— Você agora está tão obcecado por ela, mas será que seus pais saberiam disso? Eles foram mortos por Abelardo, não sobrou nem os ossos! Sílvio, você tem coragem de olhar nos olhos deles, mesmo que apenas em pensamento? Você não acha que seus pais estão lá no céu te amaldiçoando pelo que está fazendo? — Giovana!— E quanto à Lúcia? Você realmente acredita que ela te ama? Talvez agora ela dependa de você, talvez até ache que te ama, mas isso tudo só porque perdeu a memória! Quanto tempo você acha que vai conseguir esconder a verdade dela?— Isso não é da sua conta.— Não é da minha conta, né? Pois eu conheço a Lúcia há muito mais tempo que você. Para ela, a família sempre veio antes de qualquer amor. Sílvio, acredita em mim: se ela recuperar a memória, a primeira coisa que ela vai fazer é te deixar. Todo esse esforço que você está fazendo agora? Tudo em vão. Ela nunca vai reconhecer isso como amor, só vai te odiar ainda mais por causa da morte dos pais dela! Só eu te amo de verdade, Sí
O celular de Sílvio havia ficado esquecido no banco traseiro do carro. Giovana lançou um olhar frio para a tela que piscava incessantemente, esboçou um sorriso cínico e voltou a olhar para as luzes de neon pela janela.O aparelho estava no modo silencioso, e Leopoldo, que dirigia, não percebeu que Lúcia estava ligando. Logo, a tela apagou novamente.Ao chegar ao hospital, Giovana encontrou Arthur, vestido com o jaleco branco. O coração dela apertou, mas o que predominava era um profundo desgosto.Assim que Leopoldo foi embora, Arthur, com a desculpa de aplicar uma injeção, a levou até o quarto de enfermagem. Lá, ele a submeteu a mais uma sessão de tortura e abuso.Desde que Giovana sabotara o carro dele em uma tentativa fracassada de assassinato, Arthur parecia encontrar prazer em inventar formas de castigá-la, especialmente naquele tipo de situação.A dor era tamanha que Giovana já estava entorpecida. Ela se agarrava aos lençóis com força enquanto ele finalmente a deixava em paz, com
— Eu te joguei daquele penhasco, e você ainda conseguiu sobreviver! Você está me tirando do sério! — A gerente, furiosa, não conseguia parar de pensar em como sua vida perfeita tinha sido arruinada por aquela miserável.O pensamento de sua filha querida ainda estar nas mãos de Giovana lhe dava um nó na garganta. Sabia que Sílvio, tão obcecado por Lúcia, jamais a perdoaria. A gerente estava encurralada. E, no fim das contas, tudo isso era culpa de Lúcia.Mas deixar Lúcia recuperar a memória e encerrar tudo assim? Isso era inconcebível. A raiva consumia a gerente, que descarregava toda a sua frustração e sofrimento no corpo frágil de Lúcia.Ela começou a golpeá-la com socos e chutes, arrastando Lúcia pelos cabelos até a parede do velho galpão. Com força brutal, bateu a cabeça dela contra a superfície áspera e úmida. O sangue escorria pela testa de Lúcia, manchando a parede como se fosse uma pintura macabra.Com a cabeça latejando de dor, Lúcia tentava entender como tinha caído nas garras
Sílvio voltou ao apartamento a pé.Ao chegar à entrada, viu Leopoldo encostado no carro, esperando-o com a postura usualmente respeitosa. Assim que Sílvio se aproximou, Leopoldo lhe entregou o celular apagado, dizendo:— Sr. Sílvio, o senhor deixou o celular no carro.— A Srta. Giovana foi entregue em segurança? — Perguntou Sílvio, recebendo o aparelho enquanto segurava o cigarro entre os dentes.Leopoldo assentiu:— Está sob os cuidados do Dr. Arthur. Sr. Sílvio, talvez seja melhor o senhor voltar logo para a Sra. Lúcia. Se ela descobrir que esta noite o senhor foi até a Srta. Giovana...Ele deixou a frase incompleta, mas não era necessário terminá-la. Sílvio sabia o que viria a seguir: Lúcia faria um escândalo, sem dúvidas.A chuva batia forte contra a sombrinha preta que ele segurava, produzindo um som constante e ritmado. Sílvio deu mais uma tragada no cigarro antes de entrar no prédio. Subiu para o apartamento, guardou o guarda-chuva e trocou os sapatos molhados pelos chinelos.Ao
