MuratO guarda-roupa vazio dela me atinge como um golpe seco no peito. Minha mandíbula trava, os músculos do maxilar têm vida própria, enquanto um turbilhão de emoções se desenrola dentro de mim. Dor, raiva, decepção... Não sei qual deles vai ganhar essa corrida desenfreada para dominar meu coração, mas sinto o gosto amargo de todos. E esse aperto na garganta? Angústia? Não sei. Tudo o que sei é que estou sufocando.Ofego. Minhas passadas ecoam no chão de madeira enquanto caminho de um lado para o outro no antigo quarto dela. Cada detalhe é um lembrete de que ela esteve aqui, mas agora não está mais. A cama perfeitamente arrumada. As cortinas que ainda carregam o perfume dela, tão sutil, tão cruel. O espelho vazio me devolve um reflexo que não reconheço.— Então ela foi embora? — murmuro para o vazio, a voz áspera como um punhal.Ela se aproveitou da minha ausência para fugir. Fugir de mim. Um riso seco escapa dos meus lábios, mais amargo do que qualquer insulto. Por que eu me importo
No dia seguinte, acordei cedo. Isso já havia se tornado uma rotina. Tomei um banho morno em um dos dois banheiros, sempre muito disputados. Vesti uma saia social e uma camisa branca, combinando com sapatos de salto alto. Hoje, teria uma entrevista como recepcionista em uma construtora.— Bom dia. — Cumprimentei Margot, a dona da pensão.Ela, como de costume, havia preparado um café da manhã reforçado, mesmo que isso não fizesse parte do contrato. Acredito que seja pela minha magreza.— Bom dia. Mais uma entrevista de emprego?— Sim, espero que tudo dê certo. É a primeira entrevista na minha área. Só tem surgido empregos para os quais não tenho experiência.— Claro que dará, e você está muito bonita. Aliás, você é linda.— Ah, obrigada. Quero causar boa impressão.— Olha o que preparei para você.Ela colocou um prato com ovos mexidos com queijo, café com leite e torradas à minha frente. Sorri, emocionada.— Nossa! Você me fez um banquete. Obrigada.Uma garota se aproximou de nós, e eu
MuratMeu pai construiu seu império sozinho, vindo do nada. Por isso, sempre é dele a última palavra em tudo. Mal sabe ele o que estou armando bem debaixo do nariz dele. Não me orgulho disso, mas se eu não o fizer, ele me devora vivo.Agora ele está aqui no meu quarto, exibindo um sorriso satisfeito no rosto: — Então irá à casa de Hazal hoje? — Irei. — Digo, sem sorrir, enquanto coloco o meu blazer marrom.Meu pai aperta meu ombro direito. — Ela é uma ótima garota. Você escolheu bem, meu filho. Ainda bem que não evoluiu nada com as outras que apresentei. Hazal realmente é a melhor.Eu lhe dou um sorriso frio. — Eu sei.— Sua mãe não me amava quando nos casamos. Eu mal a conhecia. O amor foi construído ao longo dos anos, pedra sobre pedra. Claro que não é empolgante como uma paixão, mas o que tenho é forte e durável. A paixão é algo fugaz, ela vem rápido e passa.Solto o ar, ainda tentando me convencer disso. — Bem, vou indo. Já estou atrasado. — Digo, sentindo-me como se fosse a um ja
EsterFecho os olhos. Minha cabeça lateja como se estivesse sendo esmagada por dentro, a dor pulsante me obriga a manter as pálpebras cerradas. Cada batida ecoa como um tambor, abafando qualquer pensamento que não seja a tentação de me render ao vazio acolhedor da escuridão. Lá, pelo menos, não há dor. Não há peso.—A cuidadora que contratei ficará com você agora. É bom que se acostume com ela, pois depois ela continuará com você no apartamento.Eu luto para abrir os olhos, mesmo que cada fração de movimento pareça um esforço desumano. Quando finalmente consigo, a claridade do quarto me agride— Desde quando estou aqui? — minha voz sai rouca, frágil, como se tivesse atravessado um deserto de palavras. — Quando você soube do meu acidente?Ele me encara, os olhos tão intensos quanto de costume, mas há algo mais ali: cansaço, talvez raiva.— Faz uma semana. Eu acompanho seu caso desde o início. — Sua resposta é direta, seca, mas o peso de suas palavras é inegável. — Se não tivesse saído
