Marina
— Caramba, o Edu tá demorando!
Ótimo, estava falando sozinha agora, devia estar parecendo louca no meio do pátio reclamando igual a uma velha. Acho até que resmunguei quando um carinha passou do meu lado e sorriu para mim.
Mas, por favor, me dê um desconto, meu dia havia sido péssimo. Bem, não era verdade, foi legal até a hora do almoço. Aquela safada da Carol, dando em cima do Theo, deixou-me com os nervos à flor da pele. O engraçado foi que ele a rejeitou, por gostar de alguém, segundo o que ela nos contou. Só gostaria de saber quem era...
Estava com ciúmes, eu sei. E me odiei por isso. Mas o que podia fazer? Ele era meu amigo, desde sempre, e agora estava apaixonado.
Nossa, mas o que o Edu estava fazendo? Será que alguém o sequestrou? Eu só queria banho e cama. Já eram cinco horas da tarde, estava farta de estudar.
Senti os cabelos do pescoço arrepiarem, olhei por cima do ombro e o que eu vi, me deixou totalmente sem reação.
Theo estava encostado numa pilastra a alguns metros atrás de mim, com as mãos nos bolsos e fones nos ouvidos. Lindo, tinha que admitir. Vestia calça cargo verde, camisa branca com as mangas enroladas até os cotovelos, tênis All Star verde militar.
Ele abriu um sorriso daqueles que fazem as meninas mais encantadas desmaiarem, não que eu me encaixasse no meio delas, e veio andando em minha direção. Seus olhos estavam brilhando, não disse nada e me ofereceu os fones. Exatamente como fazíamos, quando éramos amigos.
— Não, obrigada. — Não podia relembrar nossa amizade assim. Doía demais estar tão perto do Theo.
Eu olhei para ele e não tinha movido um milímetro, estava me olhando com uma expressão grave no rosto, os fones ainda estendidos. Suspirei e arranquei os fones da sua mão. Nossos dedos roçaram brevemente. Pude sentir uma eletricidade passando por nós. Baixei os olhos rapidamente, para que não visse minha reação.
Coloquei os fones e ele remexeu no iPod. Quando chegou à música desejada, sinalizou que iria dar play. Sempre fazíamos assim para que eu não me assustasse quando a música começasse. Começou a tocar os primeiros acordes de Far Away, de Nickelback.
“Nesta hora, neste lugar
Desperdícios, erros
Tanto tempo, tão tarde
Quem era eu para te fazer esperar?
Apenas mais uma chance, apenas mais um suspiro
Caso reste apenas um
Porque você sabe, você sabe, você sabe...”
Continuei ouvindo a música, mas eu não conseguia olhar para cima, meu coração estava batendo freneticamente no peito e acho que minha respiração estava suspensa.
“Que eu te amo
Eu te amei o tempo todo
E eu sinto sua falta
Estive tão longe por muito tempo
Eu continuo sonhando que você estará comigo
E você nunca irá embora
Paro de respirar se eu não te ver mais
De joelhos, eu pedirei uma
Última chance para uma última dança
Porque com você, eu resistiria a
Todo o inferno para segurar sua mão
Eu daria tudo
Eu daria tudo por nós
Dou qualquer coisa, mas eu não vou desistir
Porque você sabe, você sabe, você sabe”
A música prosseguiu e eu não podia me mover, tantas lembranças vieram à minha mente naquele instante. A presença do Theo ao meu lado. A melodia tocando em meus ouvidos. Tudo demais. O que ele queria dizer com aquilo? Por que estava fazendo isso comigo?
Doía muito.
Por três malditos anos, eu não fui ninguém para ele. E do nada, colocava uma música pra mim. Quando acabou de tocar, eu entreguei os fones sem olhar para cima, ele levou a mão até o meu queixo e puxou para perto do seu rosto. Olhei dentro de seus olhos, e vi muita dor e saudade. Ele passou os polegares pela minha bochecha, e só assim me dei conta de que estava chorando.
— Marina, você está bem? — A voz de Edu nos deu um susto quebrando o clima e pulamos juntos.
