Theo
Eu sabia que ela estaria nessa universidade, mas vê-la depois de meses, e ainda por cima tão mudada, fez com que eu perdesse a noção de tudo.
Aconteceram tantas coisas nos últimos três anos que tudo virou de cabeça para baixo. Minha vida estava uma confusão, claro que nada justificava a forma como tratei Marina. Mas eu era um adolescente imaturo e facilmente influenciável.
Meu pai vivia na minha cola, pressionando-me para ser alguém, que eu tinha que ter mais responsabilidade e estava na hora de virar homem, decidir o rumo da minha vida. Pode ser besteira para alguns, mas naquele momento foi como explodir minha mente. Acovardei-me, acabei procurando refúgio onde era mais seguro e fui engolido pela arrogância da minha irmã. Ela controlou meus sentimentos e atitudes. Eu sei que que fui um idiota, verdadeiro babaca, magoei a pessoa que sempre me aceitou como eu era. Acabei gastando tempo demais com quem não merecia.
Agora não sabia como fazer para recuperar a amizade dela.
Marina estava linda como sempre. Fiquei louco quando a vi sentada no fundo da sala, aqueles olhos verdes que pareciam enxergar minha alma demonstravam claramente seu espanto e angústia ao me ver. Eu a entendi, mas não podia nem falar um “oi”? Ok, Theo! O que você estava esperando? Uma recepção calorosa, cheia de abraços e beijos? Claro que não!
Tudo o que eu disse para ela, todos os nossos os planos, todos os nossos sonhos, as promessas que fiz... Joguei tudo fora, como se não importasse nada. Fui um covarde, idiota.
Ela estava mudada, aquilo era fato. Mudou o visual e até seus atos estavam distintos da Mari que eu conhecia. Contudo, eu já a amava com aqueles óculos enormes e sorriso tímido.
Agora a única coisa que podia ver era o cinismo em seu olhar que antes só tinha amor.
O que poderia fazer para mudar isso?
Eu nunca cogitei passar minha vida sem a Marina, nem que fosse para ela me odiar eu conseguiria lidar. Mas indiferença era o pior de tudo.
Cheguei ao apartamento que estava dividindo com quatro amigos, era bem simples: sala, cozinha, dois quartos e um banheiro. Foi o que consegui pagar. Jurei para mim mesmo nunca mais depender do meu pai. Fiquei completamente diferente do garoto que era por causa de dinheiro e status. Acabei machucando a pessoa mais importante da minha vida.
Os caras já estavam em casa, que estava uma bagunça: roupas espalhadas para todo lado, caixas de pizza na mesa de centro, latas de cervejas pelos cantos, meias, cuecas... enfim, uma zorra total.
Mudei-me desde que as aulas do ensino médio terminaram por causa de uma briga que tive com meu pai. Ele queria que me tornasse uma cópia dele e não era isso que eu planejava para a minha vida. Então, saí de casa e fui tentar a sorte.
Já estava bem familiarizado com essa galera. Cadu e o Enzo foram os primeiros amigos que fiz assim que cheguei, eles já moravam no apartamento.
O Raul e o Guilherme chegaram depois. Apesar de conviver com os dois diariamente, não tínhamos uma amizade legal como eu tinha com os outros.
Cumprimentei-os e fui direto para o meu quarto aproveitar a solidão momentânea. Depois que aqueles otários entrassem já não teria paz. Deitei na minha cama e analisei meus últimos três anos.
Desde a merda do dia que caí na onda da minha irmã de zoar com a Mari, nunca mais tive coragem de chegar perto dela de novo, fiquei envergonhado. Eu admito que foi ridículo, quis ser legal com aquele novo grupo. Era um garoto, queria aproveitar a vida e sair com as meninas. E pressionado a entrar na onda, fui cruel com a pessoa que mais amei e sempre me amou incondicionalmente.
Foi o pior erro da minha vida, como eu senti falta dela! Pode estar sendo chato eu ficar falando sobre isso o tempo todo, mas a dor que causei em Marina me machucava demais e preciso deixar claro o quanto me arrependo!
E agora corria o risco dela nunca mais querer falar comigo.
Um barulho na porta me chamou a atenção. Cadu estava de pé me olhando com uma expressão zombeteira no rosto. Ele era alto, cabelo castanho espetado e totalmente idiota.
