Basílio, atento ao fato de que ela havia acabado de acordar, foi direto ao ponto:— Você sofreu um acidente, e eu te salvei. Só aqui, com os recursos médicos disponíveis, foi possível cuidar de você.— Basílio... eu posso confiar em você? — Lúcia perguntou, encostada no travesseiro. Depois de um longo silêncio, finalmente falou, hesitante.Basílio assentiu com firmeza:— Claro que pode.— Você pode me levar de volta? Preciso encontrar uma pessoa.— Encontrar alguém?— Isso. Ele é muito importante pra mim. Se não me encontrar, ele vai ficar bravo.— Quem é essa pessoa?— Sílvio!— Sílvio? Você ainda se lembra de Sílvio?Os olhos de Basílio brilharam com uma surpresa desconfortável, enquanto um turbilhão de emoções invadia seu coração."Amnésia seletiva. Ela esqueceu tudo e todos, menos o Sílvio?" A mente dele fervilhava. "Será que Sílvio é mesmo tão importante pra ela? Isso não é Deus me dando uma chance. É Deus me mostrando que, depois de tudo, aquilo que nunca foi meu, continuará não
O quarto de hospital estava silencioso. Lúcia pegou o controle remoto ao lado da cama e ligou a TV presa à parede. Na tela, uma apresentadora relatava a notícia do funeral da esposa falecida de Sílvio, presidente do Grupo Baptista. Logo em seguida, a imagem de Sílvio ajoelhado diante de um altar, os cabelos completamente brancos, apareceu no monitor.A moldura da foto dela era rosa. As flores ao redor também eram cor-de-rosa. "Por que o cabelo dele está branco desse jeito?", ela se perguntou. "Será que ele pensou que eu estava morta e ficou tão triste assim? Nosso casamento virou um funeral?"Lúcia observava a expressão de Sílvio na tela. As linhas do rosto dele estavam rígidas, a postura fria e sombria como nunca antes. Ele vestia um terno preto impecável e estava na linha de frente da multidão, com os olhos fixos no altar. "Então ele me amava mais do que eu imaginava", pensou ela. "Caso contrário, como poderia estar tão acabado, com os cabelos brancos?""Sílvio não é frio. Ele só apa
Lúcia disse que não aguentava mais esperar e que queria voltar para casa imediatamente.Basílio franziu a testa, os olhos fixos nos dela:— Não tem conversa. Se você não aceitar as minhas condições, eu não vou te ajudar. O Sílvio não vai morrer. Ele é um homem adulto, aguenta sentir a dor de te perder por um tempo. Quando você voltar, ele vai te valorizar mais. Se ele não passar por essa provação, você acha que ele vai aprender alguma coisa? Se você não consegue nem fazer ele sofrer um pouco, então faça as malas sozinha, porque eu não vou te levar.Lúcia parou para pensar. Ela estava em um lugar desconhecido, sem documentos, sem nada. A única pessoa em quem podia confiar era Basílio. Depois de um momento de hesitação, ela assentiu:— Tudo bem, eu aceito. Mas você tem que prometer que não vai voltar atrás.— Não se preocupe. Eu nunca fiz nada para te prejudicar.Basílio a pegou no colo, colocando-a de volta na cama. Em seguida, colocou a comida que havia trazido na mesinha ao lado. Apes
Talvez fosse porque uma boa notícia trazia mesmo um espírito renovado. O estado de saúde de Lúcia melhorava a olhos vistos.Basílio sentia-se dividido: por um lado, estava feliz; por outro, uma sensação de vazio o consumia. Seus sentimentos eram um turbilhão.Três meses passaram rápido. Logo chegaria o dia em que Lúcia teria alta e ele a entregaria novamente para Sílvio. Essa data se aproximava cada vez mais.Lúcia estava sentada na cama do hospital, um sorriso leve iluminando seu rosto. Do lado de fora do quarto, Basílio a observava pela pequena janela de vidro enquanto segurava o telefone no ouvido.— Vai mesmo mandá-la de volta? — Questionou Daulo do outro lado da linha, com a voz carregada de reprovação.— E o que mais eu poderia fazer? — Basílio respondeu com um sorriso amargo.— Se eu soubesse que ela tinha esquecido todo mundo, menos o Sílvio, nem teria me dado ao trabalho de ajudar a salvá-la! Olha só, todo o esforço para ela voltar pra ele de bandeja. — Daulo reclamava, irrita
