Capítulo 2

Abro meus olhos encontrando-me em uma completa escuridão. Imediatamente detecto que onde quer que eu esteja, não estou sozinha. Não ouso me mexer. Avalio mentalmente quais as minhas chances em um possível combate.

-Você está acordada. - Me sobressalto ao ouvir a voz masculina que reverbera por toda escuridão -Eu não sou seu inimigo. - Ela é rouca e parece acompanhada de sussuros.

-Por que eu deveria acreditar? - Pergunto, obrigando meus olhos a se acostumarem com a escuridão.

-Se eu quisesse matar você... - A voz se aproxima e eu fico em estado de alerta - Eu já teria feito.

Apesar do clima tenso, sorrio de lado. Arrogante. Ele claramente está certo, mas eu não diria isso. A escuridão começa a fazer sentido para mim e eu observo uma forma andar de um lado para o outro de frente ao local em que estou deitada. Meu sorriso se alarga quando eu mergulho na escuridão, surgindo atrás do macho alado que me observava. Rapidamente se vira na minha direção, ele pisca com a surpresa mas rapidamente volta as feições impassíveis.

-Como você... - Ele começa a falar mas eu o interrompo.

-Quem é você? Onde eu estou? - O observo como fui treinada para fazer, como uma caçadora - E como eu vim parar aqui?

Mesmo encarando fixamente seus olhos amêndoas eu sei exatamente todas as formas que ele poderia me atacar, e ele parece saber o mesmo. 

-Eu não vou atacar você. Se afasta, senta e nós conversaremos...

O grunhido que sai dos meus lábios é instintivo, ele lentamente se coloca em posição de defesa.

-Se não é meu inimigo, não me dê ordens. - A questão não é a ordem em si, e sim as lembranças que elas trazem...

-Eu não estou afim de começar uma luta. - Ele não teve a intenção, mas saiu como uma ameaça.

Nós estamos nos rondando agora, como dois animais. Eu o observo como uma predadora e ele faz o mesmo. Sempre tive certeza de que eu sairia vitoriosa quando entrava em um combate, mas dessa vez é diferente, o meu oponente não parece ter sido derrotado muitas vezes.

-Eu não tive a intenção de ofendê-la. - Suas feições se contorcem e percebo que ele fez um enorme esforço para soltar aquelas palavras - Mas se quer saber o que aconteceu, me atacar não vai trazer respostas.

Nós paramos juntos, como se a música que estávamos dançando tivesse simplesmente parado. Ele respira fundo e me surpreendo quando toda a escuridão começa a se afastar, nos deixando em um quarto iluminado. Olhos amêndoas fitam mais uma vez olhos verdes antes do macho alado, e bonito, se afastar e sentar em uma poltrona. Permaneço de pé.

-Você deveria se sentar, está desacordada a três dias. - Tento não parecer surpresa enquanto ele se ajeita, sombras o rodeando.

-Como eu cheguei aqui? - Recuso a sugestão e continuo de pé.

-Aparentemente você atravessou. Eu estava esperando você acordar para que me dissesse como descobriu esse lugar.

-Descobri? Eu nem sei que lugar é esse. - Sorrio ironicamente.

-Está mentindo? - As sombras cochicham em seus ouvidos.

-Como eu poderia ter descoberto esse lugar se o modo como você o colocou deixou claro que não é um local que possa ser descoberto?

-Você tem um ponto. - Murmura.

-O que aconteceu depois que eu atravessei? - Caminho lentamente até a cama, me sentando de frente para a poltrona em que ele está.

-Você entrou em esgotamento. - As sombras se aproximam mais uma vez, vindo na minha direção, ele franze o cenho e as afasta - Eu te trouxe para dentro, nós cuidamos dos seus ferimentos, trocamos suas vestes e te deixamos dormir.

-Nós? - Eu não tinha sentido mais ninguém na casa.

-Achei que seria melhor ter servas cuidando de você. - Ele desvia os olhos e eu entendo o porque - Elas não estão mais aqui.

-O que aconteceu com as bestas? - Seus olhos encontram os meus novamente.

-Bestas?

-Sim. As bestas de Maghdon.

-O rei de Maghdon morreu tem meses. - Ele ergue as sobrancelhas interrogativamente.

-Eu sei. - Reviro os olhos - Isso não as impediu de continuarem vindo.

Nós ficamos em silêncio por um tempo. Apenas nos encarando. Ele tentando decidir se eu estava mentindo ou não, e eu tentando colocar em ordem os últimos dias, procurando pelo menos por flashes. Mas nada veio. Eu atravessei para um lugar estranho que, provavelmente, é cheio de algum tipo de magia ilusória seguindo uma sensação idiota e uma voz da minha cabeça. Na verdade eu não sei porque ele não me matou.

-Porque não me matou? Quando atravessei. Seria mais sábio da sua parte se tivesse feito.

Ele abre a boca e a fecha. Ergue as sobrancelhas e então franze o cenho. Penso que ele esperava um agradecimento ou qualquer outra coisa, menos aquilo. Continuo séria, esperando a resposta. As sombras cochicham pra ele mais uma vez e dessa vez ele cochicha de volta antes de falar comigo de novo.

-Com certeza era o mais sábio, mas não seria certo.

-E por que não?

-Você... - Ele olha ao redor e eu olho também, tentando entender o que ele estava dizendo - Você já estava morrendo. Estava ferida, ensanguentada e esgotada. Para ter aparecido aqui, onde ninguém jamais aparece... - Ele se levanta de repente - Bom... Fique a vontade, tem comida lá embaixo, você deve estar faminta.

Meu estômago ronca e eu o amaldiçôo por mais uma vez estar certo. Penso em dizer algo ou simplesmente me despedir e sair o mais rápido possível quando ouço mais um sussurro.

Matteo...

-Matteo? - Acabo pensando em voz alta.

-Sim? - Ele se vira instintivamente para mim e quando percebe que eu obviamente disse seu nome sem nem ao menos ter perguntado, sua surpresa é evidente e dessa vez não passa tão rápido - Como sabe o meu nome?

-Eu só... - Ouço vozes? - Me lembrei. Alguém de vocês deve ter falado enquanto eu dormia.

-Deve ser isso. - ele continua surpreso, claramente nem um pouco convencido - E você é?

-Lucille.

-É um prazer. - Faz uma reverência curta e sai rapidamente, levando toda a escuridão e sombras com ele.

Coloco a mão sobre o coração que está completamente disparado. Minha cabeça gira e eu me sinto confusa. Os sussurros sempre falaram ao pé do meu ouvido, como se realmente fossem vozes da minha mente. Mas dessa vez foi diferente. Eles estavam de frente para mim, estavam junto com o macho que acaba de deixar o quarto.

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