Capítulo 3

Rodrigo

Chegamos em casa rápido e as meninas vão direto para o quarto.

Ando de um lado para o outro na sala, imaginando o que pode ter acontecido para que Luana tenha essa reação, Beto me observa atentamente.

— Cara, porque você não conversa com ela? — Beto indaga.

— Do que você está falando? — digo sem entender onde ele quer chegar.

— Luana, cara... falando da Luana! Vocês precisam conversar, sei que você gosta dela e não é sentimento de irmão. — Paro ao ouvir o que Beto diz. De onde ele tirou essa ideia?

— Não sei do que você está falando! Nós crescemos juntos, quero protegê-la, eu quero...

— Você a ama. Precisa parar de negar o que sente, faz tempo que tenho notado que você está diferente, e tenho certeza que essa mudança tem nome e sobrenome — Beto fala me interrompendo, seu olhar é sério. Ele é meu melhor amigo e me conhece muito bem, nunca consegui esconder nada dele.

— Eu não sei quando comecei a me sentir assim, ela é tudo pra mim, mas me vê como seu irmão, eu não suporto, não quero nem pensar na ideia de vê-la com outro homem... — Confesso. Sento-me no sofá segurando meu rosto com as mãos, sentindo-me derrotado.

— Eu sei disso... — Olho para ele sentado em minha frente. — Estou desconfiado desde o Natal. Você nunca a viu como irmã, o jeito que você sempre olhou para ela e toda vez que brincávamos colocando o nome dela no meio, tinha impressão que você iria quebrar minha cara. — Encosto minha cabeça, no sofá enquanto Beto continua seu discurso. — Cada vez que Alice ligava, você sempre perguntava por “suas garotas”, mas na verdade, indiretamente, queria saber mais da Luana do que da Alice e o mais importante, você ficava louco quando ouvia a palavra irmã, quando se tratava da Lu. Cara, está escrito na sua cara! Só não vê quem não quer. No fundo, você sempre a amou.

— E se ela me ver somente como um irmão? — pergunto inseguro. — Tudo vai mudar entre a gente, não quero que fique um clima estranho.

— Se você não arriscar, nunca saberá cara. Como meu pai diz: o não a gente já tem. Boa noite! — Ele dá um tapa nas minhas costas.

— Boa noite... — digo a Beto que já subia as escadas, me deixando ali mais uma vez perdido em meus pensamentos, preciso descobrir o que aconteceu que a deixou tão assustada.

Subo as escadas o mais rápido que posso e quando estou pronto a bater na porta, minha irmã a abre, saindo do quarto.

— Como ela está? Ela...

— Está dormindo agora, vou dormir com ela hoje. — Alice me corta, ela tem um sorriso no rosto e levanta um pouco as sobrancelhas.

— O que aconteceu? Ela te falou alguma coisa? — pergunto apressado.

— Rodrigo Veiga! Se acalme! Sei que se preocupa e também sei o quanto gosta dela, mas agora a Lu precisa descansar e sim, ela me contou o que aconteceu, pode ter certeza que no momento certo ela vai te contar... só não a pressione, ok?

— Tá... ok, mas preciso saber se ela está bem de verdade! — afirmo ansioso, que porra está acontecendo e o que essas duas estão me escondendo?

— Ela vai ficar bem, apenas tenha paciência com ela

Luana

Corro para o banheiro assim que chego em casa, não aguentando mais a ânsia que insiste em não passar, não sei se tudo isso é efeito do álcool ou do pânico que acabou com a nossa noite.

Alice segura uma toalha úmida em minha testa, tentando me acalmar. Sento no chão frio e abraço minhas pernas, com lágrimas nos olhos.

— Eu... eu sinto muito! — sussurro, entre um soluço e outro.

Shhhhh... vai ficar tudo bem, você está segura agora e sempre, sabe disso, certo?

