Theo
Merda!
Será que podia dar tudo tão errado? A música que coloquei para ela na terça tinha surtido um efeito surpreendente. Vi em seus olhos o quanto ficou mexida e tive esperanças de que as coisas mudassem.
Mas quando viu a Carol dando em cima de mim, o dia que podia ser bom foi por água abaixo. Agora Mari estava sentada na aula de Direitos Humanos com a cara fechada, me fuzilando toda vez que olhava para o meu lado. O pior que tinha uma garota — que eu nem sabia o nome — se inclinando para mim, com os seios quase saindo do decote.
Ótimo, perfeito. Só me faltava essa.
Eu decidi dar um tempo, porque afinal eu não podia fazer nada por ela. Na verdade, eu nem sabia por que estava tão chateada. Nós não tínhamos coisa alguma e aquele idiota do Felipe não parava de tocar e falar em seu ouvido.
— Nós vamos falar hoje de escravidão no Terceiro Milênio — começou a explicar o professor. — Em 14 de agosto, a Justiça dos Estados Unidos condenou a seis anos e meio de prisão e com indenização de US$ 110 mil, o engenheiro brasileiro René Bonetti, naturalizado americano, acusado de manter por vinte anos a empregada doméstica Hilda Rosa dos Santos como sua escrava. Então, pessoal, a questão é a seguinte: continua tendo sentido falar de escravidão neste início do Terceiro Milênio? Para muitos sociólogos, a resposta seria não. Porém, numa maior definição (escravidão como condição em que o trabalhador não recebe remuneração e sua vida é totalmente controlada por outros) é comum, como também está crescendo. O que nos faz pensar no que pode ser feito pra mudar essa situação. — Ele pegou um retroprojetor, começou a passar algumas fotos de trabalhos considerados escravos, por serem tão mal remunerados.
Olhei em direção a Mari, ela estava concentrada no que era dito na aula. Claro, sempre fora fascinada em questões humanitárias.
— Eu quero que vocês pesquisem sobre vários tipos de trabalho escravo, tragam na próxima aula com estatísticas e fotos.
— Professor, vai ser trabalho individual ou duplo? — questionou Marina.
Antes que o professor pudesse responder, Enzo levantou a mão e disse:
— A merreca de salário que ganho na oficina é trabalho escravo com certeza. Posso tirar foto do local e trazer como parte do trabalho? O Sr. Silva vai ficar famoso!
— É trabalho individual, Marina. E não vá arrumar jeito de ser demitido, menino — brincou o professor apontando para o Enzo.
A turma toda riu e começou um burburinho de gozações e logo o professor colocou moral.
Enzo estava certo, realmente tínhamos muito trabalho e pouco dinheiro, porém essa era a realidade de muitas pessoas no país.
Uma hora depois, a aula terminou e todos se levantaram para sair. Marina estava ao lado de Lipe, que tinha o braço em volta do seu ombro. Aquilo me tirou do sério, eu queria ir lá e tirá-la fora de seus braços. Gritar ao mundo que ela era minha.
Droga!
Eu era uma confusão dos infernos. Recolhi tudo e saí da sala sem olhar pra trás.
***
Encontrei o Cadu e Enzo me esperando do lado de fora. O trabalho na oficina era cansativo, mas ajudava a pagar as contas. Nos dias que tínhamos aula integral, trabalhávamos à noite para pagar o horário em que estávamos estudando. Eu não reclamava disso, era uma maneira de fugir da solidão que, às vezes, me assolava. Porém, eles não paravam de tagarelar o que estava me estressando muito.
No caminho todo tive que ouvir lamentos dos meus amigos, graças a Deus chegamos rapidamente e dei de cara com o bebê que tinha para cuidar.
Essa era minha outra paixão: carros. Tinha uma BMW X6 White de um ricaço para dar uma manutenção geral. As rodas eram cromadas aro 22. Um verdadeiro sonho de consumo. Por dentro era toda em couro legítimo branco e preto, o painel de última geração, totalmente informatizado.
