Capítulo 5

Marina

— Caramba, o Edu tá demorando!

Ótimo, estava falando sozinha agora, devia estar parecendo louca no meio do pátio reclamando igual a uma velha. Acho até que resmunguei quando um carinha passou do meu lado e sorriu para mim.

Mas, por favor, me dê um desconto, meu dia havia sido péssimo. Bem, não era verdade, foi legal até a hora do almoço. Aquela safada da Carol, dando em cima do Theo, deixou-me com os nervos à flor da pele. O engraçado foi que ele a rejeitou, por gostar de alguém, segundo o que ela nos contou. Só gostaria de saber quem era...

Estava com ciúmes, eu sei. E me odiei por isso. Mas o que podia fazer? Ele era meu amigo, desde sempre, e agora estava apaixonado.

Nossa, mas o que o Edu estava fazendo? Será que alguém o sequestrou? Eu só queria banho e cama. Já eram cinco horas da tarde, estava farta de estudar.

Senti os cabelos do pescoço arrepiarem, olhei por cima do ombro e o que eu vi, me deixou totalmente sem reação.

Theo estava encostado numa pilastra a alguns metros atrás de mim, com as mãos nos bolsos e fones nos ouvidos. Lindo, tinha que admitir. Vestia calça cargo verde, camisa branca com as mangas enroladas até os cotovelos, tênis All Star verde militar.

Ele abriu um sorriso daqueles que fazem as meninas mais encantadas desmaiarem, não que eu me encaixasse no meio delas, e veio andando em minha direção. Seus olhos estavam brilhando, não disse nada e me ofereceu os fones. Exatamente como fazíamos, quando éramos amigos.

— Não, obrigada. — Não podia relembrar nossa amizade assim. Doía demais estar tão perto do Theo.

Eu olhei para ele e não tinha movido um milímetro, estava me olhando com uma expressão grave no rosto, os fones ainda estendidos. Suspirei e arranquei os fones da sua mão. Nossos dedos roçaram brevemente. Pude sentir uma eletricidade passando por nós. Baixei os olhos rapidamente, para que não visse minha reação.

Coloquei os fones e ele remexeu no iPod. Quando chegou à música desejada, sinalizou que iria dar play. Sempre fazíamos assim para que eu não me assustasse quando a música começasse. Começou a tocar os primeiros acordes de Far Away, de Nickelback.

“Nesta hora, neste lugar

Desperdícios, erros

Tanto tempo, tão tarde

Quem era eu para te fazer esperar?

Apenas mais uma chance, apenas mais um suspiro

Caso reste apenas um

Porque você sabe, você sabe, você sabe...”

Continuei ouvindo a música, mas eu não conseguia olhar para cima, meu coração estava batendo freneticamente no peito e acho que minha respiração estava suspensa.

“Que eu te amo

Eu te amei o tempo todo

E eu sinto sua falta

Estive tão longe por muito tempo

Eu continuo sonhando que você estará comigo

E você nunca irá embora

Paro de respirar se eu não te ver mais

De joelhos, eu pedirei uma

Última chance para uma última dança

Porque com você, eu resistiria a

Todo o inferno para segurar sua mão

Eu daria tudo

Eu daria tudo por nós

Dou qualquer coisa, mas eu não vou desistir

Porque você sabe, você sabe, você sabe”

A música prosseguiu e eu não podia me mover, tantas lembranças vieram à minha mente naquele instante. A presença do Theo ao meu lado. A melodia tocando em meus ouvidos. Tudo demais. O que ele queria dizer com aquilo? Por que estava fazendo isso comigo?

Doía muito.

Por três malditos anos, eu não fui ninguém para ele. E do nada, colocava uma música pra mim. Quando acabou de tocar, eu entreguei os fones sem olhar para cima, ele levou a mão até o meu queixo e puxou para perto do seu rosto. Olhei dentro de seus olhos, e vi muita dor e saudade. Ele passou os polegares pela minha bochecha, e só assim me dei conta de que estava chorando.

— Marina, você está bem? — A voz de Edu nos deu um susto quebrando o clima e pulamos juntos.

Ele se afastou e eu fiquei envergonhada. Como deixei me abalar assim? Olhei para o Edu, que estava com uma cara de preocupação, fuzilando o Theo de cara feia.

Passei em frente ao Theo, murmurando uma despedida, dando sinal para o Edu ir andando. Ele caminhou ao meu lado em silêncio, mas eu sabia que iria querer me confrontar a respeito do que estava acontecendo.

Na verdade, nem eu sabia o que tinha acontecido.

Quando cheguei ao apartamento, fui direto para o quarto. Quanto mais adiasse o confronto, melhor seria.

