A declaração repentina de Lúcia pegou Sílvio de surpresa. Sua mão, que segurava a colher de sopa, parou no ar por um instante. Sua primeira reação foi pensar que tinha ouvido errado.Lúcia dizendo que queria guardar a imagem dele em sua memória? Não fazia sentido. Ela o odiava tanto que parecia desejar sua morte.Mas ele tinha ouvido, sim, aquelas palavras. Talvez fosse porque o caminho que percorreram juntos até ali tinha sido difícil demais. Ou talvez Lúcia já tivesse dito coisas tão cruéis que, ao ouvir aquela frase "Quero me lembrar de como você é". O coração de Sílvio ficou apertado. Os olhos dele se encheram de lágrimas. Será que a sinceridade dela finalmente havia tocado sua alma?Lúcia percebeu a mudança em seu rosto enquanto tomava colheradas da canja de galinha que ele lhe oferecia. Era o sabor de sempre, o preferido dela, mas, naquele momento, parecia insípido.— Sílvio.— Hum?— Seus olhos estão vermelhos.— É porque estou feliz. — Respondeu ele, com a voz embargada, mas su
Lúcia segurava o celular com força, lendo as mensagens provocativas. No entanto, não sentia raiva. Talvez fosse porque estava perto do fim. Seu coração estava incrivelmente calmo.[Foi por causa daquela foto que vocês brigaram?]Continuava Giovana, enviando mensagem atrás de mensagem. [Eu só levei ele pra casa, só isso. Você ainda sente ciúmes? Sílvio nunca vai ser só seu, acorda pra vida!][Olha, se você não se importa, pode me pedir por favor. Quem sabe eu tenha um momento de compaixão e deixe vocês continuarem casados? Quem sabe eu até aceite brincar com vocês dois juntos? Aliás, você devia saber das suas limitações. Na cama, você é péssima, sabia? O Sílvio me disse que você é toda certinha, cheia de vergonha. Viu minha foto? Eu fiz ele se sentir no paraíso. Ele nunca teve isso com você, né?][Ah, o sabor do seu marido é maravilhoso. Daqui a pouco ele chega aqui. Qual sabor de camisinha você acha que combinamos? Comprei de pêssego, menta e morango… E aí? Vocês usavam qual?]As mens
Lúcia terminou de escrever no diário, fechou o caderno e o guardou na gaveta. Depois, girou a chave, trancando-o. Não sabia se Sílvio um dia encontraria aquele caderno com seus registros. E, sinceramente, tanto fazia. Se ele visse ou não, não mudaria nada.Em breve, ela não estaria mais nesse mundo.Lúcia queria partir de forma digna, com a elegância que sempre prezou. Dirigiu-se ao closet e escolheu um vestido de lã branco. Era uma peça especial, um presente de seu pai. Pensou que, se fosse ao encontro dele usando o vestido que ele comprara, talvez ele ficasse feliz. Depois, foi tomar banho e secou os cabelos cuidadosamente com o secador.Do lado de fora, Marina, segurando uma bandeja com a refeição pronta, chegou até a porta do quarto, que estava aberta. Deparou-se com Lúcia sentada em frente à penteadeira, espalhando delicadamente uma loção sobre as bochechas com as pontas dos dedos.Marina parou, perplexa. Era raro ver a Sra. Lúcia se cuidar daquele jeito. Ela esfregou os olhos, ac
Mas o caminho era longo, e ela temia que imprevistos pudessem acontecer. Decidiu abandonar essa ideia.Diziam que, antes de morrer, os parentes já falecidos vinham buscar a pessoa. Lúcia se perguntava se seus pais ainda estavam zangados com ela por todas as decisões erradas que tomara. Será que eles viriam?Ela não sabia.Lúcia caminhou até a varanda, estendeu os dedos pálidos e começou a deslizar o vidro da porta para abri-la. O vento gelado entrou com força, espalhando neve pelo apartamento.Os flocos de neve dançavam com o vento, caindo em sua pele. Alguns pousaram em suas bochechas, outros em seus cabelos e nos ombros do vestido branco. Até os cílios dela estavam cobertos por uma camada fina e gelada.Quando a neve começou a cair, ela não sabia. Seus pés, protegidos por botas de neve, afundaram na grossa camada branca que cobria o chão.De repente, lembrou-se de quando conheceu Sílvio. Foi em um dia como aquele, com neve caindo por todos os lados. Era o primeiro dia de aula na univ
