A postura dele, como se estivesse chamando um gato de estimação, era algo que Lúcia odiava profundamente. Ela não queria ir até ele. Ela era uma pessoa orgulhosa. Mas ao pensar na situação desesperadora de seu pai, que precisava urgentemente da medicação, seus passos pesaram. Apertando o secador de cabelo em suas mãos, ela caminhou em direção a Sílvio, cada passo parecendo conduzi-la ao seu destino inevitável. Embora relutante, não tinha outra escolha. Quando chegou perto dele, Sílvio pegou o secador de suas mãos e o conectou na tomada.Lúcia sabia o que ele pretendia fazer, e quando ele estava prestes a tocar seus cabelos, ela deu um passo brusco para trás, como se tivesse levado um choque.— Está se esquivando de quê? — Perguntou irritado Sílvio.Talvez o gesto dela tivesse ferido o orgulho dele, pois sua expressão se fechou e suas sobrancelhas se franziram.Lúcia apertou os lábios, negando o óbvio:— Eu não me esquivei.— Então, por que não vem logo aqui?A voz de Sílvio ficou mais
Dizer o quão sem vergonha ele era? Ou como ele tratava ela e Giovana de maneira diferente?Lúcia não queria mais pensar nas injustiças, nas comparações dolorosas entre ela e Giovana. Todos os seus pensamentos agora estavam voltados para sua família. Antes de morrer, tudo o que queria era garantir que os seus estivessem bem cuidados, para que, com sua partida, todo o ódio também desaparecesse, se dissipando como fumaça. Chegar a esse ponto já era um grande esforço para ela. Já era mais do que suficiente.O que mais Sílvio queria dela?Ela piscou, tentando afastar as lágrimas que ameaçavam cair:— Sílvio, chega. Pare com isso.— Chega? Quem deveria estar dizendo isso sou eu. — Retrucou Sílvio, segurando o queixo de Lúcia com seus dedos frios.O rosto dele estava perigosamente próximo ao dela, seus narizes quase se tocando. A proximidade que deveria ser íntima, no entanto, não tinha nada de romântico.Instintivamente, Lúcia quis se afastar, o que fez a raiva e o ciúme de Sílvio aumentarem
Lúcia tremia de raiva. Toda vez que discutia com ele que não conseguia ganhar, Sílvio acabava envolvendo pessoas inocentes!Os dedos dela se apertaram involuntariamente.— Solte as mãos! — Ordenou Sílvio.A raiva fervia dentro dela, e Lúcia queria esbofeteá-lo, mandá-lo embora. Mas no fundo, ela ainda conservava um último resquício de sanidade.Basílio já a tinha salvado mais de uma vez, e ele não merecia ser arrastado para essa briga. Com esse pensamento, Lúcia soltou os punhos e deixou os braços caírem, impotentes, ao lado do corpo.O rosto de Sílvio, frio e severo, aproximava-se cada vez mais, até que ela podia sentir o calor de sua respiração. O perfume de Giovana ainda impregnava a camisa dele! Lúcia queria se afastar, mas sabia que não podia.Os lábios de Sílvio eram macios, mas tão frios quanto ele. Ela não queria sentir o cheiro do perfume de Giovana, então prendeu a respiração, fazendo o rosto corar. Sílvio, achando que ela estava envergonhada, prolongou o beijo, tornando-o ai
Lúcia havia mudado, tornando-se alguém que Sílvio mal reconhecia. Ele odiava essa nova versão dela! Ele queria de volta a Lúcia que só tinha olhos para ele, Sílvio, a Lúcia que pertencia exclusivamente a ele.Sílvio se levantou, ajeitando as dobras no terno:— Vai lá, negocia com o Basílio. Ele deve estar mais disposto a te ajudar.Ele disse, levantando-se para sair do quarto principal.Seu bom humor havia sido completamente arruinado por ela.Lúcia entrou em desespero. Como poderia deixá-lo ir? Se ele fosse embora, seu pai estaria condenado!Ela desceu da cama rapidamente, sem pensar muito, e envolveu a cintura dele, abraçando-o com força.— Sílvio, não é que eu não confie em você, mas você sempre faz isso! Se você realmente quisesse salvar meu pai, por que não fez essa ligação antes? — Perguntou Lúcia, confusa.O que ela não sabia era que Sílvio não estava minimamente interessado em ouvir sobre Abelardo. O que ele queria era a preocupação dela! O amor dela! E não que ela ficasse impl
