— Eu sei que você não faria isso de verdade. — Sílvio comentou com um sorriso no canto dos lábios.— Não seja tão confiante. — Lúcia murmurou, deitada em suas costas, esboçando um sorriso igualmente desafiador. — Melhor você não me provocar, ou eu juro que nunca mais falo com você. E é sério, pra sempre.— Tá bom, prometo que não vou te provocar. — Ele respondeu em tom de brincadeira.Chegando ao cemitério, Lúcia viu o túmulo onde seus pais descansavam lado a lado. A lápide estava bem cuidada, com inscrições gravadas que diziam: “Aqui jaz Abelardo Baptista”, e abaixo, “Sandra Coronado”, com o nome do genro, Sílvio Medeiros, marcado em letras menores.Sílvio parou um pouco mais afastado, observando Lúcia caminhar devagar até o túmulo. Ela passou os dedos suavemente pelas letras na pedra e pelas fotos dos pais.Na foto, seu pai tinha as bochechas levemente arredondadas e um sorriso gentil, que transmitia bondade. A foto de sua mãe, em preto e branco, mostrava uma mulher de penteado cláss
“Abelardo, Lúcia perdeu a memória. Ela é sua filha, sua filha amada, seu maior tesouro. Se você ainda está olhando por nós, peço que proteja a cirurgia dela. Faça com que tudo corra bem. Minha vida, se precisar, pode levar.” Sílvio pensou, em uma prece silenciosa. Ao terminar, ele colocou a vela acesa diante do túmulo, observando a cera quente escorrer lentamente. Uma gota caiu inesperadamente no dorso de sua mão, queimando a pele. Ele deu um leve suspiro de dor e sacudiu a mão para aliviar o ardor. Quando começaram a descer a montanha, o vento soprava forte, ecoando pelo vale. Os galhos dos pinheiros nas margens da estrada balançavam, produzindo um som contínuo e sibilante. Lúcia, com o rosto pálido como papel, lutava contra o vento, que bagunçava seus cabelos negros e os fazia grudar em suas bochechas. Com dedos compridos e frios, ela afastava os fios que insistiam em cobrir seu rosto. Tossiu algumas vezes, e sua expressão cansada só deixava ainda mais evidente a fragilidade do
— Daqui a um mês, exatamente nesse dia, você mesma abre e vê. — Disse Sílvio, enquanto acariciava o topo da cabeça dela com a mão enfaixada. Seu olhar era carregado de ternura, como se quisesse guardar cada detalhe dela, como se cada olhar pudesse ser o último. Mas por mais que ele olhasse, nunca seria o suficiente.Lúcia também o encarava:— Você não vai estar comigo para abrir também?Nenhum dos dois mencionou a possibilidade de a cirurgia falhar. Estava implícito.Os lábios de Sílvio se curvaram sutilmente, enquanto pensava se ainda teria um “próximo mês”. Lúcia só tinha quarenta por cento de chance de sobreviver à cirurgia. E segundo o Dr. Daulo, as chances dele eram ainda menores. Isso significava que ele tinha ainda menos tempo ao lado dela.— Quer que eu esteja lá com você? — Sílvio perguntou com um sorriso leve, sua voz baixa e calorosa.O carro seguia pela estrada de forma constante, como se deslizasse rumo ao destino inevitável dos dois, sem volta, sem pausa.Lúcia sentiu o
Ele queria estar ao lado dela, compensá-la; essa era a vida que ele sempre sonhou. Quanto a formalizar novamente o casamento, isso era o de menos.Essa mentira era doce demais, como um sonho tão belo que parecia impossível. A harmonia e o amor que ele e Lúcia agora compartilhavam eram coisas que ele jamais ousou sonhar. Se fosse possível, ele queria que esse sonho durasse para sempre.Mas que sonho nunca terminou? O fascínio do destino estava exatamente nisso: no mistério que ninguém conseguia desvendar.Ninguém podia lutar contra o destino. Lúcia lutou tanto e, no final, não conseguiu vencer. Sílvio também entendia isso, mas foi tarde demais para ele. A vida só dava uma chance, e, se não a aproveitasse, tudo viria uma ilusão passageira.De repente, o celular de Sílvio vibrou. Ele pegou o aparelho e viu uma mensagem do vice-diretor do hospital:[Sr. Sílvio, sua cirurgia está marcada para amanhã à tarde. Mas devo alertá-lo novamente: remover todo o seu fígado esquerdo é muito arriscado