Ainda não era o momento certo para falar o que sentia. Ele temia ser brusco demais, assustá-la. Precisava esperar a oportunidade certa, uma chance para prender Lúcia ao seu lado. Quando conseguisse, seria para a vida toda. Ela não teria como escapar, nem se quisesse.— Certo. — Lúcia, completamente imersa na empolgação de reencontrar Sílvio, nem sequer desconfiava dos planos silenciosos de Basílio.Na véspera da viagem de retorno, Lúcia estava tão ansiosa que simplesmente não conseguiu pregar os olhos. Sentia como se quisesse criar asas e voar direto para os braços de Sílvio, abraçá-lo com toda a força.Na manhã seguinte, Basílio percebeu que ela tinha olheiras profundas. Era evidente que não tinha dormido. Durante o café da manhã, Lúcia quase não tocou na comida, reclamando sem parar sobre como o tempo parecia se arrastar. Basílio, no entanto, insistiu para que ela comesse tanto o café quanto o almoço antes de saírem. Só então chamou um táxi para levá-los ao aeroporto. Por precaução,
— O quê?A mão de Lúcia, que estava prestes a soltar o cinto de segurança, ficou imóvel no ar. Ela levantou os olhos, confusa, e encarou Basílio no banco ao lado.Basílio, com um sorriso tranquilo, repetiu:— Você disse que cumpriria qualquer pedido meu, sem condições.— Sim, eu disse.— Pois bem, Lúcia. Eu levei a sério. Quando eu souber o que quero, vou cobrar a sua promessa. — As palavras de Basílio pareciam simples, mas Lúcia, alheia ao tom sutil que escondia algo mais profundo, apenas agradeceu novamente e abriu a porta do carro.O vento gelado e cortante soprou direto em seu rosto enquanto grandes flocos de neve caíam do céu cinzento, cobrindo tudo ao redor. Sua respiração ficou curta com o impacto da friagem. Sem olhar para trás, ela fechou a porta do carro.Basílio deu um leve aceno ao motorista, que arrancou o carro e saiu da Mansão Baptista. No silêncio do carro, o assistente, visivelmente incomodado, deu uma olhada no espelho retrovisor e não conseguiu segurar o desabafo:—
— A ligação que você tentou fazer não pôde ser completada. Por favor, tente novamente mais tarde.Lúcia ouviu a mensagem automática pela décima vez. Tentou ligar para Sílvio repetidamente, mas ele não atendia.“Que estranho... Onde ele está? Será que está tão ocupado assim? Por que não atende o telefone?”O coração dela começou a bater acelerado. Os pensamentos vieram como uma enxurrada. Algo estava errado. Ela não sabia exatamente o quê, mas havia uma sensação incômoda, um pressentimento que não conseguia ignorar.Tentou se acalmar. Respirou fundo e começou a repetir para si mesma:“Lúcia, não seja paranoica. Você tem que confiar nele. Vocês estão prestes a tirar as fotos de casamento, a se casar. Confiança é a base de qualquer relacionamento duradouro. Além disso, ele achou que você estava morta. Ficou tão devastado que envelheceu de um dia para o outro. Isso não prova o quanto ele te ama?”Ela continuou se convencendo, tentando afastar o desconforto, mas o sentimento não desaparecia
O papagaio piscou os olhos negros e brilhantes, encarando Lúcia.Ela passou a mão suavemente pelas penas escuras e macias da ave, sorrindo quase sem perceber. Gostava dele. O canto dos lábios se curvou ainda mais enquanto ela dizia:— Sílvio gosta da Lúcia.O papagaio permaneceu em silêncio.— Vamos, diga! Se você falar, eu compro mais ração para você. Quem sabe até te levo para casa comigo. — Lúcia abaixou-se um pouco mais, a voz agora doce e persuasiva, toda a sua atenção focada nele.Mas o papagaio continuava mudo, como se estivesse deliberadamente ignorando o pedido.De repente, o som de pneus rangendo contra o asfalto quebrou o silêncio. Lúcia virou a cabeça rapidamente e viu um Rolls-Royce Cullinan preto estacionando em frente à Mansão do Baptista. Seu coração disparou. Ela reconhecia aquele carro. Era o de Sílvio!Ela se levantou de um salto, os olhos fixos na porta que começava a se abrir. Leopoldo foi o primeiro a descer. Ele abriu um grande guarda-chuva preto com um gesto fir