Lorenna
Quatro anos depois e enfim estou me formando. Foram meses e meses de dedicação, empregos temporários, estágios, enfim concluía o ensino superior. Para muitos era um curso tão desvalorizado. Afinal de contas, eu seria mais uma entre tantas pedagogas. Mais valia a pena, porque eu tinha um diploma, eu era uma futura professora primária e agora meu foco seria os concursos que muito em breve iriam acontecer.
Vejo meu visual uma última vez e estou tão diferente com essa roupa. Vestido comprado no brechó, cabelo feito no salão da comunidade e sapatos emprestados da minha melhor amiga.
Mamãe não parava de chorar de tanto orgulho da sua filha mais velha.
— Lorenna meu amor, não sei se vou conseguir acompanhar a cerimônia até o final.
Mamãe me diz enquanto me ajuda a arrumar o cabelo. Chorando desde a hora que acordou naquele dia.
—Cadê a Laisa que não chegou ainda?
Pergunto à minha irmã caçula. Laisa era mais nova que eu há quatro anos. Eu estava com 20 anos e ela completaria 17 anos em dois meses.
Morávamos em uma comunidade chamada Cristal Azul. Mamãe por anos trabalhou como doméstica em casa de ricos, criando minha irmã e eu com muita dificuldade. Meu pai faleceu de cirrose quando terminei o ensino fundamental e me preparava para entrar no ensino médio. Pensei que não conseguiria concluir os estudos, porém com dedicação, esforço e o maior de tudo força de vontade eu terminei o colegial, logo entrei na faculdade federal graças às notas altas no boletim escolar. Hoje receberia meu canudo, a colação de grau aconteceria numa casa de eventos, no bairro pertinho daqui.
—Sua irmã deve ter se perdido no caminho da escola para casa. É melhor você se apressar, porque a Juliana já avisou que está chegando para nos buscar.
Mamãe me apressa, percebo que sua voz tá diferente ao responder sobre o paradeiro da Laisa, contudo eu não dou muita atenção porque meu foco era a formatura esta noite. Juliana, minha melhor amiga, trabalhava como massagista particular e acompanhante aos finais de semana. Morava três casas acima da minha. Ela era mais velha que eu e não queria fazer faculdade. Dizia que o trabalho dela, era muito mais lucrativo que perder noites sentadas em uma cadeira da faculdade. Um som de buzina apita lá fora e olho a hora no relógio de parede. Quase sete horas da noite e nada da Laisa retornar para casa. Nossa relação não era das melhores, minha irmã dizia que eu era a queridinha da mamãe, que meu pai não gostava dela, que indiretamente a causa da aposentadoria precoce da nossa mãe foi sua culpa. Mamãe sofreu um acidente quando saiu cedo do trabalho para ir até a escola, conversar com a direção por conta do que a filha caçula aprontava e no caminho um carro acabou atropelando dona Carmem. Minha mãe fraturou o joelho gravemente, por isso ficou impossibilitada de andar por meses e acabamos aposentando por invalidez já que ela não tinha a mesma força de antes na perna esquerda.
— Vamos! Não quero chegar atrasada, mesmo sendo uma celebração sem muito luxo é minha noite especial.
De braços dados com minha mãe, saímos de casa para esperar o Uber que nos levaria até o salão de festa.
Assim que fomos para frente de casa, o carro parou e Juliana desceu para me ajudar a acomodar a mamãe no banco traseiro.
— Lô, como você tá linda amiga com essa roupa — me elogia e fico envergonhada com o comentário. Eu geralmente usava jeans, tênis e camiseta. Raramente me vestia com roupas femininas e essa noite era especial e não poderia fazer feio.
—Bora, que o carro não vai ficar esperando a nossa conversa acabar aqui.
—Fica tranquila bebê, que o motorista é um amigo e não motorista de aplicativo.
Não acredito que aquela maluca apareceu pra me buscar junto de algum cliente que ela andou arranjando por aí. Entrei no carro, desejando boa noite para o desconhecido e notei como era realmente bonito.
—Juli, filha você sempre nos salvando — mamãe chamava minha amiga pelo apelido de criança. Juliana se vira de costas para nós duas, respondendo que não fazia mais do que sua obrigação como melhor amiga.
O desconhecido me parabeniza pela formatura, dá partida no carro e seguimos para o local entre risos e conversas. Por mais feliz que estivesse, meu pensamento se encontrava na minha irmã caçula. Eu andei percebendo que Laisa andava chegando tarde em casa, respondendo para mamãe quando questionada por algo e eu precisaria conversar com aquela garota e dar limites sobre seu comportamento. O carro parou na entrada, repleta de gente entrando, carros e motos estacionados ao redor.
