Perdi a noção do tempo, sobretudo porque já estava no segundo cateterismo quando recebi a mensagem da enfermeira de que meu tio me aguardava no refeitório. Terminado o procedimento, cheguei ao local e tirei a touca da cabeça. Ele estava de costas, tomando um suco.— Oi, titio lindo.Ele me olhou e acompanhei seu olhar especulativo.— Estranhou a vestimenta? A vida de um médico é assim. Estava no centro cirúrgico. Estou com roupa apropriada, não tive tempo de tirar, desculpe.— Você está com sangue respingado na roupa.— Ah, isso é normal.— Tem como se trocar para almoçar comigo, por favor?— Não sei se quero almoçar, temos muitos pacientes hoje — respondi com um sorriso radiante, por estar fazendo o que amo.— Agora, Min-Ji.Murchei e não disse mais nada. Em um bom português, saí com o rabinho entre as pernas. Ele sabia mandar sem ser grosso. Saí e retornei pouco depois com a roupa normal e jaleco branco. A comida já estava na mesa.— Por que está bravo comigo?— Porque no primeiro
A semana transcorreu normalmente, mas não vi o crush. Ele estava em uma nova turnê por outras cidades. Éramos apenas conhecidos, mas nos comunicávamos diariamente por mensagem. No hospital, o ambiente de trabalho estava cada vez melhor, o que me atraía ainda mais. Esse aspecto de estar gostando do hospital me deixava angustiada e pensativa. Por que os seres humanos são tão complicados? Se temos dificuldade, pedimos para não ter; se temos tudo na mão, queremos ir embora com medo de não nos adaptar. Complexo.Era quarta-feira e levei dois sustos no mesmo dia. O primeiro relacionado ao vovô Kang. Enquanto estava realizando uma cirurgia, recebi a recomendação de que, logo que terminasse, fosse ao quarto Vip 303. O enfermeiro não me deu mais detalhes. Após terminar o primeiro procedimento, fui direto para o terceiro andar. Bati na porta e entrei. Vovô estava na cama do hospital, sendo o paciente.— Bom dia. O que está acontecendo? O que o senhor está fazendo sentado nessa cama de hospital?
— Eu tenho o direito de me preocupar. Sabe-se lá por que desde que o vi, senti uma empatia imediata. Algo inexplicável. Um homem de terno e gravata desconhecido, fez eu sentir vontade de ser amiga na hora.— É recíproco, linda do titio — falou ele sorrindo e apertando minha bochecha com carinho.A comida chegou e almoçamos em silêncio. Voltei ao trabalho logo depois e só fui comer no final da tarde. Nessa parte do dia, eu, como brasileira, tomava um bom café e pão. Não havia pão francês, mas o croissant era suficiente. Resolvi encostar-me na pilastra, pois era um lugar ideal para tirar um cochilo breve, e foi aí que tive a segunda surpresa do dia.Estava de olhos fechados quando ouvi passos de salto alto entrando no refeitório. Esse horário, quase seis da tarde, era tranquilo, os funcionários já haviam se retirado. Abri os olhos para ver quem era. Uma mulher, toda empolgada com a marca e riqueza, estava na minha frente, com dois seguranças atrás. Vestia um sobretudo azul, sapatos ver
Quando titio chegou ao hospital, eu já estava com roupa de centro cirúrgico, preparando vovô para o procedimento. A cirurgia durou cerca de uma hora e foi um sucesso. Não tive tempo de voltar ao quarto. Por mensagem, avisei que ia para casa. Estava esgotada.Pensei no jantar de ontem e quase caí de susto quando, saindo do hospital, um entregador me aguardava com um ramalhete de rosas amarelas. Lembrei-me de ter comentado com Young-Chul, na noite anterior, sobre elas. Quando olhei o celular, uma mensagem.— Desafio aceito, desafio cumprido.Saí do hospital com o buquê. Senti uma estranha sensação de estar sendo observada. Olhei de um lado para o outro, até que o motorista me chamou.— Senhorita Kang, tudo bem? Parece angustiada e não era para estar, vejo que ganhou rosas maravilhosas.— É verdade, são lindas. Desculpe, senhor, só tive uma sensação estranha. Quero ir para casa, acho que é o cansaço e a tensão de participar da cirurgia de vovô.— Sim, senhora.— Vou perguntar de novo, se
