Dia seguinte...EsterHoje é segunda-feira. Ontem, fiz todos os exames. Está tudo bem. Nada me impede de ir para casa.Casa?Um arrepio percorre meu corpo enquanto imagino minha vida no apartamento de Murat. A palavra soa estranha, distante, quase sem sentido. Com os olhos embaçados pelas lágrimas, encaro o dia nublado lá fora. O sol tenta atravessar as nuvens escuras que insistem em encobri-lo. Parece um reflexo da minha vida: uma luta constante para encontrar um caminho em meio aos empecilhos. Desde que acordei neste hospital, tenho me sentido assim, como se estivesse à deriva. Minha mente se perde em um ciclo incessante de pensamentos sobre como minha vida é um caos, uma confusão sem fim.Eu não deveria ter saído de casa. Deveria ter engolido as palavras ácidas da minha mãe. Aceitado suas ordens, suas exigências. Talvez fosse mais fácil permitir que ela ditasse minha vida: as roupas que deveria vestir, os lugares a frequentar, o namorado almofadinha que ela escolheria para mim.As
Suas palavras, carregadas de genuína preocupação, fazem meu coração disparar. Piscando rapidamente, tento conter as lágrimas que ameaçam cair. Dois sentimentos lutam dentro de mim: o prazer de me sentir cuidada e a dúvida sobre o custo que isso pode ter.— Por que está fazendo isso, Murat? — pergunto, minha voz quase um sussurro. — Isso tem um preço, não tem?Por um instante, os olhos dele endurecem. Ele se levanta, desviando o olhar para um ponto qualquer no quarto. O perfil sério, quase glacial, me deixa ainda mais confusa.Após uma longa respiração, ele finalmente me encara novamente.— Preço? — Ele balança a cabeça, visivelmente incomodado. — Não estou colocando preço no meu gesto. Estou fazendo o que meu coração manda. Mas, se você insiste em encarar dessa forma, então está bem: diga a si mesma que pagará por isso. Se isso te deixa mais confortável, que seja. Mas não quero que pense nisso agora.Eu apenas assinto, sem energia para prolongar o assunto. É claro que tem um preço, pe
Dois dias se passaram...É tarde, pouco mais de nove da noite, e meus olhos estão fechados. Não porque estou dormindo, mas porque não consigo encarar o vazio do quarto. Ontem, passei o dia todo esperando por Murat, cada som do lado de fora me fazia pensar que ele entraria pela porta a qualquer momento. Mas ele não veio. Tentei me convencer de que não importava. Não sou uma garotinha boba e dependente... mesmo que a realidade insista em me lembrar de que, no momento, sou exatamente isso. Desempregada, sem perspectiva, com uma mãe egoísta e carente, e agora dependente de um homem que parece me carregar como um fardo.Uma lágrima escapa antes que eu consiga segurá-la. Limpo-a rapidamente, como se negar sua existência fosse suficiente para me proteger de sua causa.Acho que ele não vem...Essa certeza amarga começa a se instalar quando sinto o aroma familiar e inconfundível que o precede. Meu coração dispara, ignorando minha razão, e antes que eu abra os olhos, sua mão desliza gentilmente
— Meu coração é de carne. Não de pedra como pensa — diz ele, a voz carregada de algo que não consigo decifrar completamente.Ele se levanta com firmeza, como se quisesse selar a conversa ali, antes que qualquer emoção o denunciasse. Seus olhos se fixam nos meus por um instante, mas rapidamente ele desvia o olhar, como se estivesse se protegendo.— Bem, vou indo.Inclina-se para mim e deposita um beijo na minha testa. É um toque breve, seco, mas firme. Não há hesitação em seu gesto, mas também não há suavidade. Parece um beijo de despedida, como se quisesse me lembrar de algo que não consigo entender.Então ele se afasta, endireitando os ombros largos, o peito estufado como se carregasse um escudo invisível. Seus passos são decididos, ecoando pelo quarto em uma marcha de orgulho inabalável. Eu o observo até que ele desapareça pela porta, deixando apenas o cheiro amadeirado de seu perfume e um vazio que parece preencher todo o ambiente.Sozinha novamente, a voz na minha cabeça começa a
