Capítulo 32 — “Alguns verões não aquecem a pele, mas reacendem a alma.”Maeve JhosefMeses haviam passado desde que li a carta.Meses em que algo dentro de mim se reorganizou em silêncio, como a mobília de uma casa que, depois da tempestade, precisa reencontrar seu lugar. Os cantos ainda doíam, as lembranças continuavam a existir — não há como arrancar o amor da carne sem deixar cicatrizes —, mas agora havia também espaço para respirar.E nesse espaço, a vida começou a acontecer de novo.A expansão da Jhosef Industries para Seatlan tomava forma. O projeto que antes era apenas uma ambição no papel agora se erguia como um marco do que fomos capazes de construir, mesmo com as ausências. E talvez por isso, mamãe insistiu que deveríamos comemorar. “É o início de uma nova era”, disse ela, com aquele brilho nos olhos que sempre me fez acreditar que tudo era possível.Planejamos uma festa de verão.Na casa dos meus pais, com vista para o lago e piscina de borda infinita. Um cenário quase cine
Capítulo 33 — “Algumas histórias são escritas na pele para que não se percam no tempo.”Maeve Jhosef A festa havia ganhado vida como a própria estação prometia.O som dos risos misturava-se ao toque suave da música que ecoava do sistema de som da casa. Crianças corriam pelo gramado com os pés molhados, adultos equilibravam taças de vinho como se a alegria fosse frágil demais para ser derramada. Era uma celebração em sua essência mais pura — leve, solar, quase mágica.E mesmo assim, ele continuava ali, à margem.Isaac observava como quem não sabe se pertence ou se apenas foi convidado pela insistência da vida. Seus olhos varriam o cenário com uma distância quase melancólica, como se cada som alto o fizesse se recolher mais um centímetro por dentro.Aproximei-me devagar, com um copo de limonada entre os dedos, tentando não parecer que o observava há minutos demais.—Você vai mesmo passar a festa toda vestido como se fosse o responsável pelo evento? — brinquei, encostando ao lado dele n
Capítulo 34 – “Algumas marcas doem mais quando desaparecem do que quando nascem.”Isaac Aubinngétorix Cicatrizes falam.Não importa o silêncio ao redor ou a quantidade de roupa que você vista para escondê-las — elas sempre encontram um jeito de gritar. Eu apenas escolhi o idioma com que queria que as minhas fossem ouvidas. Tinta. Arte. Dor transformada em traço.Faz meses que comecei o processo de cobertura. Cada sessão era uma conversa entre meu corpo e minha memória. Uma batalha silenciosa entre o que eu perdi e o que ainda precisava construir. A decisão não foi sobre vaidade. Foi sobre poder. Sobre olhar no espelho e ver algo mais do que um passado que me rasgou por dentro e por fora.Na manhã daquela terça-feira, Maeve entrou em minha sala como quem já faz parte. Sem cerimônias, sem perguntas desnecessárias. Trazia uma pasta de relatórios sob o braço e o cabelo preso de forma displicente, como se não quisesse chamar atenção — mas chamava, sempre chamava.—Hoje você sai mais cedo,
Capítulo 35 – “Quanto mais ele se revela, mais difícil se torna lembrar de como era minha vida antes.”Havia algo em Seatlan que me fazia respirar diferente. Como se a cidade me permitisse andar sem o peso do passado nas costas, mesmo que o passado insistisse em caminhar ao meu lado, vestindo camisas escuras e carregando silêncios profundos como os de Isaac.Desde a sessão de tatuagem, algo havia mudado. Não exatamente entre nós, mas dentro de mim. Ver Isaac se despir — não só da camisa, mas de parte do seu mistério — foi como presenciar uma fenda se abrindo numa muralha que eu já acreditava intransponível. E o que vi ali... me tocou de forma que não soube nomear.Ele não gemeu de dor. Não demonstrou incômodo. Apenas fechou os olhos como quem reza — ou talvez como quem se despede — e deixou que a máquina gravasse em sua pele as marcas que ele escolheu carregar. Fiquei ao seu lado, sentindo o zumbido da agulha pulsar dentro do meu peito como se fosse uma extensão do meu coração.Naquel
