Sílvio voltou ao apartamento a pé.Ao chegar à entrada, viu Leopoldo encostado no carro, esperando-o com a postura usualmente respeitosa. Assim que Sílvio se aproximou, Leopoldo lhe entregou o celular apagado, dizendo:— Sr. Sílvio, o senhor deixou o celular no carro.— A Srta. Giovana foi entregue em segurança? — Perguntou Sílvio, recebendo o aparelho enquanto segurava o cigarro entre os dentes.Leopoldo assentiu:— Está sob os cuidados do Dr. Arthur. Sr. Sílvio, talvez seja melhor o senhor voltar logo para a Sra. Lúcia. Se ela descobrir que esta noite o senhor foi até a Srta. Giovana...Ele deixou a frase incompleta, mas não era necessário terminá-la. Sílvio sabia o que viria a seguir: Lúcia faria um escândalo, sem dúvidas.A chuva batia forte contra a sombrinha preta que ele segurava, produzindo um som constante e ritmado. Sílvio deu mais uma tragada no cigarro antes de entrar no prédio. Subiu para o apartamento, guardou o guarda-chuva e trocou os sapatos molhados pelos chinelos.Ao
Nos olhos de Sílvio, parecia que, se aquele relógio pudesse ser consertado, ele e Lúcia poderiam voltar a ser como antes. Aquele relógio não era apenas um acessório, mas um símbolo do amor que Lúcia um dia sentira por ele. No entanto, nada disso adiantava.Sílvio sentiu-se um pouco abatido, sem saber se era pela impossibilidade de consertar o relógio ou pelo turbilhão de acontecimentos daquele dia. — Sr. Sílvio, nossa loja recebeu novos modelos de relógios, com uma relação custo-benefício ainda melhor. Que tal eu levar alguns para o senhor dar uma olhada amanhã? — Sugeriu o responsável pela loja, em um tom cauteloso e conciliador. Ele sabia muito bem quem era Sílvio e não queria perder a oportunidade de fechar um negócio.Relógios tão caros não estavam ao alcance da maioria das pessoas. Apenas homens como Sílvio, ricos e poderosos, podiam adquiri-los sem pestanejar.— Não é necessário — Respondeu Sílvio com frieza.Desligou o telefone. A chuva ficava cada vez mais intensa. Ele olhou p
Lúcia franziu a testa. Seus dedos pálidos e encharcados tremiam levemente.Era como um pesadelo. Imagens desconexas invadiam sua mente.Ela se lembrou do primeiro ano da faculdade. Estava vestindo um casaco vermelho, com o cabelo preso em um coque, enquanto ajudava a recepcionar os calouros. Giovana apareceu com Sílvio, apresentando-o a ela.— Oi, meu nome é Sílvio. — Ele disse, com um sorriso marcante.Para conquistar aquele homem bonito, que parecia ter saído de um sonho, ela não mediu esforços. Criou encontros "por acaso", puxava conversa e insistiu em pegar o número dele:— Sílvio, dizem por aí que você tem segundas intenções comigo. Mas eu confio no meu instinto. Aqui, este relógio é pra você. Quando colocá-lo, estará assumindo que é meu homem. E não vai tirá-lo nunca mais, ouviu? Você precisa cuidar de mim para sempre, nunca me magoar ou me fazer chorar. Promete?Essas lembranças doces, porém, foram despedaçadas como papel rasgado por uma mão cruel.De repente, Lúcia viu Abelardo
Então, Giovana tomou a iniciativa de beijar os lábios dele. Sílvio não a afastou.Lúcia sentia a mente completamente confusa, como se um raio tivesse partido seu mundo ao meio. Na sua imaginação, um relâmpago púrpura cortava o céu negro enquanto uma tempestade desabava com força.Ela abriu os olhos de repente. Estavam vermelhos, muito vermelhos, e os cantos também ardiam em tom escarlate. Gotas de chuva, grossas e pesadas, batiam sem piedade em seu rosto e corpo. Ela não havia morrido. Mesmo com aquele líquido vermelho injetado em suas veias, havia sobrevivido.Mas tudo voltou à sua mente. Cada detalhe. Cada dor esquecida. Afinal, fazer com que ela recuperasse as memórias e continuasse viva, mergulhada no sofrimento, era o verdadeiro inferno.Cruel. Impiedoso.Com esforço, Lúcia começou a se levantar do chão, pouco a pouco. Suas mãos doíam intensamente, os dedos latejavam, as palmas estavam inchadas, e a pele dos braços havia sido quase toda esfolada.Seu rosto também ardia muito. Ao t