—Linda, deixo as três aqui e volto para te buscar quando me ligar! O desconhecido que até então minha amiga não apresentou para mim, deu um selinho em Juliana e novamente me parabenizou pela minha noite especial. Descemos do carro, eu retribuo o agradecimento e espero por Juliana na entrada, enquanto aos beijos se despede do homem. Ao sair do carro, com o cabelo bagunçado, não disfarcei o riso ao ver o estado dela.
—Você é louca mesmo viu — brigo com ela, que tira um espelho da bolsa para limpar o borrado dos lábios.
—Não sou louca e sim inteligente meu amor. Já disse que comigo é assim, sem apego apenas vivendo um dia após o outro. Não é mesmo tia?
Mamãe riu do que ela disse, nós três entramos e fomos recebidas pelos funcionários da organização. Pedi que Juliana encontrasse uma cadeira para minha mãe e ela, enquanto eu iria até meus colegas de classe.
Deixo as duas acomodadas e sigo para o lugar que as meninas me esperam.
—Amiga, nem acredito que enfim somos formadas e agora não vou precisar todo dia olhar para a cara da bruxa Janaína.
Luciana era uma das minhas colegas de classe, filha de médicos, era a rica da turma e ninguém entendia o motivo dela estudar pedagogia quando poderia muito bem cursar medicina como os pais ou até mesmo direito.
—Hey, não fala assim também. A coitada da Jana é só certinha demais. E nem reclama que nosso TCC com ela foi super tranquilo. Imagina se tivéssemos pegado o João que esse sim era um carrasco.
Rimos ao relembrar as aulas e somos chamadas por uma das organizadoras pedindo para nos acomodar em nossos lugares. Mesmo feliz, me sentia nervosa e inquieta como se algo ruim estivesse prestes a acontecer.
**
Sentada ao lado da minha amiga Luciana, ouvimos a oradora da turma discursar. De onde estava podia ver minha mãe e amiga emocionadas por me verem vestida com a beca e pronta para receber meu canudo. Para minha felicidade ser completa, desejava minha irmã caçula naquele momento. Porém Laisa andava rebelde demais e não sabia, mas o que fazer em relação às coisas que dizia para nossa mãe. O discurso acabou e logo começaram a chamar os alunos para receberem os diplomas. Em ordem alfabética, olhava cada colega de curso, emocionado, recebendo o canudo das mãos do nosso professor. Logo chega na letra L e foi chamada primeiro. Ao me levantar e ir até o lugar receber o diploma, vendo Juliana tirando fotos com celular e mamãe batendo palmas emocionada com esse momento. Seguro o choro, para não borrar a minha maquiagem. Depois que todos recebem seus diplomas, é hora do momento de todos os formandos fazerem as fotos ao lados dos parentes e colegas. Minha mãe e Juliana fazem pose ao meu lado. Vamos para a parte da festa, indo sentar-se na mesa reservada para nós. Um lugar ficou sobrando já que o convite era para quatro pessoas, mas a minha irmã nem mesmo numa noite feliz como essa teve a coragem de comparecer.
—Lô. Sem cara de tristeza e tia Carmem, nada de ficar aí com esse olhar por conta daquela malcriada da dona Laisa. Deixa que ela se arrependa de ter perdido um momento especial da irmã.
Juliana diz e sei que minha amiga tem toda razão. Eu mesma estava cansada de tentar ser legal com uma pessoa que sabia apenas tratar as outras com ignorância e xingamentos. Aproveitamos a noite, rindo e comendo muito já que o buffet estava incluído até que meu celular tocou e peguei o aparelho vendo que se tratava de um número estranho. Com o barulho da música, peço licença para atender a chamada do lado de fora.
—Alô! Digo e a ligação é baixa, me afasto para mais longe da música e a voz de um homem fala do outro lado da linha.
—Lorenna Vieira é você? Pergunta e respondo que sim
—Sou eu mesma. O que o senhor deseja comigo?
Questiono e ao ouvir do que se tratava a ligação, me encosto no poste para não desabar.
—Não é possível senhor; ela não teria coragem de fazer algo assim.
Respondo, porém o homem é firme nas palavras. Me passa o endereço onde preciso ir e desliga. Fico imóvel, sem saber o que fazer e o que dizer para minha mãe. Sem esboçar nenhum tipo de reação, me assusto ao ter alguém tocando meu ombro.
—Amiga que aconteceu?
Juliana é quem aparece, me tirando do transe em que me encontro.
— Amiga, eu nem sei o que te falar, na verdade nem eu sei como dar essa notícia para minha mãe.
Respondo sem conseguir chorar.
—Garota, desembucha logo o que aconteceu?
Me pergunta, me sacudindo pelo braço. Nem mesmo me importo se está ou não me machucando.
— Laisa aprontou uma das grandes e agora não sei nem o que contar para a mamãe.
