Lúcia achava que o que a aguardava era a neve gelada e o chão duro, mas, para sua surpresa, caiu nos braços de alguém. E esse abraço trazia um perfume familiar.Com esforço, ela abriu os olhos e viu que estava nos braços de Basílio.Basílio agora usava cabelo raspado. Talvez pelo fato de ter se tornado o presidente do Grupo Araújo, suas roupas descontraídas tinham sido substituídas por um terno formal.Um homem bonito ficava bem com qualquer roupa, e Basílio não era exceção.Seus traços não eram tão afiados e frios quanto os de Sílvio; em vez disso, ele transmitia uma suavidade e uma clareza que o tornavam mais acolhedor.Basílio estava na área para um compromisso de negócios. Quando saiu do carro, pronto para ir a um hotel nas proximidades, avistou Lúcia prestes a desmaiar no chão.Lúcia percebeu, com tristeza, que Basílio parecia se preocupar mais com ela do que seu próprio marido.— Srta. Lúcia, vou levá-la ao hospital. — Disse Basílio, sempre gentil e cortês, incapaz de ultrapassar
O médico olhava para Lúcia, sentada à sua frente, e depois voltava a analisar a radiografia em suas mãos, como se não soubesse exatamente como lhe dar a notícia.Lúcia voltou a segurar o copo descartável que antes estava sobre a mesa. Enquanto o médico analisava as radiografias, ela mantinha uma expressão calma e sem grandes emoções, mas seus dedos apertavam o copo com força. Ela não era tão forte quanto imaginava.Além disso, Lúcia sabia ler as expressões das pessoas. Pelo semblante e pela hesitação do médico, ela já podia imaginar que sua situação não era nada boa.— Doutor, não precisa ficar com esse peso na consciência. Já cheguei até aqui, estou preparada. Pode me dizer o que for necessário. — Disse Lúcia, sorrindo levemente, tentando demonstrar segurança.O medo não adiantava de nada. Não havia como fugir ou evitar a situação, só restava enfrentá-la de frente.Por isso, Lúcia optou por aceitar sua condição física, seja qual fosse o diagnóstico, bom ou ruim, ela estava pronta para
Ao ouvir aquelas palavras, os longos cílios de Lúcia tremularam levemente, como as asas de uma mariposa à beira da morte. Ela lançou um olhar para o espelho sobre a mesa e viu seu reflexo pálido. Sua condição era muito pior do que imaginara — cem, mil vezes pior.Quão grave deveria ser para que seu médico responsável chegasse a uma conclusão tão drástica?— Meu estado está tão ruim assim por causa da criança que estou esperando? — Perguntou Lúcia com a voz grave.O médico, vendo que ela estava determinada a obter todas as respostas, suspirou e assentiu com pesar:— Exatamente. O câncer não teria se espalhado tão rápido. Mas você engravidou. E esse bebê... Esse bebê...— Esse bebê o quê? — Lúcia fixou o olhar no médico, insistente.Ele suspirou fundo:— Está mutado.— Mutado? O que isso quer dizer? — Lúcia ficou confusa.Ela já ouvira falar de fetos que sofriam mutações, mas nunca imaginou que isso pudesse acontecer com ela.O médico a olhou com um misto de tristeza e compaixão:— O fet
O corpo de Lúcia havia se tornado completamente dependente de medicamentos. Ela mantinha os olhos baixos enquanto arrancava uma a uma as etiquetas dos frascos de analgésicos, jogando-as no lixo. Era um hábito seu, e por isso Sílvio nunca sabia ao certo o que ela estava tomando.— Srta. Lúcia, então você está aqui. — Disse Basílio, correndo até ela com o celular na mão. Ele havia acabado de atender uma ligação e, ao ir ao consultório do médico, soube que ela estava retirando os remédios, por isso correu para encontrá-la.Lúcia ergueu o olhar e viu Basílio parado à sua frente. Ela esboçou um sorriso apático:— Sr. Basílio.— Eu estava lá fora, esperando por você, mas tive que atender uma ligação. — Basílio começou a falar, mas seu celular tocou novamente. Ele olhou para o visor e, com uma expressão de leve desconforto, pediu desculpas a Lúcia com o olhar.Ela assentiu com a cabeça:— Tudo bem.E então, abaixou novamente a cabeça e continuou a arrancar as etiquetas dos frascos, colocando-