— Sei que só vou ter paz, quando me lembrar o que aconteceu aquela noite, mas tudo que consigo são flashes, pesadelos, onde sempre alguém... me persegue, gritos... — Suspiro tentando me acalmar

— Você não deveria ter parado com a terapia, sabe que é importante, além do mais, faz muito tempo que isso aconteceu, foi um simples porre universitário... — Alice analisa, sentada ao meu lado, enquanto seca minhas lágrimas.

— Eu sinto que aconteceu algo, não é um simples porre! Se fosse somente isso, como você me explica esses flashes, esses pesadelos...

— Às vezes sua mente está pregando algumas peças, você está muito cansada, estudando e dobrando plantões, você precisa se cuidar, como irá cuidar da saúde das pessoas se não cuida da sua própria saúde? Você precisa superar isso... nós sabemos que não aconteceu nada, você teve uma noite em um ambiente onde não estava acostumada, bebeu demais e apagou, eu mesmo te encontrei dormindo no banco da praça. — Ali diz com um sorriso nos lábios, enquanto eu a encaro séria.

— Nós não temos certeza de nada, mas sinto que é mais do que isso, Beatriz era a única que estava comigo e diz ter saído antes, que eu estava bem... me divertindo e que ela não quis atrapalhar. — Na época fui conversar com algumas pessoas, mas as únicas informações que tive, foi que nada além do normal aconteceu durante a festa.

— Rodrigo está preocupado, nunca o vi tão nervoso, ele se importa com você e acho que deve contar conversar com ele.

— NÃO! — grito. — Não, Alice, como você mesmo acabou de falar pode ser coisa da minha cabeça e, não quero trazer mais problemas pra ninguém, sou muito agradecida por tudo que fizeram por mim até hoje e não quero preocupar ninguém... ninguém ouviu?

— Luana, vocês precisam conversar, acredito que meu irmão sente algo por você e sei que isso é recíproco, não pense que não vi os olhares que vocês dois trocaram essa noite.

— Ele me vê... — Alice me interrompe.

— Não me venha com essa história que “ele só me vê como irmã”! Vocês sempre se deram bem, foi uma fatalidade que fez vocês dividirem o mesmo teto, mas você nunca foi irmã dele, tira isso da sua cabeça — ela suspira. — Você se tornou uma mulher maravilhosa e ele a vê como tal.

— Você está viajando Ali, ele não me vê assim. — É nisso que quero e prefiro acreditar, pois tudo dentro de mim está confuso e não quero pensar na possibilidade de também estar sentido algo por ele e não ser correspondida, tudo isso é muito complicado.

— Tudo bem, se você pensa assim. Agora você precisa descansar, amanhã estará se sentindo melhor! — ela diz me ajudando a sair do chão e me abraçando em seguida.

— Ali — digo quando percebo que ela está saindo do quarto. — Não quero dormir sozinha...

— Vou colocar meu pijama e volto pra ficar com você.

 Aproveito para tomar um banho e tentar relaxar, quando saio do banheiro me deito e logo adormeço, não vendo quando e se Alice voltou para o quarto. 

****

Acordo com um cheiro delicioso de café, ao meu lado Ali ainda dorme, levanto devagar e entro no banheiro.  

Quando desço as escadas encontro Rodrigo na cozinha fazendo nosso café, fico parada admirando e pensando sobre o que Ali falo. Não demora muito e ele percebe minha presença.

— Hei, bom dia! Está melhor? — pergunta abrindo um lindo sorriso.

— Bom dia! Estou sim. Que cheiro bom! O que está preparando?

— Omeletes, sente-se que já vou te servir.

— Obrigada. — Ele me serve e se senta ao meu lado, comemos quietos por alguns minutos, até quebro o silêncio.

— Eu sinto muito por ontem, não queria ter estragado a noite com...

— Lu, não precisa dizer nada se não estiver confortável, mas saiba que estou aqui pra te ajudar — diz em um tom carinhoso, segurando minha mão. — E saiba que não vou deixar ninguém te machucar, nunca... eu prometo!

