Sílvio se lembrou de como foi no começo, quando ele e Lúcia estavam juntos pela primeira vez. Ambos eram os primeiros parceiros um do outro, e até o primeiro beijo deles foi compartilhado.Teve uma vez em que eles foram para um quarto de hotel, deitados na cama sem saber o que fazer, nem mesmo como beijar direito. Acabaram colocando um filme pornô para aprenderem na hora e seguirem o exemplo.Depois de assistir, ele tentou o primeiro beijo, e logo entendeu o jeito certo, fazendo o coração de Lúcia bater mais forte até que ela se entregou, derretendo nos braços dele.Lúcia gostava tanto dele que não conseguia se afastar, e havia uma razão mais profunda para isso: Sílvio a havia conquistado completamente na intimidade. Dizem que o caminho para o coração de uma mulher passa pelo prazer, e Sílvio acreditava firmemente nisso. Os dois compartilhavam essa certeza sem precisar falar sobre.Quando Lúcia ficava chateada com ele por estar ocupado demais no trabalho e não conseguir dar atenção, e
Sílvio sorriu de leve e estendeu a mão larga e áspera, acariciando o topo dos cabelos negros de Lúcia. Mesmo doente, os fios dela eram suaves ao toque, como plumas roçando a palma dele.— Difícil avaliar? — Lúcia disse, comprimindo os lábios.Ele deu um leve tapinha em seus cabelos. — Você beija melhor que eu.Sílvio a envolveu nos braços, sua mão deslizando sob a bata de hospital dela, subindo lentamente enquanto repousava o queixo em seu ombro. — A cirurgia é depois de amanhã. Tem algum desejo antes disso?Lúcia corou com o toque dos dedos dele, mordeu o lábio e pensou com seriedade antes de responder:— Quero visitar o túmulo dos meus pais.Ela se lembrou do que o Dr. Daulo disse sobre as chances do procedimento. Eram apenas 40%, e ela mal recordava quem eram seus pais. Sentia uma culpa profunda por isso. Queria, enquanto ainda havia tempo, saber onde estavam enterrados e deixar uma flor para eles pessoalmente.— O cemitério fica num vilarejo isolado, lá em Cidade A. De carro, são
Sílvio, mesmo tendo alcançado riqueza e sucesso, nunca a abandonou. Ele sempre estava lá, cuidando dela, bancando o tratamento, enquanto ela, teimosa e medrosa, ainda se recusava a tomar os remédios e rejeitava a cura. Lúcia se sentia longe de ser uma boa esposa. Naquele momento, o peito apertou de culpa e tristeza, como se a dor do ferimento na mão dele tivesse se instalado direto no seu coração. Lágrimas quentes escaparam de seus olhos, caindo uma a uma sobre a faixa de gaze que envolvia a mão machucada de Sílvio.— Lúcia, o que houve? Está se sentindo mal de novo? Vou pegar seu analgésico. — Sílvio notou as lágrimas brilhantes no curativo e, num segundo, ficou alerta, abrindo o zíper da bolsa dela para procurar o remédio.Que tolo! Ele estava todo machucado por causa dela e ainda achava que o problema era com o estado dela. Sem pensar, virou-se, envolvendo o pescoço dele com os braços, agarrando sua jaqueta com força, amassando o tecido entre os dedos enquanto soluços escapavam inc
— Quem disse que estou preocupada com você? Nem vem se achar tanto assim. — Lúcia falou, o rosto avermelhado, com os cílios ainda enfeitados por lágrimas brilhantes.Sílvio, sem se importar, a puxou para mais perto e a envolveu em um abraço apertado: — Ser alvo da sua preocupação é bom demais.— E antes? Você acha que eu nunca me preocupei com você? — Lúcia franziu a testa, surpresa.Apoiando-se contra o peito dele, ela não conseguia ver a sombra de amargura e ironia que se escondeu no olhar de Sílvio. Lúcia já havia se importado com ele, especialmente no início do relacionamento, até o fatídico acidente de Abelardo. Antes disso, ela realmente se preocupava com ele.Naquela época, no entanto, ele não valorizava essa preocupação. A atenção que ela lhe dava parecia mais um peso do que uma demonstração de carinho, algo que ele gostaria de evitar. Depois do acidente de Abelardo, tudo mudou. Lúcia nunca mais expressou aquele cuidado sincero. Quando o fazia, era por interesse, por causa d
