Capítulo 1

Anos depois...

Luana

— Não acredito que você me convenceu a fazer essa viagem! — falonovamente para Alice.

— Relaxa, Luana. Você anda trabalhando e estudando demais, quando foi a última vez que relaxou de verdade, sem entrar em tópicos como tendões, órgãos, diagnósticos e outros tantos termos que vocês usam.

Sorrio ao me lembrar de uma reunião que fiz em nosso apartamento alguns dias atrás com alguns amigos médicos. Alice ficou toda animada achando que seria uma festa de arromba, porém sempre surgia conversas sobre os plantões que havíamos realizado e os diagnósticos de alguns casos. Alice se entediou tanto que se trancou no quarto, depois de trinta minutos de reunião.

Depois do acidente que matou meus pais, senhor Clóvis entrou com o pedido de minha tutela e passei a morar definitivamente com eles. O pai de Alice também investiu todo o dinheiro do seguro de vida dos meus pais e assumiu minha educação, me tratando como uma filha. Dona Roberta, se recusou a ficar na mesma casa, pois tudo lembrava meus pais que eram mais do que funcionários, minha mãe se tornou uma boa amiga para ela e acabamos nos mudamos para um apartamento.

Hoje, não sei como teria sido minha vida se eles não estivessem ao meu lado, já que a única família que conhecia foi tirada de mim. Serei eternamente grata a eles, pela mulher e profissional que me tornei.

— Lu? — Volto a realidade com Alice me chamando. — Onde quer que seus pais estejam, estão muito orgulhosos de você. Tenho certeza.

Alice me conhece tanto e sabe que me esforcei muito nos estudos, com o objetivo de um dia fazer pelos outros o que não puderam fazer pelos meus pais.

— O resultado da efetivação do hospital sai daqui a três semanas. — Comento mudando de assunto e sorrindo na tentativa de afastar a saudade que sinto diariamente dos meus pais.

— E tenho certeza que uma das vagas será sua.

Tenho Alice como se fosse minha irmã, apesar de termos origens bem distintas: ela filha de um advogado conceituado, enquanto eu, a filha dos empregados.

Meus pais trabalhavam para a família Veiga, e moravam numa pequena casa anexa à mansão, mas isso nunca foi obstáculo para a nossa amizade que só cresceu com o tempo.

Não conseguimos nos separar nem na época de faculdade, no campus optamos por dividir um quarto, mesmo fazendo cursos diferentes, e depois com a residência Alice foi comigo para um apartamento próximo ao hospital que atuava.  

— Luana, acorda! — Alice me chama afastando novamente meus pensamentos. — Já estamos chegando e você ficou calada a maior parte do tempo, está tudo bem?

— Estava lembrando da nossa infância e do tempo que não tínhamos tanta responsabilidade.

— Tenho saudades também, mas vamos parar com isso e nos divertir. — Alice dá um tapa em minha perna e sorri logo depois.

Estacionamos em frente a uma linda casa de veraneio, paredes de vidro, um lindo jardim de rosas, que começam a se abrir. No fundo, uma piscina, churrasqueira e uma pequena casa onde vivia o senhor João, ele é responsável por cuidar da casa e foi o melhor amigo do meu pai.

Entro jogando minha mochila no sofá e vou para a cozinha onde encontro Alice já mexendo na geladeira.

— Estou com fome, que tal um sanduíche? Acho que temos tudo que é preciso. — Como sempre senhor João já tinha abastecido a geladeira.

— Sim, ótima ideia.

O celular de Alice toca quando estamos terminando de comer e vou para a sala deixando-a mais à vontade. Sento no sofá, fecho os olhos me permitindo relaxar por um momento.

“Entro em um quarto e ouço o barulho da porta sendo fechada, um homem me olha sorrindo e vem em minha direção, estou tonta e mal consigo ficar com os olhos abertos, sinto uma mão em meus cabelos.

— Você é minha! — a voz diz se aproximando cada vez mais e não tenho forças para fugir.

O homem me abraça e começa a me beijar, sinto cheiro de álcool. Tento em vão afasta-lo ele é mais forte do que eu, e me sinto cada vez mais fraca, minhas pernas estão moles.

