Capítulo 1

O sol aquece minha face quando saio da caverna escura para o dia claro e quente, ele é bem vindo depois da noite fria e mal dormida. Tiro minha faca da bainha presa à minha coxa direita enquanto apuro os ouvidos, tentando escutar se eles já conseguiram me encontrar.

Meses. Tem meses que ouvi falar do fim da guerra contra o rei de Maghdon. Meses que finalmente me vi longe das garras do monstro, bom... Nem tanto. Desde a minha fuga, mais e mais deles continuam vindo, e as últimas bestas conseguiram deixar um estrago bem maior. Coloco a mão na ferida aberta, e de cor estranha, na minha costela. 

Depois de confirmar que estava sozinha, rasgo um pedaço da túnica e amarro forte sobre o machucado. Uma das coisas que aprendi com o rei foi não demonstrar dor, independente de estar quase me matando. Forço meus pés a continuarem andando. Eu não sei para onde vou, apenas caminho, seguindo o estranho puxão que vem de dentro do meu estômago. Venho seguindo ele desde a minha fuga, talvez ele me leve a algum lugar, ou talvez não seja nada, mas sinto esperança de imaginar que possa estar me guiando para longe, por mais que o longe possa ser a morte.

Deduzo que acabo de entrar no Reino do Fogo, pelas folhas nas árvores que agora não são mais tão verdes como as outras que ficaram para trás, elas tem a coloração alaranjada e vermelha. Se a dor na costela, o cansaço e a cede não fosse tanta, eu teria reparado em como aquele lugar é bonito, mas havia poucos metros entre a minha garganta seca e um córrego, e era isso que importava. 

Eu estava desidratada, tem muito tempo desde a última vez que bebi água. Não me arrisco mais a entrar nas cidades depois que a pousada em que eu estava hospedada foi atacada. Eles queriam a mim e pra isso mataram a maioria dos hóspedes. Antes que eu pudesse chegar na beira do córrego meu corpo cede e caio de joelhos no chão duro, a velha dor das costelas se mistura com a nova, enterro minhas mãos na terra e aperto o mais forte possível, evitando uma careta ou um grunhido, respiro fundo antes de me arrastar até a água. O frio em contato com as minhas mãos machucadas traz alívio na mesma hora e eu aproveito para molhar o rosto antes de beber o máximo possível. 

Com cuidado, me sento fingindo não sentir a dor gritante nos meus joelhos, desamarro o pedaço de túnica para verificar o ferimento na costela. Está pior. O corte fundo, que já estaria pelo menos cicatrizando se não fosse o maldito veneno, agora estava babando. Molho o tecido na água e começo a limpar o ferimento, rangendo os dentes a cada contato, depois de alguns minutos, volto a cobrir o machucado. Vagarosamente me levanto e volto a andar.

É quase noite quando me apoio contra uma árvore, sentindo a roupa encharcada e meu corpo muito suado, minhas pernas tremem e tenho dificuldade para me manter de pé. Coloco a mão direita sobre a testa, febre, obviamente o corte infeccionou. Encosto o cabeça no tronco áspero da árvore, fecho os olhos tempo o suficiente para escutar um sussurro perto o bastante do meu ouvido.

Cuidado...

Abro os olhos e me abaixo ao mesmo tempo em que as garras da besta atingem o local onde minha cabeça estava a poucos segundos atrás. Puxo a faca me aproveitando da vantagem de estar de frente para o abdômen da fera e perfuro o mais fundo possível. O sangue escuro cai sobre mim e ela ruge, furiosa. Puxo a faca e rolo para o lado, me levanto e começo a correr o máximo que a dor e o cansaço permitem. 

Ela não está sozinha, elas nunca estão. A segunda besta atinge a lateral do meu corpo e eu sou arremessada no chão. Sufoco um grito quando a dor reverbera por todo o meu corpo. Alcanço a outra faca na bainha da cintura e me levanto para atacar. As duas estão de frente para mim agora, mas eu tenho chance, mesmo que seja pouca, elas têm uma desvantagem, as bestas não pensam. Elas vem juntas e eu desvio com facilidade, rasgando a coxa da fera mais próxima, enquanto ela ruge, eu ataco de novo, dessa vez perfurando suas costas, não perco tempo e pulo para a próxima, rasgando pele, carne e tendão no processo. Eu giro e ataco, abaixo e ataco, me esforçando para fugir das garras e presas, fazendo uma dança letal. Aproveito todas as chances possíveis para feri-las. 

A primeira besta morre com a garganta rasgada. A segunda cai com uma das minhas facas cravadas no olho. E eu caio exausta de costas na grama, respirando fundo e lutando contra a dor que quase me faz estremecer. Me obrigo a ficar de pé quando ouço mais passos e rugidos furiosos vindo da floresta. Não sei quanto dano elas me causaram, há muito sangue em mim e sinto que a qualquer momento a exaustão vai me tomar e então não terei chance. Mas ainda tenho uma carta na manga, guardei uma última gota do meu poder para atravessar, mas para onde ir? A fisgada no meu estômago fica mais forte, querendo marcar presença, e mais uma vez eu ouço o sussurro.

Siga!

Os rugidos estão mais perto agora, em questão de segundos eles me alcançarão. Meu corpo todo treme em antecipação ao esforço que vou ter que fazer. Sabendo que não posso desperdiçar, opto por seguir meus instintos, fecho os olhos e sinto a fisgada, me prendo a ela como se fosse uma linha e atravesso.

Frio. A linha me trouxe para um lugar frio. Um suspiro surpreso me faz abrir os olhos e encontrar o rosto de um macho olhando para mim. Eu não tenho tempo de me defender, correr, ou simplesmente pensar antes do esgotamento vir sobre mim e me levar direto a escuridão.

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