— Jack, onde vamos amanhã? Estou curiosa. Esse lugar é lindo. Tem tanto glamour — falou a atriz empolgada, enquanto arrumava uma sacola pequena no quarto.— Não sei, Pietra. Coloque o que precisar na sacola. Vou decidir na hora. O carro já está na garagem, sairemos pela rua dos fundos do hotel. Agora, será que podemos ir dormir?— Vá você, meu amor. A mochila de uma mulher precisa de vários acessórios – ela falou, beijando-me nos lábios.Antes que ela quisesse mais alguma coisa, pulei na cama e virei de lado. Demorei para dormir e sonhei com Sara, algo que não acontecia há tempos. O cenário era o nosso antigo quarto; ela estava em frente ao espelho do closet, vestindo-se para a cerimônia do Oscar. Trocamos um último beijo antes que ela desaparecesse completamente do meu mundo, deixando em mim um vazio no coração, junto com uma explicação chocante em uma carta.“Preciso fugir desse mundo de falsidade e podridão.”***Acordei assustado e suado. Além disso, perdi o sono. Fui para a sala
— Houve um acidente com o ator Jack Alton. Ele está com hemorragia cerebral e traumatismo. A namorada chegou viva, mas acaba de falecer. Preciso das duas agora no centro cirúrgico. Ele já está preparado. Os exames estão na sala.As pernas pareciam gelatina e não respondiam. O único pensamento era salvar o homem que amei e ainda amava. O outro pensamento era se daria conta.Fui me preparar, higienizar. Parecia um autômato. Candance só não percebeu porque também estava ligada no automático. Quando o vi deitado naquela mesa, a vontade era chorar e gritar. Respirei profundamente e durante cinco horas usei toda a técnica mental, espiritual e física, além da médica, para salvá-lo.A cardiologista saiu tão esgotada que foi para o quarto dos médicos e dormiu. Entrei no banheiro e chorei, mas não antes de avisar ao responsável. Cheguei à recepção, onde havia uma multidão de repórteres e perto de um homem magro, alto, loiro, olhos verdes – bem clichê. Deduzi que fosse o assessor de Jack.O home
Eu já estava no segundo copo de uísque. O bar, vazio, prenunciava uma noite chuvosa, como já havia sido anunciado no telejornal da noite. Cada gota que deslizava pelo vidro da janela parecia contar sua própria história. Por um momento, me vi mergulhada em silêncio, revisitando cenas que ecoavam desde o dia em que pisei em Seoul. Essas memórias se misturavam às lágrimas contidas nos olhos, que eu teimosamente evitava deixar rolar.O proprietário do bar, um homem de meia-idade que me tratava como filha, mantinha um olhar atencioso sobre mim. Desde o dia em que nos conhecemos, quando cheguei da Brasil e acabei do outro lado do mundo, na Coreia do Sul, construímos um vínculo que eu considerava como o de um querido tio. Mesmo de longe, do balcão, eu percebia a aflição estampada em seu rosto, preocupado com os pontos na minha cabeça, resultado do recente incidente. Porém, era a dor no meu coração que mais me turvava a mente.Uma parte de mim é estrangeira, uma revelação recente que me conec
Rio de Janeiro. 2019Entrei correndo pelos corredores do hospital. O microfone anunciava meu nome para uma cirurgia cardíaca de emergência. Trabalhava tanto no serviço público quanto no particular, ou seja, vivia para a medicina e ocasionalmente tinha vida social. Vivia cercada por duas melhores amigas, que também eram médicas. Desde a infância, me acalentavam o coração e gostavam, como eu, de músicas brasileiras, principalmente uma boa roda de samba na praia.Graduei-me na Universidade Federal do Rio de Janeiro, conquistando o primeiro lugar em minha turma. Apesar disso, havia um elemento que sempre me afastava dos livros: o samba. Mesmo durante os períodos intensos de internato obrigatório antes da minha graduação, e até mesmo durante minha residência, sempre encontrava maneiras de não deixar de participar dos ensaios da minha escola de samba preferida. E minhas amigas leais estavam sempre ao meu lado.A cardiologia sempre me fascinou, mas o impulso decisivo para escolher essa espe