— Está com tanto ódio de mim? Então por que ainda me procura? — Perguntou Sílvio, seu rosto ficando ainda mais frio e sombrio, enquanto arrancava a mão dela que segurava com força seu terno.Ele estava humilhando-a? Será que ela estava entendendo errado o significado de humilhação? Afinal, foi ela quem destruiu o rosto de Giovana sem pensar nas consequências! Ele estava, na verdade, ajudando-a a lidar com as consequências disso. Ela fugiu com o filho deles, foi morar com outro homem, desapareceu por vários dias, e mesmo assim, ele não havia ido atrás dela para exigir satisfações.Quanto mais Sílvio pensava nisso, mais irritado ele ficava. Ele se virou, decidido a sair do quarto principal.— Sílvio! Vou perguntar pela última vez! Você vai mesmo deixar meu pai morrer? A voz dela era cortante, sem um pingo da doçura ou do tom conciliador de antes. Seria essa a verdadeira face dela? Negociar com ele de forma tão impositiva, sem sequer disfarçar?— Já disse, vai procurar o Basílio, ele com
Sílvio já havia desejado sua morte antes. Ele sabia que ela estava sentindo dores, mas mesmo assim não iria parar, não demonstraria piedade.No fim, Lúcia desmaiou de dor.Quando Sílvio finalmente se satisfez, ela já estava dormindo. Ele nem fazia ideia do quanto ela havia sofrido. Tudo que percebeu foi a expressão de desconforto em seu rosto, um vazio que o perturbou. Mesmo em uma situação de troca, ela se recusava a lhe dar um sorriso.O ambiente parecia sufocante para Sílvio. Ele saiu da cama, foi tomar banho, enrolou-se em um roupão e saiu do quarto principal em direção à varanda para fumar.A noite estava clara, com uma lua brilhante e fria como gelo. Havia estrelas também, piscando no céu. Ele lembrou-se de sua infância, quando a pobreza em casa era tamanha que não havia televisão, nem celular. A única diversão era sentar-se sob o telhado e observar as estrelas.Sua mãe costumava lhe dizer:— Quando uma pessoa morre, ela se transforma em uma estrela no céu, para sempre acompanhar
O papagaio, como se entendesse a conversa, de repente engasgou e, rapidamente, mudou sua fala:— Lúcia ama o Sílvio! Lúcia ama o Sílvio!Uma leve expressão de ternura surgiu no rosto de Sílvio. Ele despejou toda a ração que segurava na mão grande e acolhedora dentro da tigela do pássaro.— Lúcia vai dar um bebê para o Sílvio! — Disse Sílvio, sorrindo novamente.O papagaio, enquanto comia, repetiu animado:— Lúcia vai dar um bebê para o Sílvio! Lúcia vai dar um bebê para o Sílvio!Não era de se estranhar que ela o tivesse comprado. Aquele papagaio, de fato, era encantador e sabia como agradar. Mas o que Sílvio não sabia era que o bebê no ventre de Lúcia já havia sido perdido há algum tempo.Nos últimos dias, Sílvio estava inquieto, e suas noites eram agitadas. A única coisa que lhe trouxe alguma alegria foi o papagaio aprendendo a repetir aquelas palavras.Naquela noite, Sílvio teve um sonho maravilhoso. Sonhou que ele e Lúcia estavam deitados na grama, tomando sol, trocando beijos e c
Não sabia se era por causa da idade, mas Sílvio se pegava, com uma frequência assustadora, nostálgico dos velhos tempos. Tempos em que Lúcia, sem um pingo de vergonha, se grudava nele, pedindo beijos e abraços. Agora, ele já não via o trabalho como algo tão importante. Afinal, trabalho nunca acaba. Se pudesse, ele dedicaria mais tempo para estar ao lado da esposa e dos filhos. Se pudesse, ele não perderia nenhuma das consultas pré-natais de Lúcia.Depois de preparar a refeição para a gestante e colocá-la na mesa, Lúcia apareceu, usando um roupão e chinelos, sem se preocupar com a aparência. Ao ver a comida quente, ainda soltando fumaça, na mesa, ela manteve o semblante impassível. Sílvio sugeriu que ela fosse se lavar para se preparar para o café da manhã. Ela deu um risinho sarcástico e foi escovar os dentes e lavar o rosto.Ao se sentar, Lúcia continuava sem expressão, comendo em silêncio. De repente, o celular dela vibrou com uma notificação. Ela deu uma olhada e viu que era uma m