Sílvio realmente não queria mais saber de Lúcia, não queria mais lidar com ela. Aquela mulher sem coração sempre conseguia transformar suas boas intenções em nada, como se ele fosse o único culpado. Ela não confiava nele, só lhe dirigia palavras frias e desconfiadas.Tudo o que ela dizia e fazia parecia ser meticulosamente planejado para irritá-lo, como se ela soubesse exatamente onde ficavam seus limites e estivesse sempre prestes a cruzá-los. Sílvio não acreditava que ela fazia isso sem querer. No passado, Lúcia tinha medo de deixá-lo bravo e sempre fazia o possível para agradá-lo, considerando seus sentimentos, sua imagem e seu orgulho masculino. Mas agora, parecia que a única coisa que lhe trazia felicidade era vê-lo zangado.Sílvio já havia explicado para ela que o velho Abelardo tinha caído da cadeira de rodas por conta própria, e que ele não tinha nada a ver com isso. Mas Lúcia simplesmente não acreditava.Ele, um homem que agora ocupava o topo da pirâmide, não podia continuar
Lúcia estaria ou não no carro de Basílio, e Sílvio logo saberia! Ele manteve uma distância proposital, temendo que, se se aproximasse demais, acabaria sendo descoberto.As ruas estavam movimentadas, com vários carros trafegando e outros se colocando entre ele e Basílio, o que dificultava ainda mais que o outro percebesse que estava sendo seguido.Basílio havia dispensado o motorista e, dessa vez, dirigia ele mesmo. Ele queria levar Lúcia de volta pessoalmente.Lúcia estava sentada no banco do passageiro, com o celular no bolso do casaco de plumas, mas em modo silencioso. Por isso, ela não tinha ideia de que Sílvio havia tentado ligar várias vezes. E esse detalhe, mais tarde, alimentaria um mal-entendido que, por mais que Lúcia tentasse explicar, nunca seria completamente esclarecido.Inicialmente, ela não queria se sentar na frente, mas achou que, se fosse no banco de trás, estaria tratando Basílio como um motorista, o que seria indelicado. Assim, acabou optando pelo banco do passageir
— Srta. Lúcia, você sabe algo sobre a minha história? — Basílio não era muito bom em consolar as pessoas, mas, para tentar confortar Lúcia, ele não hesitou em abrir suas próprias feridas e compartilhá-las com ela.Lúcia balançou a cabeça, negando.Basílio continuava dirigindo, com o olhar distante, como se estivesse mergulhado em lembranças antigas. — Desde que nasci, nunca tive o carinho de um pai. Quando eu era pequeno, sempre perguntava para a minha mãe onde ele estava. Ela me dizia que ele estava muito ocupado, mas que me amava. Só mais tarde descobri que eu era um filho fora do casamento, e a família do meu pai nunca me aceitou. Por causa dessa origem, enfrentei muitos olhares de desprezo e zombarias. Se eu tivesse desistido naquela época, se não tivesse insistido no meu sonho de me tornar policial, hoje eu não estaria onde estou.Ele então lançou um olhar rápido para Lúcia, cujo rosto estava pálido. — Lúcia, a vida é preciosa. Não se deixe levar pelo desespero. Qualquer dificul
Quando estavam em Viana, Lúcia foi embora sem avisar, se escondeu em uma área entre o campo e a cidade e passou vários dias morando com Basílio, vivendo como se fossem casados.Sílvio não ousava perguntar sobre o que tinha acontecido, e muito menos se atrevia a pensar nos detalhes. Ele era homem, sabia muito bem o que Basílio queria. Basílio não tinha intenções puras com Lúcia. Nenhum homem era tão bondoso a ponto de simplesmente ajudar uma mulher sem esperar nada em troca.Ele não faria isso. E Basílio? Muito menos!Sílvio tentou acalmar a mente fumando um charuto, achando que a nicotina o ajudaria a recuperar a razão. Mas quanto mais fumava, mais amargo ficava, e mais ele se sentia um tolo. Lúcia já o tinha traído abertamente, abortado o filho deles sem sequer consultá-lo, fugido para viver com outro homem, sem se importar com seus sentimentos.Ela ainda o obrigava a jurar lealdade, a aceitar Abelardo, seu inimigo, e a garantir a segurança da família Baptista.Sílvio não era alguém