A meio da conversa, Lúcia franziu a testa e interrompeu com impaciência:— Não me importo com isso.— Sra. Lúcia...— Leve embora essa comida.— Se a senhora quiser, posso buscar outra coisa. O que preferir. — Disse Leopoldo, forçando um sorriso.Lúcia soltou um suspiro. Esse Leopoldo era mesmo dedicado. Sílvio fazia o papel de vilão, enquanto ele tentava ser o bom moço. Estavam em perfeita sintonia.Mas, no fundo, Lúcia não guardava rancor de Leopoldo. Ele apenas trabalhava para Sílvio, não tinha culpa. Não queria descontar sua raiva nele. Pensando nisso, levantou o olhar e, com uma sinceridade fria, respondeu:— Não precisa. Não importa o que me traga, eu não vou comer.— Sra. Lúcia, o que a senhora quer dizer com isso? Não estou entendendo.— O importante é que o Sílvio entenda.— Sra. Lúcia...— Diga a ele que, no dia em que quiser se divorciar, será o dia em que eu volto a comer. — Disse Lúcia, com um tom desapegado.Leopoldo franziu o cenho:— Mas desse jeito, sua saúde não vai a
Lúcia estendeu a mão trêmula. A dor era insuportável. Agora entendia quão cruel era a dor de um câncer. Parar os remédios? Que loucura. Logo no início, ela já não estava aguentando!Ela queria tomar o remédio. Queria que a dor diminuísse. A enfermeira colocou as pílulas na palma gelada de sua mão:— Vai, toma logo.De repente, as palavras de Sílvio ecoaram em sua mente:— Lúcia! Para de fazer drama! Agora é hora de birra? Vou te dar duas opções: ou você toma seus remédios e aceita o papel de senhora Baptista, ou você vai apodrecer nesse papel, sozinha, sem nunca mais ver o tal “homem da sua vida”.A imagem de Abelardo caindo da sacada apareceu diante dos seus olhos. Como uma águia com as asas partidas, ele despencava, morrendo sem paz, com a boca cheia de sangue. Antes de morrer, ele ainda conseguiu escrever no chão, com o próprio sangue, o código do cofre do escritório: sua data de nascimento.Em seguida, veio a lembrança de sua mãe, caída na neve, segurando sua mão trêmula, ofegante,
Ficou louca? Lúcia mordia os lábios com tanta força que o sangue escorria de sua boca ressecada e pálida. Depois de tudo o que passou, ela já estava louca fazia tempo. Quem não ficaria?Ela se encolheu, abraçando os joelhos contra o peito, prendendo o corpo com os braços com tanta força que suas mãos tremiam de dor. O corpo todo estremecia, consumido por uma dor insuportável.A cena assustou a enfermeira. Em todos os seus anos de profissão, nunca havia encontrado uma paciente tão teimosa, tão determinada a se autossabotar. Com medo de que aquilo acabasse em tragédia, ela saiu correndo do quarto para buscar ajuda.Do lado de fora, no corredor, Sílvio estava encostado na parede, com uma expressão abatida. Leopoldo falava em voz baixa:— Sr. Sílvio, o estado da Sra. Lúcia está péssimo. Se ela continuar sem comer, não vai durar muito.As sobrancelhas de Sílvio se franziram cada vez mais. No início, ele achava que Lúcia estava apenas brincando, querendo testá-lo. Mas agora, parecia que ela
Lúcia estava estranhamente feliz.A porta do quarto foi aberta com um estrondo. Um vento frio invadiu o ambiente. O corpo de Lúcia, já tão frágil e gelado deitado no chão, foi atingido pelo vento cortante e começou a tremer como se fosse uma folha ao vento.Ela ouviu a porta se fechar novamente. Passos leves e apressados ecoaram pelo quarto. Ao baixar o olhar, viu um par de sapatos de couro preto diante de si. Sapatos que ela havia comprado para Sílvio antes da relação entre eles se deteriorar.Em outra época, Lúcia teria ficado feliz em vê-lo usando os sapatos que ela mesma escolheu. Mas agora...Ela desviou o olhar. A dor em seus órgãos internos se intensificava, como se uma lâmina afiada estivesse rasgando suas entranhas, partindo-a em pedaços.A dor atingiu até os ossos, e Lúcia não conseguiu mais segurar as lágrimas. Embora tentasse abafar os soluços, seu corpo se entregou à dor.Sílvio entrou no quarto carregando uma fúria contida. Mas ao ver Lúcia naquele estado, encolhida no ch