Deixei a mochila no armário e troquei de roupa, estava louco para colocar as mãos naquela belezura toda. Aproximei-me do carro, pronto para o trabalho.
Abri o capô, para dar uma olhada no motor. Caramba, aquilo sim era um motor, 4.4 V8 twin turbo, capaz de gerar 407 cavalos de potência e torque de 61,22 kgfm. Essa belezinha ia de zero a 100 km/h em 5,4 segundos. Um sonho de carro.
Trabalhei nele pelo que pareceram horas, com muito cuidado e afinco. Na verdade, gostava de dar atenção a tudo que me dispunha a fazer. O tempo passou rapidamente, fechei o carro e recolhi minhas coisas. Decidi não trocar de roupa, em casa tomaria um banho relaxante e cairia na cama.
Já na hora de sair, meu celular vibrou com uma mensagem de texto. Era da minha irmã Tatiana. Fazia meses que eu não falava com ela. Não li e apaguei. Fui a pé para casa, estava uma noite agradável, nem quente ou fria. Boa para caminhar... Quando cheguei, nossa sala parecia o pandemônio. Os caras levaram o Xbox e estavam fazendo uma competição. Sorri e me aproximei:
— Sou o próximo, se preparem para perder as cuecas. — Fui em direção ao banheiro e levei um monte de vaias e meias sujas jogadas na cabeça.
De banho tomado voltei e esperei minha vez. Eles estavam jogando Battlefield, um jogo militar com muita estratégia. Eu era bom nisso. Já estava acabando com a raça do Raul quando a campainha tocou. Nem desgrudei os olhos do massacre que estava fazendo do meu companheiro.
Cadu foi atender, só então olhei de esguelha, entrou a Carol e mais algumas meninas que eu não conhecia. Ela veio até mim, me deu um beijo na bochecha e sussurrou no meu ouvido:
— Eu quero falar contigo, pode ser?
Balancei a cabeça e finalizei o jogo. Levantei e fui à cozinha atrás dela. Meus amigos começaram a assoviar e vaiar, mas eu nem liguei, só queria saber o que a garota queria. De súbito, voltou-se pra mim e agarrou meu pescoço, tomando minha boca num beijo atrapalhado. Tentei ao máximo me soltar, mas, cara, a garota parecia um polvo. Tinha muitas mãos por ali. Então eu senti um cheiro de álcool. Ótimo, a menina tinha bebido e estava querendo aprontar, mas, infelizmente para ela, eu não estava disposto.
Finalmente consegui me soltar e dei um passo atrás franzindo a testa.
— Carol, o que foi isso? — Suspirei. — Eu já te disse, eu quero outra garota.
— Eu sei, é a Marina, né? Mas ela não quer nada com você, Theo. Eu quero! — disse enrolando as palavras e tropeçando em seus pés.
— Não te interessa quem é. Não quero você e ponto-final e você tá bêbada. — Eu sei que foi meio áspero da minha parte, mas tinha que deixar claro para ela que eu estava fora.
Se fosse outros tempos nem pensaria duas vezes. Mas foi por essas e outras que me tornei tão filho da puta no ensino médio, não ia repetir essa merda de novo.
Olhei para ela e disse com os dentes cerrados:
— Carol, vai para casa e cura essa bebedeira. Eu tô indo dormir. — Virei as costas e saí dali antes que a garota-polvo agisse outra vez.
Ela ainda tentou articular algumas palavras, mas nem liguei. Passei pelos caras na sala e parti para o meu quarto. Bati a porta e deitei na cama. Não gostava de ser atacado assim, era uma merda não ter controle. Já fui muito manipulado na vida, não seria mais assim.
Cadu entrou logo atrás, olhei para cima e ele estava parado ao lado da cama com as mãos na cintura. Balançou a cabeça e sorriu.
— Cara, que merda foi aquela na cozinha? A garota te atacou sem mais nem menos.
Bufei, chateado.
— Nem me fale, brother. Odeio esse tipo de atitude.