— Que merda de cara fodida é essa? Foi tão ruim o primeiro dia assim? — Arqueou uma sobrancelha, divertido.
Eu devia estar uma merda mesmo.
— Você nem imagina, brother. Mas vou levando... Hoje tem expediente na oficina, né?
Cadu torceu a boca e entrou no quarto, sentando na beirada da sua cama do outro lado do cômodo.
— Tem sim, e fiquei sabendo que o bicho tá pegando. Enzo já foi. Disse que ia passar na casa de uma gatinha antes. Sabe como ele é, né? Não resiste a um rabo de saia.
Nós rimos juntos com a menção do ponto fraco do nosso amigo. O cara era simplesmente o maior galinha que eu havia conhecido.
— Sei... Beleza, vou tomar um banho e já fico pronto.
— Sem pressa, irmão. Temos um tempinho. — Cadu se jogou na cama com os braços esticados para cima. Fui até o armário e peguei meu uniforme.
Tudo bem que iria me sujar todo de graxa, mas estava cansado demais. O reencontro com a Marina não foi como o esperado. Podia parecer certa presunção achar que ela correria novamente para os meus braços depois desse tempo. Contudo, em minha defesa, nosso amor foi lindo e sincero. Até eu estragar tudo.
Porra, quantas vezes uma pessoa pode errar na vida? Parecia que eu estava sempre metido em encrencas. Primeiro a mala da Tatiana me botou numa puta enrascada. E agora precisava enfrentar as consequências das minhas escolhas.
Entrei debaixo do chuveiro e tomei um banho frio e rápido. Seria um dia de trabalho bem cansativo. Já previa tensão em minhas próximas semanas. Saí rapidamente do banheiro já vestido com o macacão azul da oficina. No quarto, Cadu também estava pronto. Caminhamos para o lado de fora, o restante dos caras estavam enfurnados em seus quartos e nem demos ao trabalho de nos despedirmos. Eles até eram legais, mas meios estranhos, não sabia explicar muito bem. Quando eu não confiava em alguém logo de cara, alguma coisa tinha.
Como previsto, a oficina estava abarrotada de serviço e eu não conseguia fixar minha atenção em nada que estava fazendo. No meio de uma troca de óleo, me distraí e acabei derramando quase a lata inteira pelo motor. Enzo se aproximou com uma nova e me entregou.
— Tô sentindo cheiro de rabo de saia no ar.
— Hum, não sou como você, cara. Nem tudo tem a ver com mulheres — desdenhei sem olhar para seu rosto. Enzo tinha chegado antes de nós e adiantado seu serviço, por isso podia ficar ao redor perturbando a paz alheia.
Putz, acho que nunca menti tanto na minha vida, tinha virado um costume chato desde que comecei a “esconder” meu passado. Na verdade, eu era exatamente como o Enzo. Só com um diferencial, apenas uma mulher conseguia me colocar com a cabeça virada. No caso do meu amigo, qualquer gostosa o punha de quatro e babando.
— Rá, seu hipócrita. Pela minha experiência, sei quando uma mulher mexe com um cara. E eu não sou o insensível que vocês brothers acham. Minhas meninas são muito bem tratadas e nunca tiveram o que reclamar.
— Sei, desculpa. É muito complicado. Vim com uma perspectiva e acabei tendo uma recepção totalmente contrária. Acho que fui com muita sede ao pote. Posso ter estragado tudo no passado, mas me fazer de arrogante e insensível não vai me adiantar em nada.
— Verdade, vai ter que pegar leve. Ainda mais se foi você quem deu mancada. E alguma coisa me diz que tu fizeste uma merda bem grande.
Observei o óleo escorrendo no funil e pensei em tudo que aprontei e já havia decidido que tinha feito merda. Mas abrangendo todo o nosso relacionamento e o que rolou depois, a porcaria era realmente astronômica!
— Você nem imagina...
Enzo ficou ali por mais algum tempo e depois voltou ao trabalho. Finalizei mais umas seis trocas de óleo e passei para a próxima função. Trocar pneus gastos.
Eu confesso que trabalhar todo sujo de graxa não era a minha primeira opção de carreira. Não foi nada como eu imaginava passar o período de faculdade, porém, às vezes, a vida nos impõe certas situações as quais não se pode fugir. Eu tive uma escolha a fazer: ou me jogava de cabeça ao que eu realmente queria. Ou virava uma marionete.