Capítulo 36 – “Há limites que, uma vez cruzados, não permitem retorno.”Isaac Aubinngétorix A aproximação entre mim e Maeve era como a construção de uma ponte entre dois abismos. Cada palavra trocada, cada silêncio compartilhado, cada olhar sustentado por segundos a mais que o aceitável, cimentava algo que, até então, ambos fingíamos não perceber. Mas fingir cansa. E eu já estava exausto.Os dias em Seatlan seguiram com o ritmo acelerado típico de pré-inauguração. As reuniões se acumulavam, os contratos finais exigiam ajustes minuciosos e, no meio de tudo isso, havia a escolha do CEO da filial.Optamos por um nome de fora. Alguém com experiência internacional, fluente em três idiomas, carismático demais para o meu gosto. E, para piorar, encantado por Maeve desde o primeiro minuto.Mateo Delgado.Jovem, inteligente, com aquele sorriso fácil e o tipo de presença que se impõe sem esforço. Era o candidato ideal, segundo todos os indicadores. Inclusive os de Helena, que praticamente o abr
Capítulo 37 – “Algumas decisões nascem em silêncio, mas transformam tudo ao redor.”Maeve Jhosef O gosto dele ainda estava na minha boca.Era um gosto difícil de descrever. Não era apenas a sensação física do beijo, mas o que ele deixou quando se afastou. Um tremor interno. Uma convulsão emocional que percorreu minhas veias como fogo e, ao mesmo tempo, como alívio. Como se, depois de meses contornando o precipício, finalmente tivéssemos pulado.Isaac me beijou.E eu desejei que aquele beijo não tivesse fim.—Você vai continuar aí, parada, com essa cara de quem viu o próprio orgasmo materializado ou vai me contar o que aconteceu? — Zola perguntou, enquanto colocava os sapatos ao lado da porta do nosso quarto no hotel.Olhei para ela, ainda em silêncio. Não por vergonha. Mas porque eu não conseguia traduzir em palavras o que aquele momento tinha feito comigo.—Você dormiu com ele?! — ela arqueou as sobrancelhas como se tivesse encontrado a resposta por conta própria.—Não. — A resposta
Capítulo 38 – “Há silêncios que gritam mais alto que palavras.”Isaac Aubinngétorix A festa passou como um borrão elegante.A música, os discursos, os sorrisos perfeitamente calculados — tudo foi um espetáculo meticulosamente montado para celebrar o novo. Mas dentro de mim, o passado ainda pulsava. Como uma ferida que insiste em não cicatrizar, mesmo quando coberta por tatuagens e bons ternos.Seatlan foi um sucesso. A filial, um marco. E Maeve… ela era um ponto fixo em meio ao caos, uma âncora em um mar que quase me engoliu.Mas mesmo com tudo dando certo, havia algo errado. Um incômodo que não se dissolvia com o aplauso dos investidores ou o brilho nos olhos dos meus pais quando os vi pela última vez por videochamada. Era como se eu estivesse vivendo duas realidades paralelas: uma, a que todos podiam ver; outra, a que só eu conhecia. A que ninguém poderia conhecer.Ezra.Ele deveria estar aqui.E às vezes, em silêncio, eu me pergunto se ele me culparia por ocupar um lugar que era d
Capítulo 39 – “Há laços que nascem no silêncio, e florescem na confiança.”Isaac Aubinngétorix Algumas semanas podem não parecer muito… Mas quando a vida decide abrandar e permitir que duas almas se encontrem, até os dias comuns se tornam extraordinários.Washington deixava escapar os últimos suspiros do inverno, e a brisa mais morna anunciava uma primavera tímida. Entre reuniões, e-mails e papéis, eu e Maeve encontrávamos pequenas frestas de tempo só nossos. Começou com cafés antes do expediente, depois almoços rápidos e, então, finais de semana com conversas sem pressa, risos baixos e toques suaves que diziam mais que qualquer palavra.**A tarde de sábado chegou com um convite improvável: um almoço na casa dos pais de Maeve. Os Jhosef estavam recebendo os Aubinngétorix para um momento de aproximação — não entre empresas, mas entre famílias. Zola, Kilian e Amanda também estariam. Segundo Maeve, seria “casual”, mas havia uma ansiedade sutil nos seus olhos enquanto arrumava o cabelo