M I A
- De onde és? - Questiono ápice da minha curiosidade, dou mais um gole super drink. - Teu sotaque é fortemente carregado.
Os olhos escuros me estudam por um breve momento, ele está sempre com uma expressão de quem se diverte, essencialmente quando olha para mim. Quase como se eu sempre me encontrasse em situações divertidas, e ele estivesse lá, justamente para se divertir às minhas custas.
- Sou de Sevilha, Espanha. A terra dos homens de sangue quente e da castanhola. - Ele me conta, por um misero instante, os olhos perdem a diversão e ficam opacos.
- Espanha, uau! Adoraria muito visitar as paisagens, ver a vossa cultura, as danças e a gastronomia. Mas diz-me uma coisa, por que saíste de lá? Se vivesse em um lugar paradisíaco como aquele, não sairia de lá por nada.
Meu drink novamente chega ao fim, os pedaços de fruta estão um tantinho salgadas e azedas, talvez porque elas sugaram a maior parte do álcool. Luiz desvia o olhar do meu, se concentra no bartender e pede mais uma dose.
- No creo. Não gosto muito de falar sobre isso. Mas se quiseres saber sobre o que acho da Itália, acho um país bem querido e um povo acolhedor. Apesar de estar aqui há apenas um ano, escolhi este país pelos pontos turísticos. Já conheci muito Veneza, e posso dizer que não me atrai muito. Queria conhecer a Itália, podes ser minha guia turística? - Ele me convida assim na lata, fico zonza com o quão direto ele é.
- Hm... Uau, que direto, tu. - Balbucio. Observo as pessoas a dançar animadas ao ritmo da música, a boate cheíssima e engraçado que o ar parece escasso agora. - Posso. Agora tenho estado um pouco entediada; Será um prazer, Veneza tem muito a ser explorada. Ficarei feliz de te mostrar.
- O que achas de começarmos agora? Visto que não estamos a aproveitar nada da inauguração. - Ele sugere.
Dou de ombros, por que não? Não estamos a aproveitar nada mesmo, nada além da companhia um do outro. Retiro o meu celular da bolsa apenas para certificar do horário, são vinte e três horas e poucos minutos. Chamo o bartender e em seguida pago minha conta, Luiz me imita.
- Isso é um sim? - Ele me questiona.
- Pois é.
Seguimos os dois para saída da boate, o ar frio da noite nos recebe. Luiz enfia ambas mãos nos bolsos, lado a lado atravessamos a estrada e seguimos por um caminho curvo, afim de sair dessa rua. Por se tratar de uma zona tranquila e pouco atrativa, Dorsoduro está com as ruas tranquilas e pouca movimentação. Como sempre.
- Onde vamos? - Luiz pergunta, me oferecendo o seu olhar.
- Que a tal a praça San Marco? É apropriada para turistas que gostam de locais intimistas. Pouco movimentada, com uma atmosfera maravilhosa devido as orquestras dos restaurantes à volta. - Explico, sentindo meu coração aquecer ao lembrar da praça que tia Antonella adorava.
- Sim, pode ser.
Luiz espalma a mão nas minhas costas, talvez por instinto, mesmo que exista o tecido do meu vestido, ainda assim é possível sentir um longo arrepio percorrer meu corpo apenas com o mero toque dele. A mão dele abandona a minhas costas, vamos andando lado a lado enquanto conversamos sobre amenidades.
Ele me encara maravilhado quando passamos pela ruela composta só de um imenso canal, durante o dia há diversos passeios quer seja dos habitantes ou ainda dos turistas, pela noite há um e outro se aventuram a passear no canal.
- O quê? Vais me dizer que estás na Itália e nunca passeaste no canal? - Olho para ele, sem acreditar.
- No. Nunca andei realmente. Não estava entre minha lista de desejos, mas vendo assim de perto. Acho que valeria à pena. Quem sabe possamos andar um dia desses.
- Sim, um dia desses. - Digo com uma pequena risada, que abusado ele. - O melhor seria se fosse à luz do dia, o passeio seria muito mais incrível e proveitoso.
As ruas muito tranquilas, alguns carros ainda circulam, pessoas são escassas mas no entanto ainda estão na rua. Novamente deve ser impulso, sinto os dedos quentes elançarem os meus quando vamos atravessar a estrada. Ergo a sobrancelha para ele, um tanto surpresa.
- Hábito. Ás vezes esqueço que não estamos na cidade que é tudo tão movimentado e com um tráfego rápido. - Ele explica.