— Não! Me solta — grito sem saber como consigo forças para isso. — Socorro! — ouço um estrondo enquanto sou envolvida por uma escuridão.”

— Luana, calma estou aqui, é somente um pesadelo. Acorda! —  Pisco algumas vezes, até que surge a imagem de Alice me encarando assustada. Recobro meus sentidos lembrando onde estamos e respiro aliviada por saber que não passou de um pesadelo. — Você está bem? Quer me contar o que aconteceu?

— Foi só o mesmo pesadelo de sempre, que tem alguém me agarrando, mas não se preocupe, estou bem — falo tentando disfarçar o nervosismo que esses pesadelos me causam.

— Tem certeza? — pergunto desconfiada.

— Sim, o que acha de uma volta na praia?

****

Caminhamos pela orla, me sinto relaxada com o passeio e acabo por me lembrar do telefonema que Alice recebeu mais cedo.

— Quem te ligou àquela hora? — pergunto enquanto paramos em um quiosque de água de coco.

— Ninguém — fala olhando para as unhas, disfarçando.

— Alice Veiga, te conheço muito bem, o que está aprontando? — pergunto séria, enquanto ela sinaliza pedindo duas águas de coco.

— Olha, sei que falei que esse final de semana seria só nosso, mas...

— Mas o quê? — falo interrompendo-a.

— O Rô me ligou e disse que está chegando hoje com o...

— Beto. — Completo sua frase.

Conheço o Beto desde menina, ele é melhor amigo do Rodrigo, se conheceram na escola e sempre frequentou nossa casa, na adolescência chegamos a sair algumas vezes, mas foi algo sem importância, o problema é que ele sempre consegue me tirar do sério.

— Fica tranquila, tenho certeza que meu irmão conversou com ele, sobre ficar te perturbando.

— Quando me convenceu a viajar, prometeu um final de semana somente nosso, sem estudos e sem garotos. — Alice sorri e me abraça dizendo:

— Eu sei, mas vai ser legal ter os meninos aqui, como nos velhos tempos, não os vemos desde o Natal e isso tem quase um ano.

— Ok, talvez você esteja certa, vai ser legal tê-los conosco — digo depois de pensar um pouco, realmente está muito complicado nos encontrar com a correria do dia a dia.

— Vamos voltar para a casa então, os meninos chegam em... Ai meu Deus!!

— O que foi agora?

Quando olho em um dos quiosques vejo o motivo do susto de Alice: encostado em um balcão está Daniel conversando com duas garotas que suspiravam enroscadas em seu pescoço e por mais que Alice negue, sei que é apaixonada por ele desde a faculdade, porém, não queria ser apenas mais uma em sua cama.

Eles se conheceram quando Alice foi monitora de Daniel, inclusive chegaram a sair durante algum tempo, quando de repente ele simplesmente começou a ignorá-la aparecendo com uma garota diferente por dia.

Daniel olha em nossa direção e acena discretamente

— Uau! Ele acenou para nós! —   digo enquanto Ali demonstra fúria, aceno de volta e a puxo para continuarmos nosso caminho, como se nada tivesse acontecido.

Ao chegarmos em casa, encontramos Rodrigo descarregando o carro, ele está lindo, sinto meu coração acelerar no mesmo momento.

Rodrigo abre um sorriso assim que nos vê e caminha em nossa direção.

— Olá, minhas garotas favoritas! — fala nos dando um abraço coletivo e beijando nossa testa.

— Oi, maninho, como vai? As mulheres te deram um tempo esse final de semana? — Alice brinca com o irmão e isso me deixa incomodada.

— O trabalho me deu uma folga, e vocês avisaram os marmanjos que o irmão aqui tá de olho? — Rodrigo diz sem nos soltar.

— Nosso foco esse final de semana é outro, então fique tranquilo que não terá problemas por enquanto. — Alice responde o irmão piscando para mim.

— E como está, minha cirurgiã favorita? — ele nos solta e já sinto falta dos seus braços.

 Alice vai até seu carro e nos deixa sozinhos.

— Estou bem — digo sentindo meu rosto corar.

— Desculpa por trazer o Beto. — Rodrigo diz, me puxando novamente para os seus braços. — Conversei com ele novamente e o cara me prometeu não brincar mais.

