falhou. Sua garganta estava seca, e a dor na testa e
Ao ouvir aquelas palavras, Giovana, que estava ao lado de Sílvio, ficou tensa. Antes mesmo que ele pudesse dizer algo, ela imediatamente se adiantou, negando com pressa:— Não pode!Sílvio virou-se para ela, estreitando os olhos.Giovana percebeu que havia falado demais e rapidamente tentou se explicar com uma voz suave e quase vulnerável:— Sílvio, não é medo, muito menos outra coisa... Eu só quero que você fique comigo. Minha testa está doendo muito. Você me leva ao hospital, por favor?— Sílvio, eu só preciso de cinco minutos para conversar com você! — Lúcia, percebendo o silêncio dele, cedeu um pouco.Cinco minutos... Não podia ser muito, certo? Ela simplesmente não acreditava que Sílvio, aquele homem com quem fora tão íntima, tão apaixonada no passado, recusaria cinco míseros minutos de conversa.O olhar frio de Sílvio oscilava entre Giovana e Lúcia. Nesse momento, Leopoldo entrou pela porta, seguido por alguns seguranças. Assim que viu Lúcia, franziu as sobrancelhas, claramente i
O movimento foi fluido e preciso. A fumaça branca subiu no ar, formando uma névoa que parecia envolver Sílvio por completo.Lúcia sentiu que já não conseguia enxergá-lo claramente. Mas ela precisava vê-lo, captar cada detalhe daquele rosto. Então, deu um passo adiante, depois outro, caminhando em direção a ele com determinação. Quando chegou perto da borda da mesa, ouviu a voz fria e cortante de Sílvio, enquanto ele franzia a testa:— Fique aí e fale daí.Os passos de Lúcia pararam de imediato. Ela ficou imóvel, olhando para ele, para seu rosto forte e marcante, agora envolvido pela fumaça. Mesmo assim, por mais frio que ele parecesse, ela não podia evitar: seu coração ainda batia mais forte por ele, ainda doía."Depois de tudo que passamos juntos", pensou. "Depois de tantas vezes que enfrentamos a morte lado a lado. Depois de eu ter perdido a memória e ele ter ficado tão devastado que até os cabelos ficaram brancos por causa da tristeza. Eu não lembrava de ninguém, mas lembrava dele.
Aquele relógio era exatamente da mesma marca que o que Lúcia havia dado a ele no passado. Ela nunca permitiu que ele o tirasse do pulso, e mesmo durante as brigas mais sérias, quando ficavam dias sem se falar, ele jamais o retirou. Até o dia em que Lúcia foi sequestrada pelo gerente de um cliente e caiu de um penhasco. O relógio foi danificado e, apesar de todos os esforços para consertá-lo, não houve jeito. E agora, em um destino quase irônico, aquele relógio era o mesmo modelo que ela havia dado antes, idêntico ao que ele usava na mão direita, o presente que Lúcia lhe deu quando, contra todas as probabilidades, ela voltou da morte.Sílvio ficou intrigado. Como aquela mulher sabia a marca e o modelo exato do relógio que Lúcia tinha lhe dado? Mas, mesmo com essa dúvida rondando sua mente, ele manteve a expressão inabalável. A fumaça do cigarro, queimarina entre seus dedos, formava uma cinza comprida que, ao cair sobre sua mão, finalmente o trouxe de volta à realidade.Ele ergueu os olh
— Sílvio, você é um ingrato. Lúcia, não chore, Sílvio gosta de você. Até a arara sabia dizer essas coisas. — Continuou Lúcia, enquanto soluçava. — Eu estou tão triste... Não consigo entender por que você não consegue me reconhecer. Até a arara sabe quem eu sou! Ela sabe que eu sou a Lúcia! Nós dividimos a mesma cama por tanto tempo, como é possível que você não se lembre da minha respiração? Do meu cheiro? Você só consegue se lembrar da minha aparência? Do meu rosto? Sílvio, se alguém fizesse uma cirurgia para ficar igual a você, eu seria capaz de te encontrar no meio de milhares de cópias idênticas e te levar para casa.Conforme as palavras saíam da boca de Lúcia, cada vez mais apressadas e confusas, ela sentia os olhos arderem com intensidade, enquanto sua mão tremia para limpar as lágrimas que insistiam em cair. Olhando para o homem sentado na poltrona de couro, ela mal conseguia conter o choro.— Pequeno Mudo! — Exclamou Lúcia, num tom quase suplicante. — Sílvio, você se lembra do