Chegamos ao praça de San Marco, existem diversos bancos espalhados pela praça. Escolhemos o que fica na lateral, sento-me com cuidado e observo Luiz fazer o mesmo bem ao meu lado. Somos agraciados pela música da orquestra do restaurante há uma rua daqui.
- Conta-me sobre ti, Mia. - A voz dele corta o ambiente, desvio o olhar da construção elegante da gelataria. O que eu não daria por um gelato agora?
- Ahn? O que queres saber sobre mim?
- Tudo.
Meu olhar encontra o dele, não é como se me sentisse perdida no meio das duas piscinas de carameladas, meu coração reage no mesmo instante, cada pedacinho meu paralisa em antecipação do que virá à seguir.
- Estou com um pouquinho de fome, sabes onde podemos encontrar um lanche barato e delicioso?
- A essa hora, não tem nenhuma cantina aberta. A maioria fecham cedo... - Balbucio.
- Conta-me um pouco sobre ti. Um pequeno resumo. - Ele volta a insistir.
- O que queres saber? Sou uma mulher solteira, independente, trabalho na joalheria com sabes. Vivo com meus pais, nem adianta fazer essa cara, sou muito apegada a eles. Talvez por eu ser filha única. E só. - Digo de uma vez só, encaro-o. - Tua vez.
Luiz parece um tanto hesitante, desvia o olhar por alguns instantes para paisagem em nossa volta, o silêncio se instaura entre nós e com ele o clima tenso. Ele parece estar incomodado com algo, como se a simples menção a ele fosse algo extremamente desagradável.
- Não há nada demais para saber. Sou um imigrante espanhol, estou aqui na Itália há um ano e não tenho planos de voltar. Trabalho na mansão D'Ângelo como motorista e adoro me divertir visitando as paisagens italianas. - Ele volta a falar após algum tempo. - Espero que seja um começo de uma bela amizade.
É minha vez de fugir do seu olhar, encarar a tranquilidade de Dorsoduro pela noite, sem nenhuma resposta aparente, observo o perfil no momento exato em que o vento sopra e afasta os fios do cabelo castanho dele, ele é lindo, eu não deveria sequer cogitar em estar perto dele, sob o risco de me apaixonar.
- Espero o mesmo.
Nós conversamos sobre diversos assuntos, o tempo passa sem nos demos conta, até a música cessa por fim e ambos nos encaramos surpresos. Pelo que eu saiba a maioria desses restaurantes assim com orquestra, fecha pelo menos as duas horas da madrugada.
- São duas e meia. - Ele me conta, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
- Duas e meia?! Não acredito. Jesus... Luiz, preciso ir para casa. Não acredito que ficamos até tão tarde aqui na praça.
Me levanto em sobressalto e ele faz o mesmo, me estico um pouco, meu corpo está um tanto dormente, minha bunda e minhas pernas formigam e protestam querendo que volte a sentar. Até me sinto tentada, mas realmente não dá, ao olhar para o restaurante ao lado é possível ver os funcionários a arrumar os materiais de trabalho.
- Pois ficamos. Eu te acompanho. - Ele propõe, até penso em negar, mas acabo aceitando. Gosto da companhia dele.
- Não que seja preciso, minha casa é perto daqui. Sem que contar que esta é uma zona muito tranquila, quase não há marginais. Mas podemos ir.
- Não te deixaria ir sozinha, por mais tranquila que seja Dorsoduro. Vamos.
Arranjo meu vestido, que subiu um pouquinho, não tinha muito à mostra além dos meus joelhos. Andamos lado a lado outra vez, vamos conversando sobre coisas triviais como as meninas da Ella são adoráveis. Quinze minutos passam sem que nos demos conta, minha casa surge bem em nossa frente.
- Chegamos!
- Tão já? - Luiz pergunta, eu dou de ombros. - Tinhas razão é mesmo perto. Não levamos nem vinte minutos.
Ficamos de frente um para o outro, a luz do luar, nos olhamos sem saber o que dizer ou que fazer. Luiz tem um sorriso a nascer nos lábios, que boca linda ele tem, esses lábios levemente finos me fazem querer imaginar o sabor deles sob os meus.
- Eu te avisei. - Sorrio, sem saber como prosseguir. - Mas enfim, Luiz. Cheguei, obrigada pela companhia e pela noite agradável.
- Digo o mesmo, Mia. Foi uma noite realmente fantástica, espero que possamos repetir o mais breve possível. - Ele diz antes de enfiar ambas mãos nos bolsos. - Vou esperar aqui que entres.