— Obrigada por isso — falo encostando a cabeça em seu peito. Sinto seu perfume, enquanto ainda estou em seus braços, o que é maravilhoso, porém, infelizmente ele me vê apenas como sua irmã mais nova.

No fundo sempre senti algo por Rodrigo, mas somente nos últimos anos é que tive consciência, mas faço o mais prudente: deixo esse sentimento bem quietinho dentro do meu peito.

— Ei, aí estão vocês! — Ouço uma voz vindo atrás de nós, estourando nossa bola — Estou com fome, vamos ao Submarino? — Beto sugere.

— Preciso de um banho primeiro — responde Alice, saindo do seu carro com uma bolsa

— Eu também, voltamos em meia hora — digo concordando com minha amiga.

— Vinte minutos — Beto retruca, quando passamos rapidamente por ele.

Após um banho rápido coloco um vestido florido com alças finas. — Isso deve servir se resolvermos ir para algum outro lugar. —Meu cabelo úmido cai sobre meus ombros, passo um rímel, em seguida um brilho nos lábios, nos pés uma sandália com salto Anabela de tiras. Antes de descer para encontrar meus amigos, olho no espelho e gosto muito do meu visual.

Os garotos estão bebendo cerveja enquanto conversam sobre mulheres, para variar, sempre os mesmos assuntos: mulher, futebol e carros. Tão previsíveis!

— Cara, não acredito que você dispensou a Rebeca? Ela é doida por você! — escuto a voz de Beto.

— Doida por mim e mais metade da cidade, qualquer homem com dinheiro é alvo fácil pra ela. — Agora é Rodrigo que fala. Paro no início da escada, curiosa pela continuação da conversa. — Sabe Beto, eu mudei, não quero mais ficar pulando de galho em galho.

Essa frase de Rodrigo me fez sentir um frio na barriga, ele foi o cara mais cobiçado do ensino médio, na faculdade ficou conhecido como o grande destruidor de corações, mas nunca levou nenhuma mulher para casa, para apresentar aos pais, não sabíamos ao certo com quem ele estava, mas uma coisa é certo... Rodrigo Veiga nunca estava sozinho.

Ele é esportista, tem o corpo perfeito, olhos e cabelos castanhos, é extremamente charmoso, nenhuma mulher resiste ao seu charme.

— Para com isso, velho e vamos aproveitar a vida, já que a Lu não me quer mais mesmo! — bufo ao ouvir seu comentário.

— Já te falei pra ficar longe da Lu! — ameaça Rodrigo com a voz firme. — Para o seu bem, deixe suas garras bem longe dela.

— Brincadeira, não vou mais mexer com sua irmãzinha.

Resolvo descer as escadas, já estava irritada com o rumo que essa conversa deles havia tomado, afinal de contas nós não somos irmãos, apenas fomos criados juntos, a propósito, por que estou tão irritada, então? É assim mesmo que ele me vê, como sua irmãzinha.

— Estou pronta, Ali já desceu? — Os dois se voltam em minha direção.

— Você está linda! — elogia Beto.

— Obrigada — digo meio sem jeito. — Você também está bem.

Olho na direção de Rodrigo e nossos olhares se cruzam, ele está lindo, vestido de forma descontraída, sem o terno que sempre o acompanha.

— Tem certeza que não quer sair comigo? — insiste Beto, e recebe um olhar furioso de Rodrigo.

— Você prometeu! — repreende Rodrigo.

— Calma Rodrigo, é brincadeira! — Beto sorri e b**e no braço de Rodrigo, que fecha a cara no mesmo instante,

Suspiro indo ao encontro de Beto, sinto o olhar de Rodrigo, seguindo cada passo que eu dou seguro a mão de Beto dizendo:

— Você é um cara muito legal e foi bom sair com você, mas não funcionamos juntos, não dessa maneira, tenho um carinho por você e o que posso oferecer é minha amizade.

— Nossa, você agora me machucou de verdade! — Olho assustada para ele. — Estou brincando, sua amizade é importante pra mim também, mas se quiser se divertir comigo... — Dou um soco em seu ombro, rindo da sua brincadeira.

— Vou esperar vocês no carro — digo já saindo de perto deles, tentando fazer com que meu coração se acalme.

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