Lorenna
Tive uma noite péssima no pior sentido. Com Laisa ouvindo música. Fui dormir com o sol nascendo, após ter ficado a madrugada inteira ouvindo barulho de música. Mesmo usando fone de ouvido, conseguia o som irritante. Tudo isso era para me incomodar, conhecia bem a tática da minha irmã caçula e como Laisa sabia ser insuportável. Levantei-me da cama, peguei o meu celular conferindo a hora. Um pouco depois das dez da manhã. Mamãe, deveria estar preparando o almoço. Saí da cama com cuidado, sem fazer barulho para acordar a princesa. Mesmo não nos dando bem, não conseguia tratar Laisa da mesma forma que ela me tratava. No final de tudo, ela era minha única irmã. Peguei minha roupa de sair, minha bolsa e sandália. Assim não precisava entrar no quarto novamente. Fui para o banheiro, ouvindo do corredor o barulho das panelas. Tomei um banho demorado, frio que me animasse um pouco. Logo Juliana chegaria para sair comigo. Sem conseguir dormir, fiquei matutando na proposta maluca da minha amiga. Por várias vezes Juliana quis me ensinar a trabalhar com massagens, porém eu recusava dizendo que minha praia era outra. Com o dinheiro que recebia, conseguiu quitar a casa na comunidade, sustentando sua família. Os pais da minha amiga eram bem de idade e não tinha muita noção de onde vinha o dinheiro que bancava as contas de casa. Por ser filha única, não precisava se preocupar com nada além de cuidar dos pais. Lavei meu cabelo, me esfreguei bem para tentar tirar o cansaço. Me enxuguei e me vesti dentro do banheiro mesmo. Poupava tempo, assim que saí dei de cara com minha amiga tomando café e comendo bolo na cozinha.
— Muito bem, que a senhorita já apareceu arrumada. Assim não perco tempo e deixa só eu acabar de comer meu bolo para gente ir pro shopping.
Juliana diz, minha mãe me manda sentar, me servir um copo de suco e uma fatia de bolo. Olhei para Juliana tentando descobrir se ela contou algo, porém percebi que ficou calada sobre a prisão da Laisa.
— Filha, sua irmã voltou para casa, que horas?
Mamãe perguntou, fiquei muda por alguns segundos até que respondi que Laisa havia voltado antes da meia-noite. Uma bela mentira, já que chegamos a casa quase às duas da manhã.
— Vou já acordar essa mocinha. Não é porque hoje é sábado que ela vai ficar dormindo até tarde. Juliana me contou que vocês duas vão passar o dia no shopping e a noite vão comemorar a segunda parte da sua formatura.
Olho para Juliana, que dá de ombros como se dissesse que ficaria tudo bem.
— Mamãe, se a senhora achar melhor, não saio e fico com a senhora em casa.
— Negativo, senhorita Lorenna. Você vai sair, sim, se divertir com a Juliana e pode até chegar de manhã em casa. Você merece meu amor, se dedicou por quatro anos aos estudos. Agora é hora de cuidar de você.
Mamãe me deu um beijo em minha bochecha e pediu para me divertir ao lado da minha amiga. Juliana respondeu que dona Carmem poderia ficar despreocupada que nada iria acontecer. Saiu nos deixando sozinhas, indo para a área de serviço começar a lavar as roupas.
— Já terminou? Vamos almoçar no shopping, de lá a gente se arruma na casa da Jaque. Uma das meninas que trabalha comigo. Viu como consegui convencer sua mãe de boa?
Juliana diz, terminando o café, nem dando tempo para que eu possa tomar meu suco e comer o bolo direito. Saímos de casa, caminhando até a entrada da comunidade. Onde morávamos fazia divisa com outra comunidade chamada Estrela Guia. Mas ao contrário daqui a lá o dono tratava os moradores com dignidade e não deixava entrar drogas. Todos elogiavam Pedro e queríamos tanto que fosse assim aqui em Cristal Azul. Pena que depois da morte do Zezinho o ex-funcionário do Pedro se tornou um dos chefes e junto do escroto do Júlio mandavam em tudo.
— Um dia vou embora desse lugar, pegar meus pais e viver com os dois num bairro longe dos crimes e da maioria dessa gente.
Juliana me diz, assim que paramos na parada de ônibus para esperar a condução. Andar de carro de aplicativo aos finais de semana era muito caro, por esse motivo que iríamos de busão para o shopping.
— Juli, você está me levando para um passeio no shopping, mas até agora não perguntou a minha resposta.
Reclamo para minha melhor amiga, que faz de conta que não ouviu nada, enquanto mexe no celular.
— Como esse governador é lindo né? Bem que eu queria ser a primeira-dama dele. Quando penso na sorte que a mulher do chefe de Estrela Guia tem. Viveu anos com o gato do Pedro, depois o homem foi dado como morto, casou-se com o bonitão aqui e separou e depois se casou com o Pedro de novo.
