Daniel percorreu cada canto do hospital com olhar febril, mas não encontrou vestígio algum da minha presença. Tomado pelo desespero, acelerou o carro pelas ruas da cidade até nossa casa, onde continuou sua busca incessante. No entanto, o imóvel já se encontrava vazio, com todos os traços da minha existência meticulosamente apagados.Com dedos trêmulos, ligou repetidamente para meu número e enviou mensagem após mensagem, sem jamais suspeitar que eu já o havia bloqueado, cortando definitivamente nosso contato. A raiva e o desespero se fundiam em seu peito enquanto rasgava violentamente os papeis de divórcio, ignorando as chamadas insistentes e mensagens de Amanda que piscavam na tela do celular.— Rafaela, não importa onde você tenha se escondido, eu vou te encontrar! — Gritou ele, sua promessa ecoando pelas paredes da sala agora despida.Enquanto isso, eu já havia encontrado refúgio num litoral distante e acolhedor. Todos os dias, deixava o sol quente banhar minha pele e a brisa do mar
— Rafaela, finalmente te encontrei! Volta para casa comigo! — A voz de Daniel saía rouca e baixa, os olhos vermelhos e inchados denunciavam noites sem dormir. Aquela postura confiante que sempre o caracterizara havia dado lugar a um semblante exausto e abatido. Ele agarrou meu braço com força, como se eu pudesse desaparecer novamente caso ele me soltasse.— Eu só fui para uma reunião. Como você conseguiu sumir daquele jeito do hospital? Foi algo que eu fiz? Te magoei de alguma forma? Ou será que você já não sente mais nada por mim? — Suas palavras escapavam trêmulas, enquanto lutava visivelmente contra a ansiedade que parecia devorá-lo por dentro.Deixei escapar uma risada seca, enquanto uma onda de ironia amarga me invadia o peito. Nem uma palavra sobre suas próprias mentiras, mas a culpa, essa ele despejava em mim, como se eu fosse a grande traidora daquela história.Percebendo meu silêncio cortante, Daniel baixou ainda mais a voz, agora num tom que beirava a súplica: — Rafaela, me
O tempo escorreu entre meus dedos sem que eu notasse, e aquele menino vizinho já havia se transformado em Caio. Desde sua chegada ao apartamento ao lado, meus dias ganharam cores e risadas que há muito não experimentava. Compartilhávamos momentos que pareciam escritos pelo destino, sessões de cinema, jantares improvisados e escapadas de fim de semana, como se fôssemos almas antigas que o universo, por capricho, decidiu reencontrar.A sintonia entre nós floresceu tão naturalmente que, sem alarde, minhas preferências e manias já habitavam os lembretes do celular dele. Durante meus dias de TPM, Caio surgia com uma bebida quente e doce nas mãos, gesto que, por breves segundos, sobrepunha sua silhueta à de Daniel. Mas a verdade que meu coração conhecia era clara. Eles eram águas de rios diferentes. Caio carregava uma doçura quase evidente, jamais elevava a voz mesmo quando o mundo parecia conspirar contra. Ele também já havia me confidenciado que seu coração batia por alguém especial.Quand
Daniel invadiu a sala feito um cavalo desembestado, empurrando Caio com violência e se plantando na minha frente, com os olhos faiscando de ódio.— Você jurou que nunca tinha me traído, mas quem é esse cara então? Eu me matei de procurar por você, e te encontro aqui, morando com outro? Rafaela, cadê sua vergonha na cara? — Sua voz transbordava mágoa e acusação, cada palavra afiada como navalha.Com semblante grave e ignorando a dor que latejava no braço, Caio se posicionou entre nós.— Ela não te deve satisfação nenhuma, e você não tem direito de aparecer assim. Sai da minha casa agora! — Seu olhar cortante não desviou um segundo sequer enquanto encarava Daniel.Cego de raiva, Daniel ergueu o punho e tentou golpear Caio, que num movimento rápido, agarrou seu pulso com firmeza, ambos travados numa disputa silenciosa de forças.— Daniel, acha mesmo que jogar essa acusação de traição na minha cara vai te absolver? Está delirando! Fui enganada por você durante três anos, e em momento algum