- Não é necessário. - Digo. Ele me olha irredutível. - Está bem. Vou entrar, boa noite.
- Boa noite e bom descanso.
Retiro as chaves da minha bolsa, abro a porta da minha casa e entro. Sorrio para ele ao vê-lo parado na rua, através da janela da sala. As luzes estão apagadas e não ligo nada, apenas vou para o meu quarto, morta de cansaço. Que gentil ele é, gentil e perigoso ao meu coração; Espero que o próximo encontro não demore...
M I A — Quem era aquele homem? Um amigo? – Minha mãe questiona na manhã seguinte, quando me sento à mesa.Estou bastante animada, como o habitual para mais um dia de trabalho. Meus pais estão bem atentos a mim, meu pai ainda mais que minha mãe.— Nada demais, mãe. Era só o motorista da Ella. – Respondo, retirando uma fatia de pão do cesto.— Motorista da Ella a aquela hora? Ainda mais sem o carro? Estranho. – Pai resmunga, fazendo me sorrir enquanto passo a manteiga pelo pão.— É assim, pai. Eu e as meninas da joalheria marcamos de ir a boate juntas, no entanto muita coisa aconteceu e eu acabei sozinha. Encontrei Luiz, o motorista da Ella. Nos divertimos juntos, fomos à praça de San Marco e perdemos a noção do tempo. – Conto, sentindo meu coração se aquecer com as meras recordações.Realmente a noite de ontem foi agradável, tanto que não consigo deixar de pensar nos momentos em passamos juntos pelos próximos dias. Embora meus dias sejam monótonos, não faço outra coisa além de trabalh
M I A Passamos uma adorável tarde juntas, realmente estava a precisar de passar um tempo com a minha melhor amiga e os meus lindos sobrinhos. Me sinto renovada quando saio da mansão da minha amiga, Giancarlo como sempre me ofereceu boleia e eu rejeitei.São um pouco mais de vinte horas, como sempre o clima está favorável, durante o dia fez um pouco de calor, mas no entanto nesta altura ainda não escureceu por completo, tendo em conta que estamos no início do verão. Gosto de sentir a brisa branda que sopra em minha direção e espalha os fios do meu cabelo no ar.O som de uma buzina ecoa ao meu lado, existe um carro preto e de vidros também pretos ao meu lado, meu coração rapidamente gela de medo e obriga os restantes dos membros a seguir o mesmo caminho. Será um sequestro? Provavelmente acabarei morta, minha família não tem um centavo. Fecho os olhos e começo a rezar mentalmente para que alguém apareça, ou que algum milagre Divino se manisfeste, mas tudo que ouço é uma risada. Abro os
L U I Z Me surpreendo por ser ela a tomar a atitude, pois eu tinha planos de beijá-la hoje no final da nossa noite. Apressada ela... O que custava esperar só mais um pouco? Contudo não tenho muito tempo para pensar, apenas enlaço a sua cintura e a trago para mim. Faço o quis fazer desde a primeira vez que lhe vi.Ela me beija com tanta voracidade, e ao mesmo tempo com algum tipo de ternura. O sabor marcante do gelatto dela se mistura ao beijo intenso e me deixa inebriado, os dedos dela passeiam sobre o meu cabelo e eu simplesmente aperto o seu quadril.Os lindos olhos escuros me encaram risonhos depois que nos afastamos, deixo escapar um suspiro. Ambos respiramos ofegantes; Mia sorri ao me encarar, como se ela me desafiasse a dizer que não gostei do beijo ou que não deveria ter acontecido.- Não posso dizer que estou surpreso, afinal sabia querias me beijar. - Digo, provocando seu riso enquanto ela me empurra o ombro. - Não gostei nem um pouco do beijo. Terei de devolver.- O quê? - E
M I A — Bom dia, sejam bem-vindos. Em que posso ser útil? – Digo bem disposta pela manhã, quando um par de homens se aproxima do balcão.Levanto-me e fico de frente para eles, que por sua vez encaram as jóias expostas nas prateleiras de vidro. Passo a mão pelo meu rabo de cavalo, enquanto olho para o homem de meia idade e um rapaz mais jovem, pela semelhança entre ambos arrisco em dizer que são pai e filho.— Bom dia. Estamos à procura de um conjunto de brincos, pulseira, colar e anéis. – O mais velho responde.— Está bem... Tem alguma preferência nas jóias? Tipo rubis, safiras, ouro branco, diamantes, ametistas, cristais, ou ainda as semi jóias. – Explico.— Não temos nada em mente, importa-se de nos mostrar todas as opções? Quem sabe o conjunto perfeito não surja?— Claro, em um instante.Me curvo um pouco para empurrar levemente a portinha de vidro, retiro as bandejas adequadas que contém brincos, dos nais diversos tipos de joias, logo após retiro as pulseiras expostas, mascotes e