Ele se afastou e eu fiquei envergonhada. Como deixei me abalar assim? Olhei para o Edu, que estava com uma cara de preocupação, fuzilando o Theo de cara feia.
Passei em frente ao Theo, murmurando uma despedida, dando sinal para o Edu ir andando. Ele caminhou ao meu lado em silêncio, mas eu sabia que iria querer me confrontar a respeito do que estava acontecendo.
Na verdade, nem eu sabia o que tinha acontecido.
Quando cheguei ao apartamento, fui direto para o quarto. Quanto mais adiasse o confronto, melhor seria.
***
— Você vai me dizer o que estava acontecendo? Ou vai continuar me ignorando?
Parei com o garfo a meio caminho da boca, olhei para ele. Edu estava sentado na minha frente, com o rosto neutro, não mostrava nenhum sentimento. Franzi a testa, ele nunca foi de esconder suas reações de mim. Há algum tempo, estaria me enfrentando e gritando o porquê de me deixar abalar por alguém que já me machucou. Mas acho que era compreensível, depois de você confiar em alguém e levar uma rasteira, acaba ficando mais reservado. Suspirei.
— Ele estava me mostrando uma música no iPod.
— Uma música... E por que você estava chorando? E por que ele estava acariciando seu rosto?
— Eu não quero falar sobre isso, Edu. Dói muito, você sabe. Eu não sei o que ele quer com isso tudo, mas você pode ter certeza de que eu não quero nada dele.
“Continue dizendo isso que vai acabar acreditando, Marina”, pensei comigo mesma.
— Eu não quero que você se machuque, Mari. Ele vai quebrar seu coração de novo.
— Edu, eu sei, só não quero falar mais nisso.
Ele assentiu e continuamos a jantar em silêncio. Quando terminou, levantou e foi lavar a louça. Nosso acordo era que eu cozinhava, ele lavava.
Coloquei o pijama e fui dormir. Mas meus sonhos, tinha certeza, seriam povoados com lembranças de alguém que não era bem-vindo.
***
— Você faz natação, Mari? — Cibele estava me olhando, com expectativa.
— Na verdade, faço sim. Competi na escola, no ensino fundamental.
Eu adorava nadar, só parei por causa do bullying que sofria durante as aulas.
— Legal, o professor de Educação Física tá montando uma equipe feminina e uma masculina. O que você acha? Vamos entrar?
Olhei para ela e pensei um pouco, eu adorava nadar. Era um dos poucos exercícios que me davam prazer. Eu não era mais uma menina assustada, com medo se iriam rir de mim.
— Claro. Quais os dias das aulas?
— Toda sexta-feira, às 14h — respondeu dando pulinhos de alegria.
Cibele era uma menina linda. Pele morena, cabelo castanho-escuro enrolado até as costas, olhos cor de mel, lábios carnudos, corpo curvilíneo e farto. Fora o fato, de ser doce e gentil com todo mundo. Poderia nascer uma boa amizade dali.
— Ok, combinado então! Você pode fazer a inscrição por nós duas?
Ela assentiu e se despediu com dois beijinhos.
Seria uma boa ideia voltar a nadar em competição, mas ainda teria que treinar muito, estava enferrujada.
Chegando ao refeitório dei uma trombada em alguém, derrubei todos os meus livros, murmurei um pedido de desculpas e me abaixei para recolhê-los. Nossas mãos se encontraram e olhei para cima: Lipe, que estava ali com um sorriso diabólico no rosto.
— Ui, se você queria “encostar” em mim era só falar — disse num tom brincalhão, sorrindo de orelha a orelha.
Foi automático corresponder ao seu sorriso tão lindo.
— Ok, senhor egocêntrico, eu não te vi. Estava distraída. — Me levantei, com os livros arrumados no braço.
Ele assentiu e colocou as mãos nos bolsos da calça.
— Você vai fazer alguma coisa amanhã à noite? — Corou envergonhado.
— Não especificamente, por quê?
— A galera está combinando de ir numa boate badalada da cidade. A Sound, já ouviu falar?