***

— Você vai me dizer o que estava acontecendo? Ou vai continuar me ignorando?

Parei com o garfo a meio caminho da boca, olhei para ele. Edu estava sentado na minha frente, com o rosto neutro, não mostrava nenhum sentimento. Franzi a testa, ele nunca foi de esconder suas reações de mim. Há algum tempo, estaria me enfrentando e gritando o porquê de me deixar abalar por alguém que já me machucou. Mas acho que era compreensível, depois de você confiar em alguém e levar uma rasteira, acaba ficando mais reservado. Suspirei.

— Ele estava me mostrando uma música no iPod.

— Uma música... E por que você estava chorando? E por que ele estava acariciando seu rosto?

— Eu não quero falar sobre isso, Edu. Dói muito, você sabe. Eu não sei o que ele quer com isso tudo, mas você pode ter certeza de que eu não quero nada dele.

“Continue dizendo isso que vai acabar acreditando, Marina”, pensei comigo mesma.

— Eu não quero que você se machuque, Mari. Ele vai quebrar seu coração de novo.

— Edu, eu sei, só não quero falar mais nisso.

Ele assentiu e continuamos a jantar em silêncio. Quando terminou, levantou e foi lavar a louça. Nosso acordo era que eu cozinhava, ele lavava. 

Coloquei o pijama e fui dormir. Mas meus sonhos, tinha certeza, seriam povoados com lembranças de alguém que não era bem-vindo.

***

— Você faz natação, Mari? — Cibele estava me olhando, com expectativa.

— Na verdade, faço sim. Competi na escola, no ensino fundamental.

Eu adorava nadar, só parei por causa do bullying que sofria durante as aulas.

— Legal, o professor de Educação Física tá montando uma equipe feminina e uma masculina. O que você acha? Vamos entrar?

Olhei para ela e pensei um pouco, eu adorava nadar. Era um dos poucos exercícios que me davam prazer. Eu não era mais uma menina assustada, com medo se iriam rir de mim.

— Claro. Quais os dias das aulas?

— Toda sexta-feira, às 14h — respondeu dando pulinhos de alegria.

Cibele era uma menina linda. Pele morena, cabelo castanho-escuro enrolado até as costas, olhos cor de mel, lábios carnudos, corpo curvilíneo e farto. Fora o fato, de ser doce e gentil com todo mundo. Poderia nascer uma boa amizade dali.

— Ok, combinado então! Você pode fazer a inscrição por nós duas?

Ela assentiu e se despediu com dois beijinhos.

Seria uma boa ideia voltar a nadar em competição, mas ainda teria que treinar muito, estava enferrujada.

Chegando ao refeitório dei uma trombada em alguém, derrubei todos os meus livros, murmurei um pedido de desculpas e me abaixei para recolhê-los. Nossas mãos se encontraram e olhei para cima: Lipe, que estava ali com um sorriso diabólico no rosto.

— Ui, se você queria “encostar” em mim era só falar — disse num tom brincalhão, sorrindo de orelha a orelha.

Foi automático corresponder ao seu sorriso tão lindo.

— Ok, senhor egocêntrico, eu não te vi. Estava distraída. — Me levantei, com os livros arrumados no braço.

Ele assentiu e colocou as mãos nos bolsos da calça.

— Você vai fazer alguma coisa amanhã à noite? — Corou envergonhado.

— Não especificamente, por quê?

— A galera está combinando de ir numa boate badalada da cidade. A Sound, já ouviu falar?

Concordei com a cabeça e ele continuou:

— Então, está a fim de ir?

Fiquei remoendo comigo mesma. Ainda não estava pronta para alguma coisa além de amizade. Estava claro que ele queria mais de mim, mas sair para me divertir seria legal.

— Ok, vou sim. Que horas?

— Às 20h, em frente à boate.

— Posso levar o Edu?

Tinha que fazê-lo entender que eu só queria sua amizade.

Lipe assentiu e sorriu. Fomos para o refeitório, o pessoal já estava na mesa. Meu olhar foi automaticamente em outra direção. O que eu vi me fez ranger os dentes. A Carol estava lá de novo, toda melosa e o Theo estava dando toda a atenção para ela. Acho que a tal da outra garota já era.

Assim que ele me viu, o sorriso idiota que estava em seu rosto morreu. Balançou a cabeça para alguma coisa que a Carol dizia. Percebendo o seu desconforto, ela olhou diretamente para onde eu estava e franziu a testa.

Já estava cansada dessa palhaçada! Dei meia volta e me despedi do pessoal.

Era hora de seguir em frente.

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