— Precisa mostrar o corpo todo? Tem essa necessidade?— Moro em um país tropical, quente, com sol o ano todo. As praias são lugares de lazer e euforia. A mulher brasileira tem um estilo diferente, não que precise se mostrar, mas é a nossa cultura.— Sério isso? — ele perguntou ainda com o semblante ciumento.Levantei uma sobrancelha inquisitivamente e mordi os lábios para responder ao machismo cultural. Por sorte, o telefone tocou e mudou o foco da nossa conversa. Eram as minhas amigas, não contei sobre o jantar. No Brasil eram oito e meia da manhã, dia de trabalho árduo. Eu tinha que atender.— Se importa se eu atender? São as minhas amigas, mas elas estão ligando do número do hospital. Preciso saber se algo aconteceu.— De jeito nenhum. Fique à vontade.— Oi, amores. O que aconteceu? Vocês nunca me ligam a essa hora e do telefone do hospital. O que está acontecendo?— Você está toda arrumada. Está com o gatinho?— Sim, estamos jantando, por isso espero que seja urgente, muito urgent
Já estava no banheiro, me preparando para deitar, quando as meninas ligaram. Elas estavam na sala do diretor, por sorte eu ainda estava com a roupa do jantar.— O diretor quer falar com você. Está liberada? Acho que a conversa pode demorar um pouco.— Liberada. Passe para o doutor, por favor.Dr. Márcio apareceu na tela. Ele estava diferente, com o ar mais cansado... Não era tarefa fácil dirigir um hospital público no Rio de Janeiro, especialmente nas condições de atendimento daquele local.— Boa noite, Júlia. As meninas me contaram sobre o laudo. Já enviei para outro cardiologista, pois você está de licença. Ele confirmou o diagnóstico. Adotarei as medidas cabíveis em relação à negligência do outro profissional.— Obrigada, senhor. Parece cansado. Está tudo bem?— Apenas cansaço. E quando você voltará?— Foi bom perguntar, senhor. Tive que fazer uma cirurgia de arritmia cardíaca hoje em meu avô. Até agora, pedi licença de dois meses, mas acredito que vou precisar de um ano, sem remun
Essa fala tirou-me do prumo. A ex-namorada dizia: “Não se meta com o meu namorado!”. Não sei explicar, mas me deu um frio na barriga e uma angústia. A mulher não parecia brincar. Pedi desculpas e disse que não estava preparada para lidar com paparazzis e especulações de uma nova namorada do cantor pop. Por sorte, o chamaram para fazer um teste de som e ele nem discutiu. Mais tarde mandou outra mensagem me chamando para jantar no outro dia. Apesar da angústia, eu não podia deixar de viver, então aceitei. Era sexta-feira, dia de balada. Havia um homem bonito me querendo, gostando da minha companhia. Esqueci o perigo mais uma vez. Na verdade, pensei que era apenas uma questão da minha cabeça, que logo a fulana esqueceria, arrumaria outro e me deixaria em paz.Ele passou em casa às oito horas. Jantamos em um restaurante lindo, às margens do rio Han. A mesa reservada estava ao lado da janela e observamos embarcações chiques e o balanço da água. Era fácil conversar com Young-Chul, leve, se
Sempre soube escolher bem as amizades. Pessoas de boa índole, que não gostavam de me sacanear, faziam parte do meu círculo social. Pura mentira, as meninas sacanas me ligaram da praia. Estavam tomando sol, a areia parecia fritar e a sensação era de Rio 40 graus. Com a cerveja na mão, fizeram-me sentir vontade.— Ao ter amigas como vocês, não se precisa de inimigos, certo? Sacanagem, só não vou falar que terá troco, pois até voltar aí, já perdoei, mas aguardem a rodada de bebida que terão que pagar para mim. Aguardem.— Você escolheu ficar aí, e tem seu cantor perfeito a seus pés. Estamos à caça. E, por falar nisso, onde ele está? Hoje é sábado.— Gravando, mas vamos viajar para a casa de praia dele no próximo final de semana. Lareira acessa, o mar, regado a um bom vinho.— Tem samba e calor? — perguntou Lorena com uma piscadela debochada.— Vou desligar. Isso não é justo comigo — brinquei, fingindo limpar lágrimas dos olhos.— Nos conte, já passou para a próxima fase, ou só está ainda