Desde que Sílvio mencionara a viagem a trabalho, Lúcia não falara mais com ele, mantendo o rosto virado para a janela, olhando fixamente a paisagem que se esvaía pela estrada.“Maldito Sílvio! Vive dizendo que sou a mulher da sua vida, que me ama mais que tudo, mas na hora do meu maior desafio você resolve ir embora!”Quanto mais pensava, mais se sentia magoada e injustiçada. Mesmo tendo prometido a si mesma que iria tratá-lo bem, o amargor ainda a consumia. No fundo, ela acreditava que, se fizesse birra, ele cederia e cancelaria a viagem.Mas, quando o carro parou em frente ao Hospital Serra Encantada, ele não deu sinal algum de mudar de ideia. Lúcia, tomada pela raiva, sacudiu o braço que ele havia estendido para ajudá-la a sair do carro, abriu a porta com frieza e, quase sufocada pelas emoções, marchou para o setor de internação.Sílvio entendia que ela estava aborrecida. Queria segurar suas mãos, puxá-la para perto, abraçá-la com força e dizer que desistiria da viagem. Mas não podi
Ele prometeu que ia se despedir dela pessoalmente. Como pôde ter ido embora assim, sem nem dizer adeus? Lúcia saltou da cama, enfiou os pés nos chinelos e correu até a porta do quarto. Com um puxão decidido, abriu a porta com força. Vestida com o pijama de paciente, ela ficou ali, parada na entrada, sozinha, olhando para o corredor. A noite já estava avançada, e o silêncio no hospital era quase opressivo. Até o som de um alfinete caindo parecia ser capaz de ecoar pelo lugar. As luzes do corredor brilhavam isoladas, criando sombras longas e solitárias. Lúcia olhou para o fim do corredor. Não havia ninguém. Sem desistir, virou-se para olhar na direção oposta, mas era o mesmo cenário vazio e desolador. — Ele foi embora! — Murmurou, com a voz embargada. — O Sílvio me deixou aqui e foi viajar mesmo! Uma onda de mágoa tomou conta do seu peito. — Mentiroso... — Sussurrou, apertando as mãos em punho. — Você disse que ia cuidar de mim, que ia esperar eu sair dessa cirurgia para
Lúcia continuava empurrando Sílvio, batendo nele com os punhos fechados. Mas ele não a soltava, segurava-a tão firme, como se ela fosse desaparecer a qualquer instante.O beijo dele era possessivo e intenso, cheio de uma saudade que ele ainda nem sabia que sentiria. Lúcia, que inicialmente cerrara os dentes para não ceder, sentiu o toque quente dos lábios dele e a respiração que a envolvia, sedutora. A proximidade entre eles era esmagadora; seu corpo estava colado ao dele. Quando Lúcia ergueu os olhos e viu o brilho vermelho nos olhos de Sílvio, seu coração amoleceu. Ela sempre foi mais sensível que ele, e, ao final, desistiu de resistir. Lentamente, deixou que ele a invadisse e começou a retribuir o beijo.O tempo pareceu parar enquanto os dois se entregavam, sem pressa de soltar um ao outro.De repente, o toque do celular interrompeu aquele momento.Sílvio afastou-se, pegou o celular no bolso e o levou ao ouvido. — Sr. Sílvio, o horário está se aproximando. Se atrasar, não consegu
Sílvio a observou profundamente por um longo tempo, antes de, com relutância, desviar o olhar e se virar para sair. Leopoldo o seguiu de perto. Quando os dois já estavam quase desaparecendo no final do corredor, Lúcia de repente gritou: — Sílvio! A figura alta e imponente de Sílvio parou imediatamente. Ele se virou e a viu, vestindo a roupa de paciente, correndo em sua direção. Antes que ele pudesse reagir, ela se levantou na ponta dos pés e envolveu o pescoço dele, dando-lhe um beijo suave, que transmitia um toque de frieza. Ela se afastou dele quase instantaneamente. — Sílvio. Ela parecia gostar de chamá-lo assim, como se nunca fosse suficiente. Sílvio a olhou com intensidade. — O que foi? — Eu vou esperar você voltar. Vou esperar para ver o cartão postal que você escreveu, e ainda quero esperar para ser sua noiva novamente, fazer um novo casamento. Essas palavras, você não vai mais me enganar, vai? — Não. Se ele sobrevivesse à cirurgia. — Sílvio… Lúcia tocou