Aquelas palavras deixaram Lúcia atordoada por um momento. Quando ele a obrigou a tomar os remédios para manter a gravidez, usou o mesmo tom autoritário. "Lúcia, toma o remédio." Nunca perguntou se ela queria. Nunca disse: "Lúcia, se você não quiser, tudo bem, não precisa." Sílvio sempre foi assim, impositivo, achando que sabia o que era melhor para todos, sem nunca ouvir ninguém.Sílvio continuava sendo o mesmo homem: egocêntrico e arrogante.Lúcia franziu a testa, pressionando a mão contra o fígado. Sentiu o gosto metálico do sangue subir à boca.— Toma. — Disse Sílvio.A mão de Sílvio estendeu-se diante dela com os comprimidos.Lúcia, com esforço, engoliu o sangue que se acumulava na boca. Irritada, levantou o braço e deu um tapa na mão de Sílvio. Os comprimidos caíram no chão, rolando por todo o quarto, alguns parando perto dos sapatos de Sílvio, outros desaparecendo dentro da lixeira.Ela não podia permitir que, nem em seus últimos momentos, não tivesse controle sobre suas próprias
Para Sílvio, não havia dúvida de que Basílio e Lúcia estavam tramando algo. Como poderia ser coincidência? Tudo se encaixava. Mas Lúcia não fazia ideia do que ele estava falando. Para ela, era só mais uma tentativa de Sílvio de manchar o nome de Basílio, o que já não a surpreendia.— Isso mesmo. Nós dois armamos tudo. — Disse Lúcia, sem se importar em corrigir o mal-entendido.Os olhos de Sílvio faiscavam, a fúria crescendo ainda mais:— Você está à beira da morte e ainda acha que o divórcio é tão importante assim? Não consegue sossegar e usar essa energia para se tratar?— Prefiro mil vezes me livrar de você do que continuar vivendo! Sílvio, só de pensar que, depois de morta, ainda vou ser enterrada como parte da família Medeiros, como sua esposa... Eu não conseguiria descansar em paz! — As lágrimas nos olhos de Lúcia brilhavam, e sua voz saiu embargada. — Eu quero morrer sem ter mais nada a ver com você!— Então, ser minha mulher é pior do que morrer, é isso?— Sim!— Lúcia, você re
— Se você aceitar o divórcio, eu começo o tratamento na hora! — Disse Lúcia.Sílvio riu, mas o som que saiu de sua garganta estava carregado de amargura. Na sua memória, Lúcia sempre foi a pessoa que mais temia a dor. E agora, ali estava ela, suando frio por causa do sofrimento, com o rosto pálido como cera, mas ainda assim resistindo, ainda lutando contra ele. A mulher que um dia prometeu estar ao seu lado, agora se recusava até a reconhecê-lo.O gosto amargo da frustração ficou preso no peito de Sílvio, sufocando-o.Com o rosto fechado, ele empurrou os analgésicos para sua boca e, em um movimento rápido, puxou Lúcia pela cintura. O corpo dela colou-se ao dele, firme, sem deixar espaço. O peito de Sílvio era sólido, e os dois corpos se encaixaram como peças de um quebra-cabeça.Lúcia tentou se afastar, mas estava fraca demais para competir com a força dele. A fome e o cansaço a deixaram sem resistência. Por mais que lutasse, não conseguia empurrá-lo.Os lábios de Lúcia estavam quentes
Aquela palavra foi como um balde de água fria, jogado de repente sobre sua cabeça, deixando-a paralisada e gelada por dentro. Sim, seus pais estavam mortos. Ela era uma órfã agora. Como poderia se permitir estar nos braços de Sílvio? Como podia se deixar levar por beijos e abraços, quando tinha perdido tudo?“Lúcia, você não tem mesmo vergonha? Ele diz algumas palavras doces e você se perde? É isso?”Toda a timidez que havia em seus olhos desapareceu em um instante, substituída por uma frieza cortante e uma expressão de zombaria.Sílvio, absorto em sua própria ilusão, não percebeu a mudança imediata nela. Ele se inclinou novamente, os olhos fechados, querendo mais daquele beijo que tanto o fazia recordar os velhos tempos.Mas Lúcia o empurrou com força, e antes que ele pudesse entender o que estava acontecendo, sentiu o impacto da mão dela estalando em seu rosto. A dor ardente o pegou de surpresa, a pele queimando de quente.Sílvio abriu os olhos, confuso. O que encontrou foi um olhar