Tem mulher que nasceu com a bunda virada para a lua mesmo.
— Hey, não muda de assunto que estou te perguntando se você ouviu a minha resposta? Juliana é sério amiga, como vou pagar o dinheiro do Carlos se nem tenho um emprego decente. Fora que o que a mamãe recebe mal conseguimos manter as despesas.
— Seu maior problema é pensar demais, minha amiga. Eu tenho a solução, o Carlos não tá cobrando e se você achar ruim, dou um jeito e a gente empresta dinheiro do banco e dou minha casa como garantia. Eu sei que você é honesta, esforçada e batalhadora. Mas na atual situação que estamos, a proposta que eu te fiz é a melhor. Sei que muitos aí julgam o que faço e na real tô pouco me lixando. Mas entre vender, drogar e vender sexo eu acredito que a segunda opção é bem melhor que a primeira, não é mesmo? Agora coloca seu sorriso no rosto, vamos para o shopping, que passei seu nome para a Rebeca. Minha chefe amou sua foto e disse que com sua beleza angelical, vai conquistar muitos clientes hoje a noite.
Juliana me responde, sem entender a minha situação. Eu nunca julguei quem gostava desse tipo de trabalho. Porém, nunca imaginei que um dia teria que recorrer a isso. Iria até a tal boate, conheceria o sistema e rezava para que não precisasse fazer nada além de distrair os homens ricos com conversas e piadas.
LorennaO dia ao lado da Juliana foi de diversão. Mesmo tentando convencer minha melhor amiga de que não conseguiria fazer o trabalho que ela me propôs, acabei aproveitando as compras, o salão e a conversa. Agora me arrumava no apartamento da amiga da Juliana que se chamava Jaqueline. Era um apartamento de dois quartos, sendo uma suíte, sala, cozinha e banheiro social. A garota era massagista e aos finais de semana trabalhava no mesmo lugar que Juliana.Tentava arrumar o comprimento do vestido que Juliana escolheu para mim, praticamente desistindo e deixando do jeito que estava mesmo.— Lô, estou pronta e você vai arrasar os corações na boate hoje — Juliana aparece na sala, usando uma minissaia de dourada, com um top preto, que deixava a barriga à mostra, o decote praticamente todo aparecendo.— Sua amiga não vai achar ruim, nós duas termos usado a casa dela para nos vestir e fazer toda essa bagunça?Aponto para as roupas espalhadas juntamente com as sacolas.— Jaque está bem preocupa
Lorenna— Olá, boa noite!Falo assim que me sento ao lado do estranho, sem dar tempo dele responder se estava ou não acompanhado.— Boa noite!Me respondeu com sua voz grossa e de perto ele era mais bonito ainda. Os cabelos com alguns fios grisalhos e os olhos de um azul-escuro. A luz iluminou bem seu rosto e um sorriso se formou de canto ao responder meu cumprimento.— Espero não atrapalhar você. Se estiver aguardando alguém, é só me avisar que levanto na mesma hora e te deixo sozinho novamente.— Não espero ninguém. Quer dizer, eu estaria esperando se a minha companhia não tivesse avisado que não poderia comparecer e eu estivesse aqui aguardando a chegada dela.O estranho responde, bebendo num único gole o uísque.— Se não for ruim para você e quiser, posso te fazer companhia. Claro se você for ficar aqui. Acabei de chegar na boate, é meu primeiro dia vindo aqui, então estou um pouco perdida no meio de tantas pessoas.Falo tentando soar o mais natural possível. Até o tremor na voz,
LorennaEnquanto aguardava André voltar, me encostei na parede que dava para a escada que levava aos quartos Vips. Eu realmente transaria com um homem por dinheiro? Apenas para pagar uma dívida que não era minha, transando com um homem que nunca mais iria encontrar. Eu deveria estar nervosa, chorando ou até mesmo me descabelando. Porém, não sentia nada disso, pelo contrário, me sentia ansiosa para ficar sozinha com ele. Juliana me avistou do outro lado do salão, fazendo sinal positivo para mim. André me beijou no salão, deixando meu corpo em chamas, ansiando por mais do que um beijo. Eu já fiquei com outros caras, quando saía com Juliana para os bailes, contudo André era muito diferente dos rapazes da comunidade, ele era um homem e isso por si só me excitava. Mexia na minha bolsa de noite, pensando em como me comportar com ele em um quarto. Ouço passos vindos até mim, quando viro meu rosto encontro- o parado ao meu lado.— Vamos! A agitação aqui, ficou demais, então eu prefiro ficar c
