Amor Termina Aqui, Liberdade Começa Agora
Amor Termina Aqui, Liberdade Começa Agora
Por: Lara Vasconcelos
Capitulo 1
O corredor do hospital rodopiava sob meus passos arrastados, mas a cena no consultório permanecia nítida: Daniel com a palma da mão apoiada na curva suave da barriga de Amanda. E ao saber da minha gravidez logo depois, aquela inclinação exagerada sobre meu ventre como se escutasse segredos que só existiam em sua imaginação.

As memórias chegavam em rajadas. Cada fragmento cortava mais fundo. Eu sempre soube de seu amor por crianças, e por um tempo acreditei piamente nos sentimentos que dizia ter por mim. Agora via claro. Todo aquele afeto não passava de encenação cuidadosamente coreografada.

Pelos corredores, os sussurros das enfermeiras ecoavam como zumbidos:

— É raro ver alguém que reserve todo o setor de obstetrícia pela esposa.

— E não só isso, ele ainda contratou doze cuidadores especializados para cuidar dela 24 horas por dia.

— Você nem imaginava... Quando soube do aborto, ele desabou no chão do centro cirúrgico como criança perdida.

Se não tivesse testemunhado pessoalmente aquela cena no consultório médico, talvez eu ainda estivesse envolta na névoa de um suposto amor e convencida de ter me casado com o homem certo. Mas a realidade rompeu o véu com precisão cirúrgica, despedaçando todas as minhas ilusões.

Ao me aproximar da porta do quarto hospitalar, fui surpreendida por uma chuva de frutas que voava de dentro do aposento, se espatifando contra o chão frio e branco, rolando em todas as direções, deixando um rastro de sumo e caos pelo corredor.

— Vocês não dão conta nem de cuidar direito de uma pessoa, é? É para isso que pago seus salários? Bando de incompetentes!

Era a segunda vez que eu presenciava Daniel perder a paciência por minha causa. A primeira havia sido naquela noite de febre que parecia não ceder, quando ele, transtornado, quase avançou contra os médicos, jurando pelos santos que poria abaixo o hospital inteiro se meu estado não melhorasse logo. Naqueles momentos, ele andava de cá para lá como uma fera enjaulada, tão consumido pela preocupação que sequer notava as manchas que maculavam seu terno impecável. Agora, porém, a mesma cena de desespero reverberava em mim como um eco distante, sem conseguir mais tocar as cordas do meu coração já desgastado.

— Daniel, eu acabei de ir ao banheiro. — Falei num tom seco.

Ele se virou rápido e veio me ajudar a voltar para cama, quase tropeçando na pressa.

— Rafaela, por que você não me avisou antes de sair assim? Quase morri do coração, pensei que algo tivesse acontecido com você...

— Estava cansada de ficar esticada na cama o dia todo. Precisava esticar as pernas. — Respondi na mesma frieza, soltando minha mão do aperto dele sem cerimônia.

Ignorando completamente minha reação diferente do normal, Daniel acionou as enfermeiras para começar o soro na hora.

— Eu já estou bem, não quero mais acesso venoso. — Revirei os olhos, lembrando da conversa que ele teve com o médico. Por instinto, rejeitei qualquer cuidado que ele me oferecesse.

Antes ele fazia tudo do meu jeito. Agora estava me empurrando justamente o que eu não queria.

— Precisa repor os nutrientes, amor. Assim você fica forte, a gente pode tentar outro bebê. — Ele insistiu, mordendo a isca certa.

Foi então que percebi que ele sabia exatamente o quanto um filho significava para mim.

Num rompante, arranquei o braço dele e dei um chute com o pé pra afastá-lo da maca.

— Eu já disse que não quero! É simples assim! Cadê sua dificuldade pra entender?

Daniel deu um passo pra trás, quase caindo. Na mesma hora, a expressão dele mudou. Aquele jeito dócil evaporou feito álcool.

Me joguei de lado na cama, puxei o lençol até cobrir a cara. Achei que recusando o tratamento ia escapar daquela sina. Mas não contei com o corpo traía. Desmaiei como uma boneca de pano, mergulhando num abismo sem fim.

Três dias depois, abri os olhos com um peso no peito que nem enxurrada de temporal. Mesmo relutante, levantei a blusa do pijama. A cicatriz vermelha e recente no abdômen escancarou a verdade, me deixando dura como uma estátua, encarando o teto do hospital.

Daniel entrou no quarto e, vendo que eu estava acordada, ajustou cuidadosamente o cobertor em volta de mim.

— Naquele dia em que você desmaiou, os médicos descobriram um carcinoma coriônico. Para salvar sua vida, tiveram que tirar seu útero. — Ele falou, me entregando o relatório assinado.

Se não tivesse ouvido a conversa dele com o médico, talvez até caísse de novo nessas mentiras. Meus dedos percorriam suavemente o formato da cicatriz por baixo da blusa. Aquela cirurgia não só levou meu útero como se tivesse arrancado meu coração do peito. Tudo aquilo, consequência da traição do Daniel, fez nascer em mim um ódio profundo por ele.

Com um olhar cheio de pena, Daniel enxugou as lágrimas que teimavam em cair dos meus olhos e disse com voz suave:

— Rafaela, eu sei como você ama crianças. A gente ainda tem tempo. Quando você se recuperar, vamos adotar um filho juntos!
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