Nos olhos de Sílvio, parecia que, se aquele relógio pudesse ser consertado, ele e Lúcia poderiam voltar a ser como antes. Aquele relógio não era apenas um acessório, mas um símbolo do amor que Lúcia um dia sentira por ele. No entanto, nada disso adiantava.Sílvio sentiu-se um pouco abatido, sem saber se era pela impossibilidade de consertar o relógio ou pelo turbilhão de acontecimentos daquele dia. — Sr. Sílvio, nossa loja recebeu novos modelos de relógios, com uma relação custo-benefício ainda melhor. Que tal eu levar alguns para o senhor dar uma olhada amanhã? — Sugeriu o responsável pela loja, em um tom cauteloso e conciliador. Ele sabia muito bem quem era Sílvio e não queria perder a oportunidade de fechar um negócio.Relógios tão caros não estavam ao alcance da maioria das pessoas. Apenas homens como Sílvio, ricos e poderosos, podiam adquiri-los sem pestanejar.— Não é necessário — Respondeu Sílvio com frieza.Desligou o telefone. A chuva ficava cada vez mais intensa. Ele olhou p
Lúcia franziu a testa. Seus dedos pálidos e encharcados tremiam levemente.Era como um pesadelo. Imagens desconexas invadiam sua mente.Ela se lembrou do primeiro ano da faculdade. Estava vestindo um casaco vermelho, com o cabelo preso em um coque, enquanto ajudava a recepcionar os calouros. Giovana apareceu com Sílvio, apresentando-o a ela.— Oi, meu nome é Sílvio. — Ele disse, com um sorriso marcante.Para conquistar aquele homem bonito, que parecia ter saído de um sonho, ela não mediu esforços. Criou encontros "por acaso", puxava conversa e insistiu em pegar o número dele:— Sílvio, dizem por aí que você tem segundas intenções comigo. Mas eu confio no meu instinto. Aqui, este relógio é pra você. Quando colocá-lo, estará assumindo que é meu homem. E não vai tirá-lo nunca mais, ouviu? Você precisa cuidar de mim para sempre, nunca me magoar ou me fazer chorar. Promete?Essas lembranças doces, porém, foram despedaçadas como papel rasgado por uma mão cruel.De repente, Lúcia viu Abelardo
Então, Giovana tomou a iniciativa de beijar os lábios dele. Sílvio não a afastou.Lúcia sentia a mente completamente confusa, como se um raio tivesse partido seu mundo ao meio. Na sua imaginação, um relâmpago púrpura cortava o céu negro enquanto uma tempestade desabava com força.Ela abriu os olhos de repente. Estavam vermelhos, muito vermelhos, e os cantos também ardiam em tom escarlate. Gotas de chuva, grossas e pesadas, batiam sem piedade em seu rosto e corpo. Ela não havia morrido. Mesmo com aquele líquido vermelho injetado em suas veias, havia sobrevivido.Mas tudo voltou à sua mente. Cada detalhe. Cada dor esquecida. Afinal, fazer com que ela recuperasse as memórias e continuasse viva, mergulhada no sofrimento, era o verdadeiro inferno.Cruel. Impiedoso.Com esforço, Lúcia começou a se levantar do chão, pouco a pouco. Suas mãos doíam intensamente, os dedos latejavam, as palmas estavam inchadas, e a pele dos braços havia sido quase toda esfolada.Seu rosto também ardia muito. Ao t
Então, afinal, Sílvio saiu correndo de casa hoje não para procurá-la, mas para buscar Giovana no bar e se divertir com ela. Lúcia tremia de raiva, sentindo os dedos quase esmagarem o celular em sua mão, como se fosse explodir em pedaços. Uma fúria ardente brotava de seu peito, subindo como labaredas incontroláveis. Ela jogou o celular no chão com força. O aparelho caiu na água da chuva, que só aumentava de intensidade, chicoteando seu rosto sem piedade. Seus olhos, lavados pela enxurrada, mal conseguiam se manter abertos. O caminho de volta para casa parecia infinito. Apenas alguns postes de luz amarela e solitária, espalhados pelas laterais da estrada, assistiam em silêncio enquanto ela caminhava, devagar e com dificuldade. A chuva, misturada às lágrimas, escorria pelo rosto machucado, que ela tentava secar com a mão ferida e já em carne viva. De repente, flashes invadiram sua mente. No hospital Serra Encantada, ela se via sem memória, sendo manipulada por Sílvio como um brinq