Ao ouvir aquelas palavras, os longos cílios de Lúcia tremularam levemente, como as asas de uma mariposa à beira da morte. Ela lançou um olhar para o espelho sobre a mesa e viu seu reflexo pálido. Sua condição era muito pior do que imaginara — cem, mil vezes pior.Quão grave deveria ser para que seu médico responsável chegasse a uma conclusão tão drástica?— Meu estado está tão ruim assim por causa da criança que estou esperando? — Perguntou Lúcia com a voz grave.O médico, vendo que ela estava determinada a obter todas as respostas, suspirou e assentiu com pesar:— Exatamente. O câncer não teria se espalhado tão rápido. Mas você engravidou. E esse bebê... Esse bebê...— Esse bebê o quê? — Lúcia fixou o olhar no médico, insistente.Ele suspirou fundo:— Está mutado.— Mutado? O que isso quer dizer? — Lúcia ficou confusa.Ela já ouvira falar de fetos que sofriam mutações, mas nunca imaginou que isso pudesse acontecer com ela.O médico a olhou com um misto de tristeza e compaixão:— O fet
O corpo de Lúcia havia se tornado completamente dependente de medicamentos. Ela mantinha os olhos baixos enquanto arrancava uma a uma as etiquetas dos frascos de analgésicos, jogando-as no lixo. Era um hábito seu, e por isso Sílvio nunca sabia ao certo o que ela estava tomando.— Srta. Lúcia, então você está aqui. — Disse Basílio, correndo até ela com o celular na mão. Ele havia acabado de atender uma ligação e, ao ir ao consultório do médico, soube que ela estava retirando os remédios, por isso correu para encontrá-la.Lúcia ergueu o olhar e viu Basílio parado à sua frente. Ela esboçou um sorriso apático:— Sr. Basílio.— Eu estava lá fora, esperando por você, mas tive que atender uma ligação. — Basílio começou a falar, mas seu celular tocou novamente. Ele olhou para o visor e, com uma expressão de leve desconforto, pediu desculpas a Lúcia com o olhar.Ela assentiu com a cabeça:— Tudo bem.E então, abaixou novamente a cabeça e continuou a arrancar as etiquetas dos frascos, colocando-
Sílvio realmente não queria mais saber de Lúcia, não queria mais lidar com ela. Aquela mulher sem coração sempre conseguia transformar suas boas intenções em nada, como se ele fosse o único culpado. Ela não confiava nele, só lhe dirigia palavras frias e desconfiadas.Tudo o que ela dizia e fazia parecia ser meticulosamente planejado para irritá-lo, como se ela soubesse exatamente onde ficavam seus limites e estivesse sempre prestes a cruzá-los. Sílvio não acreditava que ela fazia isso sem querer. No passado, Lúcia tinha medo de deixá-lo bravo e sempre fazia o possível para agradá-lo, considerando seus sentimentos, sua imagem e seu orgulho masculino. Mas agora, parecia que a única coisa que lhe trazia felicidade era vê-lo zangado.Sílvio já havia explicado para ela que o velho Abelardo tinha caído da cadeira de rodas por conta própria, e que ele não tinha nada a ver com isso. Mas Lúcia simplesmente não acreditava.Ele, um homem que agora ocupava o topo da pirâmide, não podia continuar
Lúcia estaria ou não no carro de Basílio, e Sílvio logo saberia! Ele manteve uma distância proposital, temendo que, se se aproximasse demais, acabaria sendo descoberto.As ruas estavam movimentadas, com vários carros trafegando e outros se colocando entre ele e Basílio, o que dificultava ainda mais que o outro percebesse que estava sendo seguido.Basílio havia dispensado o motorista e, dessa vez, dirigia ele mesmo. Ele queria levar Lúcia de volta pessoalmente.Lúcia estava sentada no banco do passageiro, com o celular no bolso do casaco de plumas, mas em modo silencioso. Por isso, ela não tinha ideia de que Sílvio havia tentado ligar várias vezes. E esse detalhe, mais tarde, alimentaria um mal-entendido que, por mais que Lúcia tentasse explicar, nunca seria completamente esclarecido.Inicialmente, ela não queria se sentar na frente, mas achou que, se fosse no banco de trás, estaria tratando Basílio como um motorista, o que seria indelicado. Assim, acabou optando pelo banco do passageir
