Sílvio pensou que havia ouvido errado. Ele se aproximou, inclinando-se até os lábios de Lúcia, ouvindo claramente as palavras urgentes que ela murmurava baixinho:— Pequeno mudo... Corre... Corre...A raiva que ele vinha segurando a noite toda e o ciúme acumulado explodiram de vez.Ela realmente tinha um coração generoso! Além de Basílio, ainda tinha espaço para o pequeno mudo!Até um mudo era capaz de assombrar os sonhos dela? Ele não acreditava que esse rapaz mudo ficava rondando sua mente!Sílvio ergueu a cabeça, observando o rosto pálido de Lúcia, cada vez mais magro. As sobrancelhas dela estavam franzidas, provavelmente presa em um pesadelo terrível.Por causa de um mudo, ela se preocupava tanto a ponto de franzir as sobrancelhas daquele jeito. Ontem, ele quase morreu por ela e pela família deles, mas ela nunca demonstrou tal preocupação por ele!Ele ainda era seu marido, pelo menos no papel. Como ela podia tratá-lo de uma forma tão diferente de como tratava os outros?Lúcia conti
O cheiro do café da manhã se espalhava pelo ar.Abelardo, com os olhos opacos e cansados, ouviu de repente sons de briga vindos do quarto de Lúcia. Preocupado com a filha, ele rapidamente manobrou sua cadeira de rodas e deslizou em direção à porta.Do lado de dentro, Sílvio gritava com Lúcia:— Seus pais não te ensinaram o que é vergonha e dignidade? Não te ensinaram o que é ser fiel? Você tem coragem de chamar o nome de outro homem em um sonho? Tá querendo morrer? E ainda me encara? Vou te ensinar a não me encarar! Aquele seu pai, eu sei muito bem que tipo de sujeito ele é! Não me venha com essa cara de quem não deve nada! Se você quer que aquele velho morra, continua me irritando! Sua família toda me deve!Abelardo ouviu cada palavra, e a raiva tomou conta dele. Pegou a bengala com cabeça de dragão que estava presa à cadeira e começou a bater violentamente na porta, ao mesmo tempo em que soltava gemidos incompreensíveis.Ele sentia no fundo do coração que sua filha preciosa estava se
Mas como Abelardo poderia ter mais força que Sílvio? Ele já estava velho, sem conseguir sequer se levantar das pernas, e suas mãos, sem força, falhavam sob a emoção. A cadeira de rodas balançou para o lado, e ele acabou caindo no chão, enquanto as rodas giravam freneticamente.— Uuuuuh, uuuuuh! — Abelardo gritou, os olhos fixos em Sílvio, completamente tomado pela raiva.Sandra ouviu o barulho e correu para fora. Ao ver a cena, imediatamente pensou que Sílvio havia empurrado seu marido. Furiosa, ela correu até Abelardo para ajudá-lo a se levantar e perguntou:— Abelardo, Abelardo, você está bem?Abelardo balançou a cabeça e murmurou algo incompreensível. Sandra então se levantou, encarou Sílvio e o insultou:— Sílvio, você já arruinou nossa família e ainda tem a coragem de vir aqui?— Por que eu não viria? Ontem à noite foi sua filha quem abriu a porta para mim e me deixou entrar. Se tem algo para reclamar, vá falar com ela. — Respondeu Sílvio, com um sorriso frio.As palavras de Sílvi
Sandra percebeu que tinha dito algo errado e imediatamente se calou.Lúcia, então, continuou a acariciar levemente as costas do pai e, em um tom suave, disse:— Pai, eu vou deixar o Sílvio, muito em breve. Só me dá um pouco de tempo, tá bom?Abelardo a afastou, olhando-a com desconfiança.— Eu não estou mentindo. Sempre faço o que você diz. Fica feliz, pai. Daqui a três dias é Natal, e nós três vamos passar juntos. Vamos esquecer as coisas ruins, ok? — Lúcia tentou animá-lo.Abelardo suspirou e assentiu lentamente.Lúcia chamou uma empregada para ajudar a colocar o pai de volta na cadeira de rodas. Depois, puxou Sandra para um canto e, com cuidado, aconselhou:— Mãe, por favor, não fique falando mal do Sílvio para o papai. Ele acabou de acordar e ainda precisa de tempo para se recuperar. Quanto mais feliz ele estiver, mais rápido ele vai melhorar. Papai foi um homem forte e influente nos negócios, mas agora que ele não consegue mais andar, está muito mais sensível. A gente precisa esta