Respondo e Juliana indaga ao que me referia.
—Aquele idiota, foi pega vendendo drogas próximo da escola ao lado daquela filha da puta do Júlio. Cansei de falar para saber quem eram as suas amizades, mas parece que entra num ouvido e saí no outro.
Respondo e Juliana fala um palavrão. Assim como eu, minha amiga tinha só o ódio pela irresponsabilidade da minha irmã caçula.
—Amiga presta atenção. Vamos deixar a tia em casa agora. Inventar uma mentira qualquer e juntas seguimos para a delegacia. O gostoso que me trouxe conhece gente importante, acredito que ele pode nos ajudar a resolver esse grande problema.
Ouço Juliana falando e concordo com minha amiga. Faria o que fosse preciso, para que minha irmã não passasse a noite na cadeia e nem a minha mãe sofresse tamanho desgosto com isso.
—Vou ligar agora mesmo para o bofe e você vai até a tia, diz que precisamos ir embora que a festa vai se estender para outro local.
Concordo e entrei atrás da minha mãe. Ah, Laisa, quando eu colocasse as mãos em você, se prepare porque eu encheria de tabefes seu belo rosto.
LorennaMe encontro dentro do carro da paquera da minha amiga com meu coração quase saindo pela boca. A minha vontade é de pegar aquela pirralha pelos cabelos e passar um sermão para o resto da sua vida. Tive que inventar uma mentira para mamãe não desconfiar de nada. Carlos, o amigo da Juliana, me olhava pelo espelho com uma expressão triste. Ele não pensou duas vezes em me ajudar, e contou que trabalhava na secretaria de saúde do estado, porém conhecia algumas pessoas da Secretaria de Justiça e consequentemente alguns delegados e policiais. Sei que não era momento para prestar atenção nele, mas era realmente um homem muito charmoso. Claro que mais velho que a Juli que assim como eu não se envolvia com rapazes da nossa idade.Volto a me concentrar na situação em que Laisa se enfiou, pensando no que dizer quando voltasse para casa sem a pirralha. Minha mãe provavelmente surtaria, e temia pela saúde dela. Carlos parou o carro no estacionamento da DP e mal esperei ele desligar o veículo
LorennaAgradecia ao Carlos pela ajuda, por ter me emprestado o dinheiro que eu não tinha noção de como pagaria e por ser um ombro amigo no momento que precisei.Juliana brigou comigo, pedindo que eu parasse de me desculpar pelos erros da minha irmã. A pirralha, nem mesmo agradeceu ao homem, quando desceu do carro. Estava me sentindo envergonhada, uma caloteira, devendo vinte mil reais para um homem que conheci em uma noite. Eu parecia mesmo era uma dessas mocinhas de livros de romance, que se ferra e logo consegue encontrar a solução dos problemas.— Amiga é o seguinte, por mim você arrastava a cara daquele projeto de gente no asfalto. Porém, a tia Carmem te mataria e de quebra me mataria também. Então faz o seguinte? Não deixe que as ofensas que aquela palhaça vai fazer hoje a noite, ignore qualquer gracinha e tome um banho, tira a sujeira daquela delegacia do seu corpo, deite-se na sua cama e dorme o sono dos justos.Juliana me diz e começo a rir da forma que ela me fala.— Lorenna
LorennaTive uma noite péssima no pior sentido. Com Laisa ouvindo música. Fui dormir com o sol nascendo, após ter ficado a madrugada inteira ouvindo barulho de música. Mesmo usando fone de ouvido, conseguia o som irritante. Tudo isso era para me incomodar, conhecia bem a tática da minha irmã caçula e como Laisa sabia ser insuportável. Levantei-me da cama, peguei o meu celular conferindo a hora. Um pouco depois das dez da manhã. Mamãe, deveria estar preparando o almoço. Saí da cama com cuidado, sem fazer barulho para acordar a princesa. Mesmo não nos dando bem, não conseguia tratar Laisa da mesma forma que ela me tratava. No final de tudo, ela era minha única irmã. Peguei minha roupa de sair, minha bolsa e sandália. Assim não precisava entrar no quarto novamente. Fui para o banheiro, ouvindo do corredor o barulho das panelas. Tomei um banho demorado, frio que me animasse um pouco. Logo Juliana chegaria para sair comigo. Sem conseguir dormir, fiquei matutando na proposta maluca da minha