Concordei com a cabeça e ele continuou:
— Então, está a fim de ir?
Fiquei remoendo comigo mesma. Ainda não estava pronta para alguma coisa além de amizade. Estava claro que ele queria mais de mim, mas sair para me divertir seria legal.
— Ok, vou sim. Que horas?
— Às 20h, em frente à boate.
— Posso levar o Edu?
Tinha que fazê-lo entender que eu só queria sua amizade.
Lipe assentiu e sorriu. Fomos para o refeitório, o pessoal já estava na mesa. Meu olhar foi automaticamente em outra direção. O que eu vi me fez ranger os dentes. A Carol estava lá de novo, toda melosa e o Theo estava dando toda a atenção para ela. Acho que a tal da outra garota já era.
Assim que ele me viu, o sorriso idiota que estava em seu rosto morreu. Balançou a cabeça para alguma coisa que a Carol dizia. Percebendo o seu desconforto, ela olhou diretamente para onde eu estava e franziu a testa.
Já estava cansada dessa palhaçada! Dei meia volta e me despedi do pessoal.
Era hora de seguir em frente.
TheoMerda!Será que podia dar tudo tão errado? A música que coloquei para ela na terça tinha surtido um efeito surpreendente. Vi em seus olhos o quanto ficou mexida e tive esperanças de que as coisas mudassem.Mas quando viu a Carol dando em cima de mim, o dia que podia ser bom foi por água abaixo. Agora Mari estava sentada na aula de Direitos Humanos com a cara fechada, me fuzilando toda vez que olhava para o meu lado. O pior que tinha uma garota — que eu nem sabia o nome — se inclinando para mim, com os seios quase saindo do decote.Ótimo, perfeito. Só me faltava essa.Eu decidi dar um tempo, porque afinal eu não podia fazer nada por ela. Na verdade, eu nem sabia por que estava tão chateada. Nós não tínhamos coisa alguma e aquele idiota do Felipe não parava de tocar e falar em seu ouvido.— Nós vamos fal
MarinaTheo me olhou e sorriu, todas as vezes que isso acontecia fazia minhas pernas virarem gelatina. Ele escondia alguma coisa, suas mãos estavam para trás e seu rosto ficou vermelho como um pimentão. Aproximou-se e me deu um beijo no rosto.— Bom dia, Mari. — Corou ainda mais, como se fosse possível.— Oi, Theo. O que você tem aí atrás?Abaixou a cabeça e começou a fazer círculos no chão com o tênis. Eu tive que rir, nunca o vi tão envergonhado. Nós éramos amigos há dois anos e ele sempre foi extrovertido. O que aconteceu para ficar assim?— É... é um presente. Não ria, ok?Eu assenti e ele me estendeu uma caixinha, num papel de presente todo amassado. Dentro da caixa havia um colar de couro com um pingente de madei
TheoNão entendia a Marina! Sério! Se estava com tanta raiva da Carol dar em cima de mim, por que dava bola para aquele idiota? Meu amigo, se olhar matasse, eu estaria durinho no chão. O Lipe atacou assim que viu uma brecha, só não teve muita sorte, mesmo percebendo que ela queria me provocar, minha ruivinha o dispensou e saiu sozinha.Agora a Carol não parava de tagarelar na cabeça da Marina. Eu juro, tinha fumaça saindo dos ouvidos dela.O professor entrou e todo mundo ficou em silêncio.— Pega aí, irmão. — Um garoto me estendeu um papelzinho.Eu abri e era do Enzo. Ele dizia o seguinte:“Cara, a Carol tá espalhando pra todo mundo que dormiu com você.”Eu olhei para ele com os olhos arregalados, que acenou confirmando. Aí me toquei, era por isso que a Marina estava