— Srta. Lúcia, você sabe algo sobre a minha história? — Basílio não era muito bom em consolar as pessoas, mas, para tentar confortar Lúcia, ele não hesitou em abrir suas próprias feridas e compartilhá-las com ela.Lúcia balançou a cabeça, negando.Basílio continuava dirigindo, com o olhar distante, como se estivesse mergulhado em lembranças antigas. — Desde que nasci, nunca tive o carinho de um pai. Quando eu era pequeno, sempre perguntava para a minha mãe onde ele estava. Ela me dizia que ele estava muito ocupado, mas que me amava. Só mais tarde descobri que eu era um filho fora do casamento, e a família do meu pai nunca me aceitou. Por causa dessa origem, enfrentei muitos olhares de desprezo e zombarias. Se eu tivesse desistido naquela época, se não tivesse insistido no meu sonho de me tornar policial, hoje eu não estaria onde estou.Ele então lançou um olhar rápido para Lúcia, cujo rosto estava pálido. — Lúcia, a vida é preciosa. Não se deixe levar pelo desespero. Qualquer dificul
Quando estavam em Viana, Lúcia foi embora sem avisar, se escondeu em uma área entre o campo e a cidade e passou vários dias morando com Basílio, vivendo como se fossem casados.Sílvio não ousava perguntar sobre o que tinha acontecido, e muito menos se atrevia a pensar nos detalhes. Ele era homem, sabia muito bem o que Basílio queria. Basílio não tinha intenções puras com Lúcia. Nenhum homem era tão bondoso a ponto de simplesmente ajudar uma mulher sem esperar nada em troca.Ele não faria isso. E Basílio? Muito menos!Sílvio tentou acalmar a mente fumando um charuto, achando que a nicotina o ajudaria a recuperar a razão. Mas quanto mais fumava, mais amargo ficava, e mais ele se sentia um tolo. Lúcia já o tinha traído abertamente, abortado o filho deles sem sequer consultá-lo, fugido para viver com outro homem, sem se importar com seus sentimentos.Ela ainda o obrigava a jurar lealdade, a aceitar Abelardo, seu inimigo, e a garantir a segurança da família Baptista.Sílvio não era alguém
Claro que era algo importante. Quando ela ligou, estava no meio de uma crise, a dor era insuportável, e os analgésicos haviam ficado no banco do carona do carro de Sílvio.Lúcia estava se contorcendo de dor, desesperada, querendo que ele desse meia-volta e trouxesse os remédios. Mas, por mais que ligasse repetidamente, ele não atendeu. E quando ela mandou uma mensagem, ele respondeu de maneira cruel, dizendo que, se ela quisesse morrer, que fizesse logo, sem ficar enrolando.Lúcia colocou as luvas no armário, e sua voz saiu suave, quase indiferente:— Foi engano.— Você não mandou uma mensagem dizendo que precisava falar comigo? — Sílvio se lembrava bem da mensagem de socorro.Lúcia não queria responder, muito menos discutir. Para ela, nada daquilo importava mais. Evitar conversas inúteis havia se tornado sua prioridade.Ela tentou entrar em casa, mas Sílvio bloqueou seu caminho com seu corpo grande, determinado a não deixá-la passar até que tivesse todas as respostas.Respirando fundo
Quanto ódio Sílvio teria que sentir por ela para assistir, impassível, sua própria esposa vomitando sangue na neve?Lúcia percebeu que o sangue frio de Sílvio ia muito além do que ela poderia imaginar.Basílio já havia contado a ele sobre o câncer em estágio terminal, mas mesmo assim, ele continuava tratando-a daquela forma.Só de pensar nisso, Lúcia sentia-se exausta, tanto física quanto emocionalmente. Ela estava tão cansada. O bebê dentro dela havia se deformado, virado uma aberração com três braços e quatro pernas, sugando sua energia de forma descontrolada, assim como as células cancerígenas.Ela sabia que não sobreviveria até o Natal.Faltavam apenas três dias, mas ela duvidava que conseguiria resistir até lá.O tempo, para ela, era valioso demais para ser desperdiçado em brigas com Sílvio ou em mais sofrimento mútuo.Com um sorriso amargo nos lábios, Lúcia virou-se para ir ao closet e trocar de roupa.Mas Sílvio não estava disposto a deixá-la sair assim tão fácil. Ele agarrou se