Obviamente não nasci para ser mandado. Então minha opção foi trabalhar para me sustentar e a oficina era um emprego digno e que me dava a oportunidade de crescer como pessoa. Após três meses trabalhando ali e vivendo por minha conta, eu tinha amadurecido uns bons anos à frente. Antes era um moleque, filhinho de papai, que foi capaz de magoar a única pessoa que não merecia.
O expediente foi muito cansativo. Despedi-me dos caras que ainda não haviam terminado suas funções e fui caminhando devagar para casa. No meio do caminho, meu celular vibrou e tinha uma mensagem da minha irmã. Como estava fazendo há algum tempo apertei logo o delete. Sentia falta dela, mas não queria estragar meus planos com Marina trazendo à tona uma das causas de todo o seu sofrimento na escola.
O final de tarde estava lindo e prometia uma noite bem estrelada. Lembrei então como costumava passar dias como este ao lado da minha amada. Sempre tímida, Marina demorou a se soltar comigo. Mas como fui insistente e persuasivo era um dos únicos que a conhecia interiormente. Vencida pelo cansaço, percebi exatamente quando ela começou a se apaixonar.
E acabei estragando tudo.
Até quando eu iria me lamentar?
Até quando teria que esperar? O quanto ela me faria sofrer?
Acho que muito não seria o bastante. Fui um idiota completo em desprezá-la e deixar escapar uma garota como ela.
Agora, só me restava esperar. E era o que iria fazer, não desistiria de ter a minha menina de volta.
MarinaMeu apartamento era pequeno, bem próximo ao campus, na sala tinha um sofá de três lugares, uma mesinha de centro, uma estante com meus livros favoritos e uma televisão de plasma. Cozinha americana pequena, com um armário e um fogão no cantinho. Dois quartos e um banheiro. Resolvi não dividir com ninguém, achava que para o meu estado de espírito era melhor morar sozinha mesmo.Quando pisei na sala, depois de uma tarde inteira resolvendo algumas coisas importantes da faculdade, notei algumas coisas fora do lugar. Espera aí. Tinha uma mala em cima do sofá? Olhando em volta, notei mais algumas coisas estranhas, na cozinha tinha panelas e pratos dispersos, como se alguém tivesse feito uma refeição.Peguei o guarda-chuva que deixava ao lado da porta e me armei pronta para atacar o invasor. Andei o mais silenciosamente possível no corredor que le
TheoEsse foi o dia mais feliz, de meus últimos três anos. Apesar de ter sido totalmente forçada, a proximidade com a Marina me deixou animado. Fazia muito tempo que não tinha uma conversa com ela. E como sentia falta disso. Já estava me preparando para sair, quando a vi conversando com o Lipe. O cara estava jogando charme e sorrindo, acariciou o rosto dela com as pontas dos dedos, fazendo-a rir.Eu fui andando para a porta e esbarrei nele, por querer mesmo. Se viesse tirar satisfação, que se danasse. Ela era minha, porra! Eu não ia abrir mão e deixar qualquer babaca entrar em meu caminho. O direito de colocar um sorriso em seu rosto, ou fazê-la feliz, era exclusivamente meu.Fui direto para a próxima aula, mas sentei longe, não estava no humor de aguentar ele dando em cima dela. A aula passou muito rápido, graças a Deus. Porque se eu o visse tocando-a d
Marina— Caramba, o Edu tá demorando!Ótimo, estava falando sozinha agora, devia estar parecendo louca no meio do pátio reclamando igual a uma velha. Acho até que resmunguei quando um carinha passou do meu lado e sorriu para mim.Mas, por favor, me dê um desconto, meu dia havia sido péssimo. Bem, não era verdade, foi legal até a hora do almoço. Aquela safada da Carol, dando em cima do Theo, deixou-me com os nervos à flor da pele. O engraçado foi que ele a rejeitou, por gostar de alguém, segundo o que ela nos contou. Só gostaria de saber quem era...Estava com ciúmes, eu sei. E me odiei por isso. Mas o que podia fazer? Ele era meu amigo, desde sempre, e agora estava apaixonado.Nossa, mas o que o Edu estava fazendo? Será que alguém o sequestrou? Eu só queria banho e cama. Já eram cinco horas da tarde, estav