Então, afinal, Sílvio saiu correndo de casa hoje não para procurá-la, mas para buscar Giovana no bar e se divertir com ela. Lúcia tremia de raiva, sentindo os dedos quase esmagarem o celular em sua mão, como se fosse explodir em pedaços. Uma fúria ardente brotava de seu peito, subindo como labaredas incontroláveis. Ela jogou o celular no chão com força. O aparelho caiu na água da chuva, que só aumentava de intensidade, chicoteando seu rosto sem piedade. Seus olhos, lavados pela enxurrada, mal conseguiam se manter abertos. O caminho de volta para casa parecia infinito. Apenas alguns postes de luz amarela e solitária, espalhados pelas laterais da estrada, assistiam em silêncio enquanto ela caminhava, devagar e com dificuldade. A chuva, misturada às lágrimas, escorria pelo rosto machucado, que ela tentava secar com a mão ferida e já em carne viva. De repente, flashes invadiram sua mente. No hospital Serra Encantada, ela se via sem memória, sendo manipulada por Sílvio como um brinq
As bochechas de Lúcia estavam inchadas, o canto de sua boca tinha vestígios de sangue, e a água escorria continuamente de seus cílios e rosto. Ela não se aproximou. Ficou parada, olhando friamente para o homem no sofá. Sílvio levantou-se apressado, com os olhos cheios de preocupação:— Você não estava no quarto dormindo? Ele realmente achava que ela estava no quarto. Pelo visto, Giovana tinha razão. Ele saiu às pressas de carro, mas não para procurá-la. Até agora, ele sequer sabia o que tinha acontecido com ela ou pelo que ela havia passado. — Lúcia, o que aconteceu? — Sílvio caminhou rápido em sua direção, com um misto de preocupação e ansiedade. Lúcia achava que ele era um grande fingido. O que aconteceu naquela noite não era parte do plano dele? Ele queria que ela recuperasse a memória para mudar o "roteiro" e continuar a torturá-la? — O que aconteceu comigo, o Sr. Sílvio não sabe? — Lúcia zombou, com um sorriso frio. Ao ouvir o tom formal dela e perceber a mudança no
— Sílvio, você não é um ser humano, você é um monstro! Não, você é pior do que um monstro! Até um animal sabe retribuir carinho balançando o rabo! Mas e você? E você? Você me enganou, me machucou, destruiu minha família, matou meus pais! Para quê você me salvou? — Lúcia gritava com os olhos vermelhos de tanta raiva, enquanto lágrimas grossas escorriam sem parar por seu rosto.Ela apertava os dentes com força e continuava a estapear o rosto de Sílvio, cada golpe mais forte que o anterior. O rosto dele já estava dormente com tantas pancadas, mas ele não revidou, nem tentou se explicar. Ele sabia que, independentemente do que dissesse, Lúcia não acreditaria. A cada tapa, o rosto de Sílvio inchava mais. Já as mãos de Lúcia começaram a ficar dormentes. Mesmo assim, ela agarrou o colarinho do roupão dele com força, encarando-o com fúria: — Você acha que não reagir vai fazer com que eu te perdoe? Está sonhando! Sílvio, a pessoa que deveria estar morta é você! Desde o começo, quem deveri
— Sr. Sílvio, a Sra. Lúcia recuperou a memória porque a gerente daquela cliente que a sequestrou da última vez injetou nela um medicamento para recuperação de memória. — Disse Leopoldo.Os olhos de Sílvio brilharam com uma frieza gélida enquanto ele apertava o cigarro entre os dentes: — Elimine-a.Leopoldo hesitou por meio segundo antes de responder: — Já foi feito. Ela aparentemente sabia que não tinha saída. Há cerca de meia hora, enforcou-se numa fábrica abandonada. Antes de morrer, chamou a polícia e deixou uma carta de despedida. Na carta, explicou o motivo do sequestro da Sra. Lúcia: vingança, vingança... — Continue. — Era vingança contra o senhor. — E quem era essa gerente? — O senhor lembra que ela já trabalhou com o Grupo Baptista. Porém, desentendeu-se com a Sra. Lúcia, e o senhor, para defendê-la, cancelou a parceria com a empresa dela. Isso resultou em sua demissão e numa cobrança milionária por danos. Ela perdeu o marido, que pediu o divórcio, e também a guarda