— É só por isso que não gostou do que a mina fez? Ou por que tá gamado numa certa ruivinha emburrada?
Fiz uma careta para ele, que caiu na gargalhada. Respirei fundo e me sentei.
— Eu não consigo tirá-la da cabeça. E o foda é que não posso chegar chegando, tenho que ir devagar. Porém, nesse “devagar” tem gavião rondando. Tive impulsos de socar a cara daquele mauricinho.
Cadu balançou a cabeça e sentou-se ao meu lado.
— Velho, tenho que te dizer... tu é um mané. Não tem esse lance de ir devagar, se você gosta da garota que se dane o passado. Tem que conquistá-la agora. Essa é sua chance de fazer tudo certo. Não deixe fantasmas do passado atrapalhar o que sente. E quanto ao mauricinho, não dá espaço; ele é todo quietinho, mas tem suas estratégias.
Fiquei observando o meu amigo e percebi que estava dizendo o correto, não iria ficar me lamentando e ficar pisando em ovos com a Marina. Partiria logo para o ataque e tudo que se explodisse.
Eu a teria de volta.
MarinaTheo me olhou e sorriu, todas as vezes que isso acontecia fazia minhas pernas virarem gelatina. Ele escondia alguma coisa, suas mãos estavam para trás e seu rosto ficou vermelho como um pimentão. Aproximou-se e me deu um beijo no rosto.— Bom dia, Mari. — Corou ainda mais, como se fosse possível.— Oi, Theo. O que você tem aí atrás?Abaixou a cabeça e começou a fazer círculos no chão com o tênis. Eu tive que rir, nunca o vi tão envergonhado. Nós éramos amigos há dois anos e ele sempre foi extrovertido. O que aconteceu para ficar assim?— É... é um presente. Não ria, ok?Eu assenti e ele me estendeu uma caixinha, num papel de presente todo amassado. Dentro da caixa havia um colar de couro com um pingente de madei
TheoNão entendia a Marina! Sério! Se estava com tanta raiva da Carol dar em cima de mim, por que dava bola para aquele idiota? Meu amigo, se olhar matasse, eu estaria durinho no chão. O Lipe atacou assim que viu uma brecha, só não teve muita sorte, mesmo percebendo que ela queria me provocar, minha ruivinha o dispensou e saiu sozinha.Agora a Carol não parava de tagarelar na cabeça da Marina. Eu juro, tinha fumaça saindo dos ouvidos dela.O professor entrou e todo mundo ficou em silêncio.— Pega aí, irmão. — Um garoto me estendeu um papelzinho.Eu abri e era do Enzo. Ele dizia o seguinte:“Cara, a Carol tá espalhando pra todo mundo que dormiu com você.”Eu olhei para ele com os olhos arregalados, que acenou confirmando. Aí me toquei, era por isso que a Marina estava
MarinaFumegante!Era como estava me sentindo. Quase não cabia em mim de tanta raiva. A última aula passou como um flash. Não vi nada, não ouvi nada. Tudo era uma droga! Estava doida que chegasse a aula de natação, para poder extravasar toda aquela merda. Não sei se fui grosseira com Lipe, mas já não aguentava escutar nada de ninguém. A Carol continuou me perturbando em todas outras aulas. Já estava perdendo a paciência, enfim a tortura terminou.Esperei Cibele no final da aula, íamos almoçar juntas e, em seguida, iríamos para a piscina. Chegamos a uma lanchonete ao lado da faculdade. Sentamos e fizemos nossos pedidos. Ela estava me olhando estranho, desde a hora que Carol soltou aquela bomba no meu colo.— Ok, chega disso, Ci. Fala logo!— Você sabe que a Carol pode estar mentindo, né?&mdas
TheoEla estava olhando para mim muito séria e chateada. Eu entendia o porquê. Se fosse o contrário não daria nem tempo, já começaria a gritar querendo explicações. Mas não pude deixar de notar seu interesse ao avaliar todo o meu corpo assim que me viu. E nem consegui segurar um sorriso que veio com a constatação de que Marina não era imune a mim.— O que você quer? Não tenho tempo pra conversar, meu treino é daqui a pouco — falou num fôlego só, sem pausa para respirar.— Eu sei por que você está assim e queria me explicar.— Não sei do que você está falando.Era ótima em desconversar. Marina não gostava de admitir o que a magoava, devia ser um mecanismo de autopreservação que adquiriu com o passar dos anos devido ao bullying qu