Uma semana depois, eu estava trabalhando meio período em um shopping, arrecadando fundos para crianças em um orfanato. Embora temporário, aquele trabalho me proporcionava um sentido de propósito que há muito não sentia.Quem poderia imaginar que, no meio daquela multidão de rostos desconhecidos, seria o de Amanda que surgiria diante de mim.Lá estava ela, a poucos metros de distância, com os olhos inchados e avermelhados, cravados em minha direção. Quando percebeu minha indiferença deliberada, finalmente tomou coragem e se aproximou.— Você realmente desistiu dele? Depois de tudo que ele fez por você... Mesmo após ver o relatório, ainda coloca a culpa nele? Foi ele quem montou aquele documento, peça por peça. Desde que soube da sua doença, cada página que lia o fazia desabar em lágrimas...Continuei fingindo que sua presença era invisível, baixando o olhar e me dedicando com falsa concentração à organização dos itens sobre a mesa.— Olha, Rafaela, Daniel está precisando de você. Só te
Adentrei o apartamento sozinha, me antecipando ao ritmo daquele dia que parecia comum aos olhos alheios. Com gestos meticulosos, arrumei meus pertences, como se cada movimento pudesse apagar um pouco do passado. Na cozinha, mãos ágeis cortavam e preparavam os ingredientes, movimentos que meu corpo já conhecia de cor e salteado. O perfume da comida foi tomando conta dos cômodos quando, enfim, ouvi os passos de Caio chegando.Caio se acomodou à mesa em silêncio, seus olhos fixos em mim enquanto eu dava os últimos retoques no jantar. Lhe servi uma porção generosa de macarrão, nada sofisticado, mas quentinho e aconchegante. Vi quando atacou o prato com fome voraz, cada garfada, um elogio mudo à minha comida.— Fica tranquila, Rafaela. Aquela pessoa que te incomodava não vai mais aparecer na sua vida. — Disse Caio entre uma garfada e outra, com a casualidade de quem comenta a previsão do tempo. Seus olhos buscaram os meus, ansiosos por uma reação, mas encontraram apenas meu silêncio.— Tal
O corredor do hospital rodopiava sob meus passos arrastados, mas a cena no consultório permanecia nítida: Daniel com a palma da mão apoiada na curva suave da barriga de Amanda. E ao saber da minha gravidez logo depois, aquela inclinação exagerada sobre meu ventre como se escutasse segredos que só existiam em sua imaginação.As memórias chegavam em rajadas. Cada fragmento cortava mais fundo. Eu sempre soube de seu amor por crianças, e por um tempo acreditei piamente nos sentimentos que dizia ter por mim. Agora via claro. Todo aquele afeto não passava de encenação cuidadosamente coreografada.Pelos corredores, os sussurros das enfermeiras ecoavam como zumbidos:— É raro ver alguém que reserve todo o setor de obstetrícia pela esposa.— E não só isso, ele ainda contratou doze cuidadores especializados para cuidar dela 24 horas por dia.— Você nem imaginava... Quando soube do aborto, ele desabou no chão do centro cirúrgico como criança perdida.Se não tivesse testemunhado pessoalmente aque
Eu estava prestes a falar quando a porta do quarto se abriu de repente. Da porta adentrou Amanda, que trazia nas mãos um buquê de rosas vermelhas e uma caixa de vitaminas, caminhando com aquela ginga característica.— Sr. Cardoso, Sra. Cardoso, peço desculpas pela hora imprópria. A equipe inteira mandou lembranças e eu me ofereci para representar. — Disse ela, com uma voz doce.Já fazia três anos que Amanda estava sob a liderança de Daniel, e ele não poupava elogios calorosos à sua competência. Com seu porte esguio, Amanda possuía não apenas uma inteligência aguçada, mas também um dom extraordinário para decifrar as entrelinhas dos gestos e intenções alheias. Um montão de parcerias importantes da empresa só aconteceram por causa dela. Daniel sempre teve um olhar especial para aqueles que traziam resultados para o negócio. E eu, como os outros, também me dava bem nesse sistema.Assim que Amanda terminou de falar, Daniel respondeu com um aceno seco, mas os olhos dele continuavam colados