O papagaio, como se entendesse a conversa, de repente engasgou e, rapidamente, mudou sua fala:— Lúcia ama o Sílvio! Lúcia ama o Sílvio!Uma leve expressão de ternura surgiu no rosto de Sílvio. Ele despejou toda a ração que segurava na mão grande e acolhedora dentro da tigela do pássaro.— Lúcia vai dar um bebê para o Sílvio! — Disse Sílvio, sorrindo novamente.O papagaio, enquanto comia, repetiu animado:— Lúcia vai dar um bebê para o Sílvio! Lúcia vai dar um bebê para o Sílvio!Não era de se estranhar que ela o tivesse comprado. Aquele papagaio, de fato, era encantador e sabia como agradar. Mas o que Sílvio não sabia era que o bebê no ventre de Lúcia já havia sido perdido há algum tempo.Nos últimos dias, Sílvio estava inquieto, e suas noites eram agitadas. A única coisa que lhe trouxe alguma alegria foi o papagaio aprendendo a repetir aquelas palavras.Naquela noite, Sílvio teve um sonho maravilhoso. Sonhou que ele e Lúcia estavam deitados na grama, tomando sol, trocando beijos e c
Não sabia se era por causa da idade, mas Sílvio se pegava, com uma frequência assustadora, nostálgico dos velhos tempos. Tempos em que Lúcia, sem um pingo de vergonha, se grudava nele, pedindo beijos e abraços. Agora, ele já não via o trabalho como algo tão importante. Afinal, trabalho nunca acaba. Se pudesse, ele dedicaria mais tempo para estar ao lado da esposa e dos filhos. Se pudesse, ele não perderia nenhuma das consultas pré-natais de Lúcia.Depois de preparar a refeição para a gestante e colocá-la na mesa, Lúcia apareceu, usando um roupão e chinelos, sem se preocupar com a aparência. Ao ver a comida quente, ainda soltando fumaça, na mesa, ela manteve o semblante impassível. Sílvio sugeriu que ela fosse se lavar para se preparar para o café da manhã. Ela deu um risinho sarcástico e foi escovar os dentes e lavar o rosto.Ao se sentar, Lúcia continuava sem expressão, comendo em silêncio. De repente, o celular dela vibrou com uma notificação. Ela deu uma olhada e viu que era uma m
Sílvio observou Lúcia sentada na cadeira, parecendo perdida, sem reagir por um bom tempo. Isso o deixou ainda mais irritado. Será que ela estava tão nervosa e assustada por ele ter mencionado que a acompanharia na consulta? Nem um pingo de surpresa ou alegria?— Eu disse para você se trocar. Vamos para a consulta pré-natal. Você não ouviu? Ou será que agora que aquele velho voltou a ser tratado, você resolveu desobedecer de novo? — Seu tom de voz carregava uma clara insatisfação.Lúcia, ainda atordoada, teve seus pensamentos puxados de volta à realidade. Sentindo-se culpada, tentou mentir:— Você tem trabalho importante. Eu posso ir sozinha.— Hoje eu não vou a lugar nenhum. Vou com você à consulta. — Respondeu Sílvio, determinado a não ceder.A pressão no peito de Lúcia só aumentava, e ela começou a falar sem pensar:— Eu já disse, não precisa me acompanhar. Eu não sou uma criança, sei ir sozinha.— Por que tanto medo de eu ir ao hospital com você? Está tentando esconder algo?Lúcia l
Ele disse que faria a família Baptista pagar com a vida!Lúcia não podia suportar essa consequência, e muito menos se arriscar a jogar com isso.Toc-toc.— Já terminou de se arrumar ou não?Pelo tom impaciente, era claro que a paciência dele estava no limite. Ele não tinha mais tempo para suas desculpas.Lúcia, sem querer que ele abrisse a porta e a confrontasse, decidiu abri-la ela mesma.Sílvio estava impecável, como sempre. O cabelo curto, no clássico penteado para trás, brilhava sem um único fio fora do lugar. O terno preto, simples, mas de uma elegância inegável, ainda era o que ela havia comprado para ele.Agora, ao olhar para aquela roupa, Lúcia só sentia uma ironia cortante. Como podia ser tão contraditório? Se era um canalha, por que ainda usava as roupas, sapatos e até as meias que ela lhe havia dado? E com frequência, ainda por cima.Por outro lado, como poderia ser considerado um homem apaixonado, se continuava seu relacionamento com Giovana? Fotografando-se com ela em tra
Enquanto Sílvio falava ao telefone, ele não se preocupou em ser discreto e respondeu de forma direta:— Exatamente.Ele desligou.Lúcia esboçou um sorriso que parecia mais um choro:— Sílvio, você faz questão que eu faça essa ultrassonografia hoje?— Você está se sentindo mal, então pedi ao Dr. Arthur para vir verificar o que está acontecendo. E, aproveitando, faremos a ultrassonografia. — Sílvio respondeu com um tom frio, franzindo a testa.Lúcia, furiosa, deu um sorriso amargo, apertando a manta sobre os joelhos com força:— Eu já disse, não preciso disso.— Quem decide se precisa ou não, não é você.Exatamente. Se precisava ou não, realmente não era ela quem decidia.Mesmo que conseguisse evitar hoje, não escaparia amanhã.Vinte minutos depois, o Dr. Arthur chegou ao apartamento.Vestido com o jaleco branco e segurando uma maleta, ele cumprimentou Sílvio e sorriu educadamente para Lúcia.Lúcia, em um estado de total desânimo, apenas mexeu os lábios em resposta, sem iniciar conversa.