Cheguei ontem à noite de viagem. A exaustão ainda pesa sobre meus ombros, mas não é apenas física. Hoje vou almoçar na casa de Hazal, mantendo a fachada que criamos. Ainda estamos na mesma situação, vivendo essa farsa. Para ela, também é conveniente. Seu pai, assim como o meu, está calmo, sem aquela urgência sufocante de encontrar pretendentes para nós.Hazal me confidenciou recentemente que está interessada em um rapaz da faculdade. Hoje eles são apenas amigos, e ele nem desconfia do sentimento dela. Quando ouvi isso, senti dois sentimentos opostos se agitando no meu coração. O primeiro foi um alívio genuíno, a felicidade de saber que não estou ferindo ninguém com essa encenação. Mas, ao mesmo tempo, uma tristeza inesperada por ela se abateu sobre mim.Será que ela percebe a situação em que está se colocando? Se ela abrir seu coração para ele, precisará estar pronta para enfrentar as consequências. Será como lançar uma pedra em um ninho de vespas. Esses costumes que nos prendem são co
Dois dias depois...Murat surge no meu quarto quando Julia está literalmente me colocando na cama. Eu estremeço ao vê-lo parado ali, lindo, na soleira da porta. —Pode deixar Julia —diz se aproximando. Suas passadas largar o colocam logo ao meu lado. Ele me cobre com o edredom.Calado, passa os olhos pelos meus cabelos molhados. —Não é bom lavar os cabelo à noite. —Hoje...eu passei mal.Ele se senta na cama, seu olhar é preocupado.—O que você sentiu?—Dor. Passei o dia inteiro na cama, agora que me animei para tomar banho. Meu cabelo estava sujo, por isso o lavei. Estava me incomodando.Ele me olha fixamente. —Tudo bem.Eu reparo que ele está apático. Não parece o Murat que conheci.—O que houve com você Murat, você está diferente?—Eu ando cansado, só isso. —Entendo.—Desculpe-me pela forma que eu saí daqui outro dia — ele diz olhando para os meus lábios como que enfeitiçado por eles. —Tudo bem.Seus olhos sobem e encontram-se com os meus. Ele parece tenso agora.—Podemos ser a
Há mais de quinze dias que eu não vejo Murat. A ausência dele, embora esperada, deixou um vazio difícil de ignorar. Agora ele está aqui, sentado no cantinho da minha cama, e sua presença parece preencher cada espaço da minha alma. O ar ao meu redor fica mais denso, carregado com a energia que só ele consegue trazer.Ele se inclina ligeiramente para frente, e por um instante, meu coração salta, esperando algo mais íntimo. Mas ele apenas ajeita meu travesseiro, um gesto simples que, vindo dele, carrega uma ternura devastadora. Meu coração dispara, meu peito quase dói com a força das batidas. Ele sempre tem esse efeito em mim: esse turbilhão interno que me deixa sem ar, sem chão, sem defesas. Tento disfarçar, mas sei que falho. Meu olhar o entrega, e o desejo se mistura com uma tensão que me deixa petrificada. A única coisa que me impede de parecer uma estátua é minha respiração, agitada, quase ofegante.Ele percebe. Claro que percebe. Os olhos dele ficam mais escuros, mergulhando nos me
—E Tereza? Ela parece meio mãezona.Eu sorrio com o feeling dele.—Ela é, mas tem o trabalho dela.... Você poderia vir mais vezes me ver. —As palavras saíram de minha boca antes que pudesse contê-las.Ele me olha cuidadoso. Isso que está começando a me irritar nele. Seus gestos são todos programados. Até o beijo que ele me dá ou quando sua mão toca a minha, não tem nada de ameaçador.—Eu verei o que posso fazer.Eu verei o que posso fazer?—Isso, olha sua agenda. Quando não estiver escrito Hazal, aí você vem.Murat sorri e aproxima seu rosto do meu.—Você está com ciúmes?A presença dele me desestabiliza, assim tão perto me faz perder o fôlego. Não consigo falar enquanto Murat me olha, inundando-me com sensações. É difícil respirar, ou pensar em qualquer outra coisa além da masculinidade dele.Sou uma confusão de sentimentos, estou me recuperando de um trauma, mas estou bem o suficiente para me dar conta do quão esse homem me afeta. Quando ele me olha assim, com certeza é uma válvula