MarinaFumegante!Era como estava me sentindo. Quase não cabia em mim de tanta raiva. A última aula passou como um flash. Não vi nada, não ouvi nada. Tudo era uma droga! Estava doida que chegasse a aula de natação, para poder extravasar toda aquela merda. Não sei se fui grosseira com Lipe, mas já não aguentava escutar nada de ninguém. A Carol continuou me perturbando em todas outras aulas. Já estava perdendo a paciência, enfim a tortura terminou.Esperei Cibele no final da aula, íamos almoçar juntas e, em seguida, iríamos para a piscina. Chegamos a uma lanchonete ao lado da faculdade. Sentamos e fizemos nossos pedidos. Ela estava me olhando estranho, desde a hora que Carol soltou aquela bomba no meu colo.— Ok, chega disso, Ci. Fala logo!— Você sabe que a Carol pode estar mentindo, né?&mdas
TheoEla estava olhando para mim muito séria e chateada. Eu entendia o porquê. Se fosse o contrário não daria nem tempo, já começaria a gritar querendo explicações. Mas não pude deixar de notar seu interesse ao avaliar todo o meu corpo assim que me viu. E nem consegui segurar um sorriso que veio com a constatação de que Marina não era imune a mim.— O que você quer? Não tenho tempo pra conversar, meu treino é daqui a pouco — falou num fôlego só, sem pausa para respirar.— Eu sei por que você está assim e queria me explicar.— Não sei do que você está falando.Era ótima em desconversar. Marina não gostava de admitir o que a magoava, devia ser um mecanismo de autopreservação que adquiriu com o passar dos anos devido ao bullying qu
MarinaCibele estava me esperando do lado de fora quando saí. Eu estava sentindo meu peito comprimido depois da conversa com Theo.Refleti em retomar nossa amizade, enquanto dava braçadas na piscina e fiquei muito confusa. Mas havia uma coisa que minha mãe me ensinou, que todos mereciam uma segunda chance, quando seu arrependimento era sincero. E eu vi muita honestidade e saudade em seus olhos. Quando Theo beijou minha mão, não consegui aguentar, meu coração disparou quase saindo do peito.E a surpresa de saber que estava trabalhando, me deixou desconcertada com minha desconfiança. Theo nunca quis pegar em nenhum trabalho pesado. Só queria se divertir. Se eu podia mudar, ele também podia. Não é verdade?Cheguei perto da Cibele, e percebi que Edu não estava em parte alguma.— Oi, cadê o Edu?— Foi pra casa, disse que esta
TheoMarina me olhou com os olhos semicerrados e respirou fundo. Eu sabia que minha provocação iria surtir efeito. Uma coisa que eu aprendi ao longo da nossa amizade era que a Mari podia ser esquentadinha, porém se a provocasse, ficava desconcertada e não sabia o que fazer.Com minha declaração provoquei uma reação que quase me fez cair de joelhos. Levou os dedos aos lábios carnudos e corou fortemente, o que a deixou ainda mais linda. Ela era maravilhosa! Mas ciúme te corrói e envenena, ainda estava irritada e reagiu como qualquer um faria. Bufou e deu meia volta, me deixando com cara de paspalho no meio da boate.Sorri e comemorei mais uma batalha vencida, porém ainda tinha o problema com as mentiras daquela louca.Merda! O que a Carol estava querendo com aquelas mentiras? Nós dois sabíamos que não tinha rolado nada. Eu iria achá-
MarinaAquela cadela!Sabe quando você não se aguenta e tem vontade de gritar, gritar e gritar? Estava me sentindo exatamente assim. Encontrava-me rodando alguns minutos atrás do Edu e da Cibele. Deviam estar num canto qualquer se pegando, acho que se deram bem pelo que vi na pista de dança.Finalmente os encontrei. Estavam sentados no bar, bem juntinhos e conversando. Cheguei e fui logo extravasando:— Eu pego aquela garota... Que vadia mentirosa!Os dois olharam para mim como se eu fosse louca. No momento eu estava mesmo, de raiva. Sabia que podia ser mentira da Carol, mas não queria dizer que não havia atingido o ponto provocado. Ciúme!— O que foi, Mari? — perguntou Cibele, preocupada.— Aquela cadela da Carol, ainda está insistindo que dormiu com o Theo, estou começando a achar que ela fala a verdade. Por que insistir tanto, quando