Uma emoção toma conta de mim, sinto-me segura ao lado dele e é impossível não desejar ter isso para a vida toda. Cenas dele conversando com uma mulher ontem me passam pela cabeça. Rodrigo segura firme minha mão, mas eu puxo-as fugindo do seu toque.

— O que foi? — Rodrigo questiona curioso.

— Quero te perguntar uma coisa, mas não precisa responder... — falo meio sem jeito — Quem era aquela mulher que conversava com você na boate?

— Uma cliente do escritório — responde sem pensar, me deixando aliviada.

— Ah! Vocês pareciam íntimos... — Tomo um pouco de café para disfarçar a curiosidade.

— Ela estava um pouco bêbada, foi um encontro rápido e uma conversa mais rápida ainda, a audiência dela está marcada para a próxima semana. Não tenho nada com ela e com ninguém, mas não significa que eu esteja disponível. — O alívio de minutos atrás dá lugar à tristeza. 

— NOSSA! — Beto está encostado na porta. — Não achei que um dia veria nosso grande D. Juan dizendo que está sozinho e não disponível, vai Rodrigão, abre o jogo, quem te amarrou, hein?

— Cala a boca! — Rodrigo diz bravo.

Hei, Lu, o que você acha? Quem será a sortuda, filha da mãe, que ganhou o coração do jovem doutor Rodrigo Veiga? — Beto me olha de uma maneira diferente, como se soubesse de algo que é ignorado por todos.

— Bem, eu não... — Pega de surpresa, não consigo terminar de formular a frase, pois sou interrompida por Beto.

— Será que ela terá a aprovação da irmãzinha mais nova? — diz ao levantar a sobrancelha e nos encarar.

— NÓS NÃO SOMOS IRMÃOS! — Eu e Rodrigo gritamos ao mesmo tempo.

Logo depois estamos todos gargalhando sem saber o motivo real.

— A festa começou sem mim? — Ali diz entrando na cozinha. — Que bom acordar com esse clima, tinha certeza que a maresia ia fazer bem para todos!

— Bom dia, Ali... você sim, é minha única irmã! — Rodrigo fala, entre as risadas.

— Ah, o assunto é esse e estão rindo? Isso é novidade pra mim! E você, dormiu bem? — pergunta me abraçando.

— Sim e obrigada por me fazer companhia. — Agradeço por tê-la ao meu lado mais uma vez.

— Hummm... vejo que meu irmãozinho preparou suas famosas omeletes, estou com muita fome! — diz quase voando na travessa que estava no centro da mesa.

— Grande novidade! —Beto provoca minha amiga

— Então senta e come irmãzinha, ninguém merece seu mau humor quando está com fome — provoca Rodrigo rindo já subindo as escadas. — Vou me trocar. Eu e Beto vamos ao mercado comprar algumas coisas para hoje à noite, se vocês quiserem ir à praia logo estaremos lá.

— Vou me trocar também — anuncia Beto saindo e nos deixando a sós.

Ficamos em silêncio, mas percebo que Ali quer me perguntar alguma coisa, mas acaba deixando para lá.

*****

O dia está lindo, sinto que aos poucos minhas forças estão sendo revigoradas pelos raios solares.

Estamos sentadas tomando um refresco quando Rodrigo e Beto chegam. Engasgo-me com a visão de Rodrigo sem camisa, seu abdômen é totalmente definido e de tirar o fôlego, ele caminhou em nossa direção com os olhos fixos aos meus, enquanto Beto vai diretamente para água.

— Está tudo bem? — diz sentando ao meu lado.

— Sim, e vocês compraram somente o que precisava ou vamos levar a compra do mês para casa novamente? — Da última vez que passamos um final de semana na praia, Alice e eu ficamos praticamente sem fazer a compra mensal, pois Beto e Rodrigo compraram além do necessário e voltamos com o carro cheio de compras.