Lúcia, claro, não acreditava nas palavras de Sílvio.Sua mãe lhe disse que foi Sílvio quem empurrou seu pai, e ela conhecia bem a integridade da mãe, Sandra jamais acusaria alguém injustamente.Além disso, Sílvio odiava tanto seu pai que não seria exagero dizer que ele tinha vontade de matá-lo. Empurrá-lo parecia completamente plausível.O que Lúcia não esperava era que ele trouxesse esse assunto à tona por vontade própria.Ela permaneceu em silêncio, enquanto Sílvio dirigia. Depois de algum tempo, ele repetiu:— Eu juro que não o empurrei.Empurrou ou não, isso já não parecia mais importante. Afinal, o fato estava consumado.Ela não conseguia entender a lógica de Sílvio. Mesmo que ele tivesse empurrado, o que ela poderia fazer? Nada mudaria. Então por que ele insistia em encenar esse teatro na frente dela?De repente, a atmosfera no carro ficou extremamente pesada, a ponto de sufocar Lúcia.— Sílvio, você pode, por favor, se manter afastado do meu pai de agora em diante? — Lúcia morde
— Antes de morrer, não esqueça de me avisar para eu recolher seu corpo. Não precisa ficar constrangida, eu ainda sou seu marido, ao menos no papel. É minha obrigação. — Sílvio sorriu para ela.A morte, uma palavra tão pesada, parecia não ter importância alguma para Sílvio, que sorria como se falasse de algo trivial.Lúcia era uma mulher que sabia ler as situações, então, com os dedos trêmulos, começou a soltar o cinto de segurança. Precisou de várias tentativas para conseguir abrir a porta do carro. Assim que o fez, uma rajada de ar frio, cortante como lâminas, a atingiu em cheio.Ela mal teve tempo de fechar a porta quando Sílvio arrancou com o carro, sem sequer olhar para trás. Talvez de propósito, ele fez os pneus levantarem uma nuvem de neve, que voou direto em seu rosto.O rosto magro de Lúcia logo perdeu qualquer sensação por causa do frio. Com os dedos, ela limpou lentamente os flocos de neve que cobriam suas bochechas.Ao observar o carro de luxo sumir ao longe, ela sorriu amar
Lúcia achava que o que a aguardava era a neve gelada e o chão duro, mas, para sua surpresa, caiu nos braços de alguém. E esse abraço trazia um perfume familiar.Com esforço, ela abriu os olhos e viu que estava nos braços de Basílio.Basílio agora usava cabelo raspado. Talvez pelo fato de ter se tornado o presidente do Grupo Araújo, suas roupas descontraídas tinham sido substituídas por um terno formal.Um homem bonito ficava bem com qualquer roupa, e Basílio não era exceção.Seus traços não eram tão afiados e frios quanto os de Sílvio; em vez disso, ele transmitia uma suavidade e uma clareza que o tornavam mais acolhedor.Basílio estava na área para um compromisso de negócios. Quando saiu do carro, pronto para ir a um hotel nas proximidades, avistou Lúcia prestes a desmaiar no chão.Lúcia percebeu, com tristeza, que Basílio parecia se preocupar mais com ela do que seu próprio marido.— Srta. Lúcia, vou levá-la ao hospital. — Disse Basílio, sempre gentil e cortês, incapaz de ultrapassar
O médico olhava para Lúcia, sentada à sua frente, e depois voltava a analisar a radiografia em suas mãos, como se não soubesse exatamente como lhe dar a notícia.Lúcia voltou a segurar o copo descartável que antes estava sobre a mesa. Enquanto o médico analisava as radiografias, ela mantinha uma expressão calma e sem grandes emoções, mas seus dedos apertavam o copo com força. Ela não era tão forte quanto imaginava.Além disso, Lúcia sabia ler as expressões das pessoas. Pelo semblante e pela hesitação do médico, ela já podia imaginar que sua situação não era nada boa.— Doutor, não precisa ficar com esse peso na consciência. Já cheguei até aqui, estou preparada. Pode me dizer o que for necessário. — Disse Lúcia, sorrindo levemente, tentando demonstrar segurança.O medo não adiantava de nada. Não havia como fugir ou evitar a situação, só restava enfrentá-la de frente.Por isso, Lúcia optou por aceitar sua condição física, seja qual fosse o diagnóstico, bom ou ruim, ela estava pronta para