TheoMerda!Será que podia dar tudo tão errado? A música que coloquei para ela na terça tinha surtido um efeito surpreendente. Vi em seus olhos o quanto ficou mexida e tive esperanças de que as coisas mudassem.Mas quando viu a Carol dando em cima de mim, o dia que podia ser bom foi por água abaixo. Agora Mari estava sentada na aula de Direitos Humanos com a cara fechada, me fuzilando toda vez que olhava para o meu lado. O pior que tinha uma garota — que eu nem sabia o nome — se inclinando para mim, com os seios quase saindo do decote.Ótimo, perfeito. Só me faltava essa.Eu decidi dar um tempo, porque afinal eu não podia fazer nada por ela. Na verdade, eu nem sabia por que estava tão chateada. Nós não tínhamos coisa alguma e aquele idiota do Felipe não parava de tocar e falar em seu ouvido.— Nós vamos fal
MarinaTheo me olhou e sorriu, todas as vezes que isso acontecia fazia minhas pernas virarem gelatina. Ele escondia alguma coisa, suas mãos estavam para trás e seu rosto ficou vermelho como um pimentão. Aproximou-se e me deu um beijo no rosto.— Bom dia, Mari. — Corou ainda mais, como se fosse possível.— Oi, Theo. O que você tem aí atrás?Abaixou a cabeça e começou a fazer círculos no chão com o tênis. Eu tive que rir, nunca o vi tão envergonhado. Nós éramos amigos há dois anos e ele sempre foi extrovertido. O que aconteceu para ficar assim?— É... é um presente. Não ria, ok?Eu assenti e ele me estendeu uma caixinha, num papel de presente todo amassado. Dentro da caixa havia um colar de couro com um pingente de madei
TheoNão entendia a Marina! Sério! Se estava com tanta raiva da Carol dar em cima de mim, por que dava bola para aquele idiota? Meu amigo, se olhar matasse, eu estaria durinho no chão. O Lipe atacou assim que viu uma brecha, só não teve muita sorte, mesmo percebendo que ela queria me provocar, minha ruivinha o dispensou e saiu sozinha.Agora a Carol não parava de tagarelar na cabeça da Marina. Eu juro, tinha fumaça saindo dos ouvidos dela.O professor entrou e todo mundo ficou em silêncio.— Pega aí, irmão. — Um garoto me estendeu um papelzinho.Eu abri e era do Enzo. Ele dizia o seguinte:“Cara, a Carol tá espalhando pra todo mundo que dormiu com você.”Eu olhei para ele com os olhos arregalados, que acenou confirmando. Aí me toquei, era por isso que a Marina estava
MarinaFumegante!Era como estava me sentindo. Quase não cabia em mim de tanta raiva. A última aula passou como um flash. Não vi nada, não ouvi nada. Tudo era uma droga! Estava doida que chegasse a aula de natação, para poder extravasar toda aquela merda. Não sei se fui grosseira com Lipe, mas já não aguentava escutar nada de ninguém. A Carol continuou me perturbando em todas outras aulas. Já estava perdendo a paciência, enfim a tortura terminou.Esperei Cibele no final da aula, íamos almoçar juntas e, em seguida, iríamos para a piscina. Chegamos a uma lanchonete ao lado da faculdade. Sentamos e fizemos nossos pedidos. Ela estava me olhando estranho, desde a hora que Carol soltou aquela bomba no meu colo.— Ok, chega disso, Ci. Fala logo!— Você sabe que a Carol pode estar mentindo, né?&mdas
TheoEla estava olhando para mim muito séria e chateada. Eu entendia o porquê. Se fosse o contrário não daria nem tempo, já começaria a gritar querendo explicações. Mas não pude deixar de notar seu interesse ao avaliar todo o meu corpo assim que me viu. E nem consegui segurar um sorriso que veio com a constatação de que Marina não era imune a mim.— O que você quer? Não tenho tempo pra conversar, meu treino é daqui a pouco — falou num fôlego só, sem pausa para respirar.— Eu sei por que você está assim e queria me explicar.— Não sei do que você está falando.Era ótima em desconversar. Marina não gostava de admitir o que a magoava, devia ser um mecanismo de autopreservação que adquiriu com o passar dos anos devido ao bullying qu