Rodrigo dá risada jogando a cabeça para trás, com certeza lembrando do ocorrido.

— Pode ficar tranquila, seguimos exatamente a lista dessa vez e teremos um convidado essa noite.

Alice que está ao meu lado lendo uma revista, mas prestando atenção em nossa conversa logo se intromete:

— O que? Novo vizinho? Quem é ele? — questiona curiosa.

— O nome dele é Daniel, convidei para se juntar a nós hoje e fiquei sabendo que vocês já se conhecem da faculdade e... — Alice fica branca como papel e não deixa Rodrigo terminar, com o que aconteceu na boate, acabei me esquecendo de comentar que Rodrigo conhece Daniel.

— Rodrigo, esse final de semana era para ser só nosso, você não pode sair convidando qualquer um sem consultar com a gente antes.

— Ele não é qualquer um, vocês já se conhecem. Eu o conheci há pouco tempo, durante um jogo de futebol e soube que ele se formou em Direito. Além do mais, Daniel me ligou dias atrás para combinar um jantar na casa dele e como você tinha me contado que estariam aqui, não vi mal algum em estender o convite a ele. Você vai gostar de conhecê-lo, ele está se especializando em Penal assim como você...

— Ok, nós o conhecemos, mas não gosto dele, o cara é arrogante, grosso e... argh... você sabe... — Alice está muito irritada com Rodrigo, que se diverte com a situação.

— Galinha? Ou será que você tomou um toco dele... — Alice nem espera Rodrigo terminar a frase e sai bufando irritada, entrando na água.

— Agora me conta tudo. — Rodrigo me olha de um jeito divertido e cheio de curiosidade sobre a irmã.

Hã, o quê? — falo tentando disfarçar.

— Você sabe o que aconteceu entre Daniel e minha irmã?

— Bem, que eu saiba nada demais. Há alguns anos, Ali era monitora de um professor que enviou Daniel para que ela o ajudasse em uma matéria que estava tendo dificuldades, ele estava alguns semestres atrás e Alice já tinha fechado a mesma matéria, até achei que os dois se davam muito bem, mas depois de algum tempo ele disse que não precisava mais de sua ajuda e nunca mais se falaram, só nos esbarramos no campus. Sabe... — digo pensativa. — Acho que o coração da Ali se quebrou um pouco, depois que ele parou de procurá-la. Toda vez que o víamos, ele sempre estava com uma garota diferente em seu pescoço e ontem não foi diferente. — Percebo que Rodrigo fica pensativo.

— Se soubesse disso não o teria convidado — pondera com seu modo irmão protetor ativado. — Não queria estragar nosso fim de semana.

— Não fique assim, você não tem culpa e quem sabe não é melhor que isso aconteça? Quem sabe eles não conversam e acabam se entendendo... ou não — brinco rindo e dando de ombros.

— Lembra que uma vez ela disse que vocês teriam um casamento duplo aqui na praia, ela com Beto e você... — Fico sem graça e automaticamente, meu sorriso desaparece do rosto, o clima antes leve se torna um pouco denso. — Alice com certeza não se lembra mais disso e olha lá o Beto... — ele aponta para nosso amigo que está rodeado de mulheres. — Você acha que eles dariam certo? Tudo aquilo foi uma brincadeira e promessas de crianças, como se lembrar disso, foi a tanto tempo — finaliza.

— Para alguns é difícil esquecer o que aconteceu aquele dia. — Abaixo os olhos, mirando meus pés que se movimentam na areia. Suspiro e fecho os olhos, aquele dia meu coração foi quebrado pela primeira vez, minha primeira perda. Rodrigo percebe minha mudança e tenta consertar.

— Me perdoe, não sei como fui capaz de tocar nesse assunto — fala levantando-se e indo ao encontro de Alice, me deixando perdida em lembranças.

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