— Sem problema, senhorita Kang. A que horas podemos tomar o desjejum e onde?— Nesse mesmo restaurante que o senhor mencionou. Às oito da manhã, pode ser, ou se quiser mais cedo, sem problema, estou acostumada a acordar cedo, vida de médico é assim.— Estarei aguardando, senhora. Às oito. Tenha uma ótima noite de sono e descanse.Fiz a reverência e me despedi. No balcão, peguei minha bolsa e vi quando o cavalheiro saiu com o celular no ouvido.— O que aconteceu, senhor José? Está chorando?— Lembrei do seu pai quando vi vocês fazendo a reverência. Achava lindo quando ele vinha buscar o jornal pela manhã e me dava o bom dia daquela maneira. Sinto muita falta dele. Foi um homem tão bom, de coração brando, alegre, sempre cordial. Faz muita, mas muita falta.— Eu também. Há anos que não a usava, tive medo de errar. Papai, em casa, me dava bom dia assim, antes de me beijar a bochecha e me fazer cócegas, é claro. Isso não podia faltar, jamais.— Já te disse, menina Júlia, você é a mais bras
De verdade, demonstrei um certo descontrole naquele momento. Até porque, se fosse uma brincadeira de mal gosto daquelas duas, elas iam me pagar bem caro.Com paciência, ele me serviu água e esperou que percebesse que não era nenhuma piada de mal gosto.— Para completar, só falta o senhor dizer que esse tal avô é rico…— Mais do que rico. Um dos homens mais ricos do planeta. Dono de vários empreendimentos, inclusive dois hospitais em Seul, os quais ele quer que você administre e atue.Engasguei e cuspi a água quase toda em cima do homem à minha frente. Era impressionante a resiliência dele. Apenas se enxugou e ofereceu o guardanapo para mim, de novo. Esperou, com paciência, eu respirar. Os olhos vermelhos do engasgo se encheram agora de lágrimas e a cabeça só pensava, que loucura era aquela.— O senhor é bem direto, não é? Não dá nem tempo para que eu respire e solta tudo de uma só vez. Agora entendo como é ruim ser assim, também costumo ser direta. Desculpe, senhor. Não costumo ser se
Eram cinco da tarde quando mandei uma mensagem para Kang, Ye-Yun. Marquei de passar às sete no hotel e levá-lo a uma boa noitada carioca. Parei na entrada e vi de longe — graças ao bom Deus — ele não estava de terno, mas lia um livro, bem absorto na leitura. Chamei da porta e ele veio austero. Naquela noite, eu teria que fazer com que ele soubesse e entendesse alguns costumes brasileiros.Quando ele saía pela porta de vidro, cheguei perto e dei dois beijos nele, um em cada bochecha. A vermelhidão do rosto fez-me quase me sentar no meio-fio de tanto rir.— Primeira coisa, senhor tio. No Brasil, somos calorosos e nos cumprimentamos com beijos. Essa é a maneira natural aqui, e não nos preocupamos muito com formalidades, a não ser quando estamos interagindo com pessoas mais velhas, o que não se aplica a você. Não é idoso e, além disso, é meu parente. Portanto, durante nossa convivência, é assim que nos cumprimentaremos.— É algo peculiar.— Com o tempo, você se acostuma. Segunda coisa: te
Ângela era racional, mas dessa vez ela parecia mais indignada que Lorena, a boa romântica. Quando ela ficava nervosa, passava as mãos pelos cabelos.— Júlia, esse Ye-Jun e esse avô, quer que more do outro lado do mundo, por um ano?— Sim, mas, a princípio, nos meus planos, estou indo apenas para conhecê-lo. É a exigência que fiz.— E se esse cara for da máfia e te prender lá? — perguntou Lorena, a sonhadora, viciada em seriados de investigações e mafiosos.— Não. Já li toda a documentação. Ele é dono de hospitais, de agência de talentos, de restaurantes chiques, lojas de departamento. Um monte de coisas. Fiquei até perdida.— Quem está perdida sou eu! — falou Ângela, voltando ao seu normal, a maturidade racionalizada em pessoa, me dando um tapa na cabeça. — É a chance da sua vida. Sair dessa pindaíba. Trabalhar menos. Ter um hospital seu.— Quero vocês lá comigo. Estarei sozinha em um país que jamais imaginei um dia conhecer. Longe, do outro lado do mundo, e com uma cultura de milênio