Ele olhou para Lúcia sem expressão:— Eu volto logo.— Certo. — Lúcia respondeu, mas aquela palavra carregava todo o peso do seu cansaço.Ela observou Sílvio e Dr. Arthur saírem da sala, um atrás do outro, e descerem as escadas.A ansiedade, o medo, o pavor, todos começaram a tomar conta de seu coração.Lúcia levantou-se do sofá e foi à cozinha preparar uma cafeteira de café.Ela tinha uma sensação ruim: Sílvio ia descobrir que ela perdeu o bebê!Tudo estava prestes a desmoronar!Quando ele voltasse, seria uma batalha inevitável!O som da água fervendo ecoou pelo ambiente.Ela, atordoada, pegou a cafeteira e despejou o líquido quente no copo de vidro à sua frente.O bico da cafeteira deslizou, e o café escaldante derramou-se inesperadamente sobre seus dedos pálidos.A dor intensa a fez largar a cafeteira de imediato.Correu para a cozinha, abriu a torneira e colocou a mão queimada sob a água gelada, tentando aliviar a dor, mas o alívio foi mínimo.Lágrimas caíram em silêncio na pia.Ap
Sílvio tinha muita força e segurou exatamente no local onde Lúcia havia se queimado com água quente. Uma dor intensa percorreu seu corpo, atingindo cada extremidade.— Lúcia gostava do Sílvio, mas não gosta mais. E não vai ter bebê nenhum! — O papagaio, inoportuno como nunca, saltitava e sacudia suas penas negras com energia.Assim que ouviu essas palavras, a expressão de Sílvio ficou ainda mais fria e sombria. Até o papagaio sabia que ela tinha abortado! Só ele, o tolo, não sabia de nada.Mas Sílvio se recusava a aceitar essa realidade. Não queria acreditar no que o Dr. Arthur havia dito. Ele não podia aceitar que Lúcia teria sido tão cruel a ponto de, pelas suas costas, tirar a vida do filho deles!Sílvio lançou um olhar gelado ao papagaio, e talvez tenha sido o suficiente para calá-lo. O pássaro fechou os olhos e fingiu dormir, como se sentisse o perigo no ar.Ele andava depressa, e Lúcia mal conseguia acompanhá-lo, quase tropeçando na soleira da porta de vidro da varanda. Sua cabeç
Lúcia sentia como se estivesse sendo mergulhada em um caldeirão de óleo fervente. A angústia, o desespero e a sensação de impotência lentamente devoravam seu coração, mas sem lhe conceder a misericórdia de um fim rápido.O mais irônico era que o hospital para o qual Sílvio a levou era justamente o hospital onde seu pai estava internado. E, por coincidência, o médico que a atendeu era o mesmo que havia tratado seu câncer anteriormente.Antes, quando ela queria se consultar, ele não acreditou nela. Mas agora, depois de tanta insistência, acabaram no mesmo hospital, e ainda encontraram o seu antigo médico.O doutor, ao ver Sílvio arrastando Lúcia para dentro, levou um susto. Mas ao perceber o estado debilitado dela, franziu a testa:— Srta. Lúcia, você não está se sentindo bem?O médico sabia que Sílvio era seu marido, mas havia prometido a Lúcia que manteria sua doença em segredo. Ela havia deixado claro que queria o divórcio e não queria complicações. Por isso, ele optou por descrever a