LorennaO dia ao lado da Juliana foi de diversão. Mesmo tentando convencer minha melhor amiga de que não conseguiria fazer o trabalho que ela me propôs, acabei aproveitando as compras, o salão e a conversa. Agora me arrumava no apartamento da amiga da Juliana que se chamava Jaqueline. Era um apartamento de dois quartos, sendo uma suíte, sala, cozinha e banheiro social. A garota era massagista e aos finais de semana trabalhava no mesmo lugar que Juliana.Tentava arrumar o comprimento do vestido que Juliana escolheu para mim, praticamente desistindo e deixando do jeito que estava mesmo.— Lô, estou pronta e você vai arrasar os corações na boate hoje — Juliana aparece na sala, usando uma minissaia de dourada, com um top preto, que deixava a barriga à mostra, o decote praticamente todo aparecendo.— Sua amiga não vai achar ruim, nós duas termos usado a casa dela para nos vestir e fazer toda essa bagunça?Aponto para as roupas espalhadas juntamente com as sacolas.— Jaque está bem preocupa
Lorenna— Olá, boa noite!Falo assim que me sento ao lado do estranho, sem dar tempo dele responder se estava ou não acompanhado.— Boa noite!Me respondeu com sua voz grossa e de perto ele era mais bonito ainda. Os cabelos com alguns fios grisalhos e os olhos de um azul-escuro. A luz iluminou bem seu rosto e um sorriso se formou de canto ao responder meu cumprimento.— Espero não atrapalhar você. Se estiver aguardando alguém, é só me avisar que levanto na mesma hora e te deixo sozinho novamente.— Não espero ninguém. Quer dizer, eu estaria esperando se a minha companhia não tivesse avisado que não poderia comparecer e eu estivesse aqui aguardando a chegada dela.O estranho responde, bebendo num único gole o uísque.— Se não for ruim para você e quiser, posso te fazer companhia. Claro se você for ficar aqui. Acabei de chegar na boate, é meu primeiro dia vindo aqui, então estou um pouco perdida no meio de tantas pessoas.Falo tentando soar o mais natural possível. Até o tremor na voz,
LorennaEnquanto aguardava André voltar, me encostei na parede que dava para a escada que levava aos quartos Vips. Eu realmente transaria com um homem por dinheiro? Apenas para pagar uma dívida que não era minha, transando com um homem que nunca mais iria encontrar. Eu deveria estar nervosa, chorando ou até mesmo me descabelando. Porém, não sentia nada disso, pelo contrário, me sentia ansiosa para ficar sozinha com ele. Juliana me avistou do outro lado do salão, fazendo sinal positivo para mim. André me beijou no salão, deixando meu corpo em chamas, ansiando por mais do que um beijo. Eu já fiquei com outros caras, quando saía com Juliana para os bailes, contudo André era muito diferente dos rapazes da comunidade, ele era um homem e isso por si só me excitava. Mexia na minha bolsa de noite, pensando em como me comportar com ele em um quarto. Ouço passos vindos até mim, quando viro meu rosto encontro- o parado ao meu lado.— Vamos! A agitação aqui, ficou demais, então eu prefiro ficar c
Lorenna3 anos depois…— Filha acorda, que é quase hora de você trabalhar.Todo santo dia é isso, por três anos, desde quando me formei. Meu sonho e desejo de estudar para concurso, de estar trabalhando com o que gosto, acabou se resumindo em ser recepcionista na boate que eu jurava que iria apenas uma vez e aulas de reforço três vezes na semana para as crianças da comunidade.Sim! Passaram-se três anos desde a noite que conheci aquele homem e nunca mais obtive notícias. O engraçado é que concordei em trabalhar como atendente na esperança de que uma noite ele voltasse. Porém, nada foi do jeito que imaginei. Mas não dava para reclamar muito. O salário na boate era bom, mantinha as contas em dia e o medicamento da minha mãe. Eu conseguia juntar dinheiro e já não passávamos tanto sufoco assim. Juliana seguia sendo a melhor amiga que eu poderia ter nesse mundo. Mas agora ela não trabalhava na boate e sim no espaço que montou para os atendimentos. A cretina era tão sortuda, que de tanto o
Lorenna— Filha, você vai chegar atrasada na entrevista.Mamãe prepara o almoço, chamando a minha atenção por demorar para terminar o café da manhã.— Mãe, calma que eu tenho tempo até a hora da entrevista — respondi bebendo o restante do suco de laranja.— Desse jeito, você vai acabar chegando na hora que acabar isso sim.Levei o copo sujo para a pia, lavando e deixando no escorredor de louça.— Meu amor te desejo sorte e sei que vai conseguir esse emprego.Depois da ligação da minha amiga, fui para a boate e trabalhei a noite inteira pensando na oferta recebida. Mesmo não compreendendo o motivo de omitir que morava em comunidade, responderia todas as perguntas que a avó da menina me faria, esperando não dar nenhuma bola fora. Luciana havia me contado que eu me formei no mesmo ano que ela, porém não exercia a profissão por cuidar da minha mãe doente.— Mãe, não me espera para o almoço, tudo bem? A entrevista ficou marcada para às nove da manhã. Saindo daqui agora, chamo o Uber e em 5