Lorenna3 anos depois…— Filha acorda, que é quase hora de você trabalhar.Todo santo dia é isso, por três anos, desde quando me formei. Meu sonho e desejo de estudar para concurso, de estar trabalhando com o que gosto, acabou se resumindo em ser recepcionista na boate que eu jurava que iria apenas uma vez e aulas de reforço três vezes na semana para as crianças da comunidade.Sim! Passaram-se três anos desde a noite que conheci aquele homem e nunca mais obtive notícias. O engraçado é que concordei em trabalhar como atendente na esperança de que uma noite ele voltasse. Porém, nada foi do jeito que imaginei. Mas não dava para reclamar muito. O salário na boate era bom, mantinha as contas em dia e o medicamento da minha mãe. Eu conseguia juntar dinheiro e já não passávamos tanto sufoco assim. Juliana seguia sendo a melhor amiga que eu poderia ter nesse mundo. Mas agora ela não trabalhava na boate e sim no espaço que montou para os atendimentos. A cretina era tão sortuda, que de tanto o
Lorenna— Filha, você vai chegar atrasada na entrevista.Mamãe prepara o almoço, chamando a minha atenção por demorar para terminar o café da manhã.— Mãe, calma que eu tenho tempo até a hora da entrevista — respondi bebendo o restante do suco de laranja.— Desse jeito, você vai acabar chegando na hora que acabar isso sim.Levei o copo sujo para a pia, lavando e deixando no escorredor de louça.— Meu amor te desejo sorte e sei que vai conseguir esse emprego.Depois da ligação da minha amiga, fui para a boate e trabalhei a noite inteira pensando na oferta recebida. Mesmo não compreendendo o motivo de omitir que morava em comunidade, responderia todas as perguntas que a avó da menina me faria, esperando não dar nenhuma bola fora. Luciana havia me contado que eu me formei no mesmo ano que ela, porém não exercia a profissão por cuidar da minha mãe doente.— Mãe, não me espera para o almoço, tudo bem? A entrevista ficou marcada para às nove da manhã. Saindo daqui agora, chamo o Uber e em 5
LorennaÚltima mala fechada. No total 3 malas, uma caixa com alguns livros e minha mãe na sala chorando porque ficaria sozinha em casa. Quero dizer sozinha não, porque em breve ela se mudaria para Embu das Artes. Moraria com uma prima também viúva e foi difícil convencer dona Carmem a aceitar. A casa onde moramos eu alugaria e enviaria o dinheiro todo mês para mamãe. Juliana não acreditou quando contei tudo do trabalho, muito menos do dinheiro que eu receberia em três anos, multiplicado por 36 meses, daria uma fortuna.Mamãe não gostou de saber que eu moraria com os patrões. Até perguntou se o meu patrão era casado, solteiro ou divorciado. Expliquei que o homem era viúvo, porém não obtive muitas informações além do nome. Comecei a levar minhas coisas para o carro, minha mãe na sala faz de conta que está assistindo à novela. Eu teria que me apresentar aos meus novos patrões as 19:00 horas. Dona Roseli havia me enviado mensagem, me avisando que eu jantaria com toda a família. Luciana me
AndréMeu retorno para São Paulo acabou acontecendo bem antes do previsto. Tudo por conta da nova babá que começaria a trabalhar na mansão a partir de hoje. Minha mãe afirmou que a mulher escolhida era pedagoga e que seria a escolha perfeita para ser mais amiga do que propriamente babá de uma adolescente de 15 anos. Minha relação com Isabella piorou depois que a mãe morreu num acidente de carro 3 anos atrás. Uma morte que revelou segredos que eu nunca quis acreditar. Laura, minha falecida esposa, nos deixou em uma noite que jamais seria esquecida por mim, nem que eu vivesse mil anos. Peguei meu celular de cima da cama, descendo de volta para a sala. Ao julgar o horário, a funcionária deveria ter chegado. No corredor ouço vozes vindo da sala. Desço os degraus assim que cheguei até onde todos estão, vejo uma mulher de costas para mim com os cabelos soltos. Um sorriso familiar me deixou em alerta. Era loucura da minha parte. Com certeza uma coincidência. Por três anos, o rosto daquela ga
AndréTentando manter a calma, me afastei dela, arrumando minha calça que não disfarçava a minha ereção. Rever aquela mulher novamente, me deixou louco e por pouco não cometi uma grande burrice dentro desse escritório. Atacar a garota dessa forma, quando somos patrão e funcionária. — Me desculpa pelo que aconteceu agora — observei a forma que Lorenna também se encontra — tão afetada quanto eu.— Senhor, de verdade não tinha ideia de que eu trabalharia para a sua família. Minha amiga Luciana foi quem me indicou o serviço, como sua mãe foi a pessoa que me entrevistou e no dia nem mesmo uma foto sua eu vi. Se eu soubesse, nunca teria aceitado e se achar melhor, invento qualquer desculpa para não continuar trabalhando aqui.A mulher se depara tão nervosa e abalada quanto eu, porém não deixaria que Lorenna se demitisse. Por três anos, seu rosto não saiu da minha mente, até pensei que nunca mais encontraria aquela mulher. Agora ela trabalha como babá da minha filha adolescente e não, eu nã