MarinaCibele estava me esperando do lado de fora quando saí. Eu estava sentindo meu peito comprimido depois da conversa com Theo.Refleti em retomar nossa amizade, enquanto dava braçadas na piscina e fiquei muito confusa. Mas havia uma coisa que minha mãe me ensinou, que todos mereciam uma segunda chance, quando seu arrependimento era sincero. E eu vi muita honestidade e saudade em seus olhos. Quando Theo beijou minha mão, não consegui aguentar, meu coração disparou quase saindo do peito.E a surpresa de saber que estava trabalhando, me deixou desconcertada com minha desconfiança. Theo nunca quis pegar em nenhum trabalho pesado. Só queria se divertir. Se eu podia mudar, ele também podia. Não é verdade?Cheguei perto da Cibele, e percebi que Edu não estava em parte alguma.— Oi, cadê o Edu?— Foi pra casa, disse que esta
TheoMarina me olhou com os olhos semicerrados e respirou fundo. Eu sabia que minha provocação iria surtir efeito. Uma coisa que eu aprendi ao longo da nossa amizade era que a Mari podia ser esquentadinha, porém se a provocasse, ficava desconcertada e não sabia o que fazer.Com minha declaração provoquei uma reação que quase me fez cair de joelhos. Levou os dedos aos lábios carnudos e corou fortemente, o que a deixou ainda mais linda. Ela era maravilhosa! Mas ciúme te corrói e envenena, ainda estava irritada e reagiu como qualquer um faria. Bufou e deu meia volta, me deixando com cara de paspalho no meio da boate.Sorri e comemorei mais uma batalha vencida, porém ainda tinha o problema com as mentiras daquela louca.Merda! O que a Carol estava querendo com aquelas mentiras? Nós dois sabíamos que não tinha rolado nada. Eu iria achá-
MarinaAquela cadela!Sabe quando você não se aguenta e tem vontade de gritar, gritar e gritar? Estava me sentindo exatamente assim. Encontrava-me rodando alguns minutos atrás do Edu e da Cibele. Deviam estar num canto qualquer se pegando, acho que se deram bem pelo que vi na pista de dança.Finalmente os encontrei. Estavam sentados no bar, bem juntinhos e conversando. Cheguei e fui logo extravasando:— Eu pego aquela garota... Que vadia mentirosa!Os dois olharam para mim como se eu fosse louca. No momento eu estava mesmo, de raiva. Sabia que podia ser mentira da Carol, mas não queria dizer que não havia atingido o ponto provocado. Ciúme!— O que foi, Mari? — perguntou Cibele, preocupada.— Aquela cadela da Carol, ainda está insistindo que dormiu com o Theo, estou começando a achar que ela fala a verdade. Por que insistir tanto, quando
TheoO final de semana passou e fiquei em um estado catatônico, sem saber se tudo o que havia rolado na sexta-feira era sonho ou realidade: a dança, o beijo, o ciúme, o colar. Cara, ela ainda tinha o colar. Será que com isso, estava querendo dizer algo? Será que havia me perdoado totalmente? Estava pronta pra recomeçar?Uma coisa era certa, fiquei balançado com tudo. A única coisa que atrapalhou foi aquela louca da Carol. Menina estranha, não conseguia ouvir um não e deixar para lá. Mas eu estava esperto, de olhos abertos. Ela não ia conseguir estragar minha relação com a Mari. Tudo bem, ainda não tínhamos nada, mas cedo ou tarde a teria só para mim.Naquela semana esperava retomar nossa amizade. Por mais que desejasse um bis do beijo, não ia forçar a barra. Queria lembrá-la do porquê de