Dia seguinte...EsterHoje é segunda-feira. Ontem, fiz todos os exames. Está tudo bem. Nada me impede de ir para casa.Casa?Um arrepio percorre meu corpo enquanto imagino minha vida no apartamento de Murat. A palavra soa estranha, distante, quase sem sentido. Com os olhos embaçados pelas lágrimas, encaro o dia nublado lá fora. O sol tenta atravessar as nuvens escuras que insistem em encobri-lo. Parece um reflexo da minha vida: uma luta constante para encontrar um caminho em meio aos empecilhos. Desde que acordei neste hospital, tenho me sentido assim, como se estivesse à deriva. Minha mente se perde em um ciclo incessante de pensamentos sobre como minha vida é um caos, uma confusão sem fim.Eu não deveria ter saído de casa. Deveria ter engolido as palavras ácidas da minha mãe. Aceitado suas ordens, suas exigências. Talvez fosse mais fácil permitir que ela ditasse minha vida: as roupas que deveria vestir, os lugares a frequentar, o namorado almofadinha que ela escolheria para mim.As
Suas palavras, carregadas de genuína preocupação, fazem meu coração disparar. Piscando rapidamente, tento conter as lágrimas que ameaçam cair. Dois sentimentos lutam dentro de mim: o prazer de me sentir cuidada e a dúvida sobre o custo que isso pode ter.— Por que está fazendo isso, Murat? — pergunto, minha voz quase um sussurro. — Isso tem um preço, não tem?Por um instante, os olhos dele endurecem. Ele se levanta, desviando o olhar para um ponto qualquer no quarto. O perfil sério, quase glacial, me deixa ainda mais confusa.Após uma longa respiração, ele finalmente me encara novamente.— Preço? — Ele balança a cabeça, visivelmente incomodado. — Não estou colocando preço no meu gesto. Estou fazendo o que meu coração manda. Mas, se você insiste em encarar dessa forma, então está bem: diga a si mesma que pagará por isso. Se isso te deixa mais confortável, que seja. Mas não quero que pense nisso agora.Eu apenas assinto, sem energia para prolongar o assunto. É claro que tem um preço, pe
Dois dias se passaram...É tarde, pouco mais de nove da noite, e meus olhos estão fechados. Não porque estou dormindo, mas porque não consigo encarar o vazio do quarto. Ontem, passei o dia todo esperando por Murat, cada som do lado de fora me fazia pensar que ele entraria pela porta a qualquer momento. Mas ele não veio. Tentei me convencer de que não importava. Não sou uma garotinha boba e dependente... mesmo que a realidade insista em me lembrar de que, no momento, sou exatamente isso. Desempregada, sem perspectiva, com uma mãe egoísta e carente, e agora dependente de um homem que parece me carregar como um fardo.Uma lágrima escapa antes que eu consiga segurá-la. Limpo-a rapidamente, como se negar sua existência fosse suficiente para me proteger de sua causa.Acho que ele não vem...Essa certeza amarga começa a se instalar quando sinto o aroma familiar e inconfundível que o precede. Meu coração dispara, ignorando minha razão, e antes que eu abra os olhos, sua mão desliza gentilmente
— Meu coração é de carne. Não de pedra como pensa — diz ele, a voz carregada de algo que não consigo decifrar completamente.Ele se levanta com firmeza, como se quisesse selar a conversa ali, antes que qualquer emoção o denunciasse. Seus olhos se fixam nos meus por um instante, mas rapidamente ele desvia o olhar, como se estivesse se protegendo.— Bem, vou indo.Inclina-se para mim e deposita um beijo na minha testa. É um toque breve, seco, mas firme. Não há hesitação em seu gesto, mas também não há suavidade. Parece um beijo de despedida, como se quisesse me lembrar de algo que não consigo entender.Então ele se afasta, endireitando os ombros largos, o peito estufado como se carregasse um escudo invisível. Seus passos são decididos, ecoando pelo quarto em uma marcha de orgulho inabalável. Eu o observo até que ele desapareça pela porta, deixando apenas o cheiro amadeirado de seu perfume e um vazio que parece preencher todo o ambiente.Sozinha novamente, a voz na minha cabeça começa a