L U I Z Mia se acomoda no carro e em seguida põe o cinto de segurança, também faço o mesmo que ela em alguns instantes. Ligo o rádio, procuro a estação que passa músicas internacionais, por algum motivo a música que inicia é a que minha mãe tanto gosta, imediatamente uma onda de saudade me percorre.Ainda que tudo tenha terminado, como terminou, sinto tanta saudades deles, apesar de tudo são a minha família e eu amo todos loucamente. Mas também sinto tanta raiva e mágoa, deles, de mim e dela... Tudo poderia ser sido bem diferente, mas infelizmente não pode ser.Essa música me traz tantas recordações indesejadas, faço menção de trocar, mas olho para Mia e ela parece se divertir com a melodia alegre. Um único olhar a ela e toda minha raiva desaparece, Mia tem uma aura muito especial e cativante, ela me faz até abrir um pequeno sorriso.— O que foi? – Ela pergunta.— Nada. – Ligo o carro, ela ainda não me deu nenhuma direção, pouco me importa conhecer ainda mais Veneza, a coisa que mais
M I A Sinto-me de volta a minha adolescência quando entro em casa na ponta dos pés, receosa por ter ficado até mais tarde do que o previsto com o namorado, no entanto estou tão alegre e contente que me sinto mesmo uma menininha.A casa está mergulhada no mais completo e profundo silêncio, são uma e vinte da madrugada, meus pais provavelmente devem estar a dormir então faço muito esforço para não despertá-los. As lembranças de instantes atrás preenchem minha mente, minha lingerie está toda molhada e meu cabelo com aquele cheiro horrível de mar, mas nem por isso o sorriso não quer abandonar minha cara.A noite foi tão divertida e leve, não sei como não fomos além de ousados e quentes beijos, é visível atração que flui de ambos quando estamos juntos. Abro a porta do meu quarto com calma, ligo a luz e então meu coração para, então voltar a bater com força quando vejo minha mãe na minha cama.— Que susto, mãe! – Levo a mão ao meu coração, tentando acalmar as batidas frenéticas. — Pensei q
M I A Os seus lábios se debruçam sobre os meus, famintos e vorazes, meus dedos correm pela nuca e toco a maciez do seu cabelo. Nos beijamos com tantas saudades, como se tivéssemos passado muito tempo sem nos ver, o que não passa de alguns dias.Sinto as mãos atrevidas a escorregar pelo meu corpo, me deixando entorpecida de paixão e febril de desejo, surpreendo a mim mesma quando lhe afasto colocando minhas mãos em seu peito.Luiz me encara com o cenho franzido, as mãos ainda na minha cintura.- Estamos a ir rápido demais e estamos na via pública. - Digo-lhe antes de sair do colo dele, mas não antes de lhe dar um selinho.Sento-me um tanto ofegante de volta ao meu lugar, arrumo o meu vestido que havia subido demais, me olho no espelho do carro e vejo meu cabelo desalinhado e meu batom borrado. Essa minha imagem não deixa muito para imaginação, qualquer um pode facilmente entender o que estava para acontecer.Um frio se espalha pela minha barriga, que bom que não coro facilmente, ou es
M I A O almoço está divinal, a lasanha foi feita no ponto perfeito, uma última mordida no meu prato preferido, um gole de sumo natural e me sinto no paraíso. Meu estômago está levemente cheio, o almoço foi simplesmente maravilhoso, conversamos sobre diversos assuntos.Mirella se mostra uma mulher cética e divertida, ela é daquele tipo de gente em que elegante até nos mínimos movimentos. Aposto que ela deve ser assim por causa da criação que teve, me aperta o coração quando lembro o sofrimento que tia Antonella passou durante todos esses anos quando tomaram uma de suas gémeas.Nenhuma mãe merece passar por tanto sofrimento. É mesmo muito triste que ela tenha falecido sem ter a chance de conviver com suas filhas e netos. Mas que bom que elas fizeram as pazes com o seu passado, e agora convivem em harmonia tal e qual os irmãos devem conviver.— Não gostarias de conhecer o teu pai, Ella? – questiono, atraindo a atenção da minha amiga. Os olhos azul celeste se fixam em mim, com curiosida