— Não precisa disso, você já me conquistou naquela época. Estamos casados há anos, pra que essa de romance agora? — Lúcia disse, embora seu rosto estivesse corado de timidez.Ela decidiu, em silêncio, que se a cirurgia desse certo depois de amanhã, faria de tudo para retribuir ao marido o carinho e paciência com que ele lidou com seu jeito mimado ao longo dos anos. Queria provar a ele que Lúcia não era só birra e temperamento difícil; ela também podia aprender a amar de verdade, a construir um casamento e uma família com cuidado e maturidade.Ela queria crescer, tornar-se uma pessoa à altura dele. Afinal, ele trabalhava tanto, se esforçava tanto… Ela precisava cuidar da família, para que ele pudesse focar no trabalho sem preocupações. Mais ainda, queria mostrar a ele que poderia ser uma boa esposa e, ao mesmo tempo, uma mulher independente com sua própria carreira.Mas será que a cirurgia de fato traria um milagre? Um suspiro de inquietação escapou de seus lábios. Seu estado de saúde j
— Eu sei que você não faria isso de verdade. — Sílvio comentou com um sorriso no canto dos lábios.— Não seja tão confiante. — Lúcia murmurou, deitada em suas costas, esboçando um sorriso igualmente desafiador. — Melhor você não me provocar, ou eu juro que nunca mais falo com você. E é sério, pra sempre.— Tá bom, prometo que não vou te provocar. — Ele respondeu em tom de brincadeira.Chegando ao cemitério, Lúcia viu o túmulo onde seus pais descansavam lado a lado. A lápide estava bem cuidada, com inscrições gravadas que diziam: “Aqui jaz Abelardo Baptista”, e abaixo, “Sandra Coronado”, com o nome do genro, Sílvio Medeiros, marcado em letras menores.Sílvio parou um pouco mais afastado, observando Lúcia caminhar devagar até o túmulo. Ela passou os dedos suavemente pelas letras na pedra e pelas fotos dos pais.Na foto, seu pai tinha as bochechas levemente arredondadas e um sorriso gentil, que transmitia bondade. A foto de sua mãe, em preto e branco, mostrava uma mulher de penteado cláss
“Abelardo, Lúcia perdeu a memória. Ela é sua filha, sua filha amada, seu maior tesouro. Se você ainda está olhando por nós, peço que proteja a cirurgia dela. Faça com que tudo corra bem. Minha vida, se precisar, pode levar.” Sílvio pensou, em uma prece silenciosa. Ao terminar, ele colocou a vela acesa diante do túmulo, observando a cera quente escorrer lentamente. Uma gota caiu inesperadamente no dorso de sua mão, queimando a pele. Ele deu um leve suspiro de dor e sacudiu a mão para aliviar o ardor. Quando começaram a descer a montanha, o vento soprava forte, ecoando pelo vale. Os galhos dos pinheiros nas margens da estrada balançavam, produzindo um som contínuo e sibilante. Lúcia, com o rosto pálido como papel, lutava contra o vento, que bagunçava seus cabelos negros e os fazia grudar em suas bochechas. Com dedos compridos e frios, ela afastava os fios que insistiam em cobrir seu rosto. Tossiu algumas vezes, e sua expressão cansada só deixava ainda mais evidente a fragilidade do
— Daqui a um mês, exatamente nesse dia, você mesma abre e vê. — Disse Sílvio, enquanto acariciava o topo da cabeça dela com a mão enfaixada. Seu olhar era carregado de ternura, como se quisesse guardar cada detalhe dela, como se cada olhar pudesse ser o último. Mas por mais que ele olhasse, nunca seria o suficiente.Lúcia também o encarava:— Você não vai estar comigo para abrir também?Nenhum dos dois mencionou a possibilidade de a cirurgia falhar. Estava implícito.Os lábios de Sílvio se curvaram sutilmente, enquanto pensava se ainda teria um “próximo mês”. Lúcia só tinha quarenta por cento de chance de sobreviver à cirurgia. E segundo o Dr. Daulo, as chances dele eram ainda menores. Isso significava que ele tinha ainda menos tempo ao lado dela.— Quer que eu esteja lá com você? — Sílvio perguntou com um sorriso leve, sua voz baixa e calorosa.O carro seguia pela estrada de forma constante, como se deslizasse rumo ao destino inevitável dos dois, sem volta, sem pausa.Lúcia sentiu o