— Lúcia, diga que você vai amar o Sílvio para sempre.O calor da respiração dele roçava em seu ouvido, enquanto ele a persuadia com palavras sussurradas.Talvez para agradá-lo, ou talvez porque ele sabia exatamente como satisfazê-la na cama, Lúcia não percebeu o verdadeiro tom por trás das palavras dele.Ela nem imaginava que ele já estava planejando sua vingança, que aconteceria em breve.Lúcia era forçada a suportar as investidas dele, uma após a outra, intensas e dominadoras. Com o rosto corado, ela entrelaçou os braços em volta do pescoço dele e prometeu:— Lúcia vai amar o Sílvio para sempre.— Não importa o que aconteça.— Não importa o que aconteça.— Nunca vou mudar.— Nunca vou mudar.— Nunca vou desistir.Essas palavras eram tão cheias de emoção, tão tocantes. Para Lúcia, eram raros os momentos em que ele parecia verdadeiramente entregue ao sentimento. O olhar dele, carregado de desejo, transbordava uma possessividade que ela aceitava sem questionar. Afinal, sem amor, como po
— Sílvio, eu estou doente! Tenho câncer de fígado em estágio terminal! Está claramente escrito no relatório médico, eu não estou mentindo!Mas o olhar frio de Sílvio não demonstrou nenhum traço de compaixão. Ele a forçou a engravidar, a ter um filho, a assinar contratos abusivos, a ajoelhar-se na entrada da sede do Grupo Baptista, sabendo muito bem o quanto ela detestava o frio.Obrigou-a a trabalhar como faxineira no Grupo Baptista, a se transformar em uma empregada doméstica à mercê de suas vontades. Obrigou-a a tomar medicamentos enquanto confiscava o dinheiro que deveria pagar as despesas médicas de seu pai. Ele a pressionava, impiedosamente, sem descanso.Lúcia acreditava, inocentemente, que sua submissão, sua abdicação e até mesmo sua saúde poderiam comprar a paz e o bem-estar de sua família. Ela estava disposta a usar sua própria vida para garantir que a família Baptista permanecesse intacta e para expiar os pecados de seus sogros já falecidos. Mas isso não o impediu de levar se
Lúcia lembrava com clareza das palavras de seu pai: o dia em que ela nasceu, nevava intensamente. Sua mãe adorava a neve. O mesmo céu branco que a trouxe ao mundo agora testemunhava sua partida. Talvez fosse o destino, pensou ela, em um suspiro melancólico.Ela estendeu a palma da mão. Os flocos de neve pousaram delicadamente em sua pele, gelados como o vazio que ela sentia dentro de si. O frio parecia ter se infiltrado em sua alma, mergulhando-a em um abismo glacial.O vento cortava seu rosto como lâminas afiadas, deixando a pele ardida e dormente. Seus pés, aquecidos apenas pelas botas de neve, já estavam insensíveis, congelados. Todo o corpo parecia desligado, como se ela não fosse mais dona de si. Mesmo assim, ela continuava a dar passos lentos, mecânicos, em direção ao inevitável.Lúcia abaixou o olhar e observou o chão coberto pela neve branca, lá embaixo. Do segundo andar, a altura não era impressionante, mas o suficiente para causar estragos irreversíveis. Se não morresse, prov
O segurança, com a voz trêmula, resumiu rapidamente o que havia presenciado para Leopoldo:— Sr. Leopoldo, eu já chamei a ambulância, mas ela ainda não chegou. O que a gente faz? É melhor avisar o Sr. Sílvio logo!— Certo, eu entendi.Leopoldo encerrou a ligação e foi direto para a porta da sala de reuniões. Através do vidro, ele viu Sílvio ainda irritado, dando ordens ríspidas aos subordinados.Em situações normais, Leopoldo jamais ousaria interromper uma reunião como aquela. Mas Lúcia estava em perigo. E, além disso, ela sempre o tratou com respeito. Com esse pensamento, ele respirou fundo e empurrou a maçaneta da porta de vidro, entrando na sala.A intrusão repentina fez Sílvio, sentado na cadeira de chefe, lançar-lhe um olhar gelado e ainda mais irritado. Todos os presentes perceberam a mudança de humor e ficaram ainda mais tensos, como se o ar tivesse congelado.— Quem te deu permissão para entrar? Saia! — Ordenou Sílvio, com a voz firme e cortante.Leopoldo, ignorando o tom ameaç