Dois dias se passaram...É tarde, pouco mais de nove da noite, e meus olhos estão fechados. Não porque estou dormindo, mas porque não consigo encarar o vazio do quarto. Ontem, passei o dia todo esperando por Murat, cada som do lado de fora me fazia pensar que ele entraria pela porta a qualquer momento. Mas ele não veio.Tentei me convencer de que não importava. Não sou uma garotinha boba e dependente... mesmo que a realidade insista em me lembrar de que, no momento, sou exatamente isso. Desempregada, sem perspectiva, com uma mãe egoísta e carente, e agora dependente de um homem que parece me carregar como um fardo.Uma lágrima escapa antes que eu consiga segurá-la. Limpo-a rapidamente, como se negar sua existência fosse suficiente para me proteger de sua causa.Acho que ele não vem...Essa certeza amarga começa a se instalar quando sinto o aroma familiar e inconfundível que o precede. Meu coração dispara, ignorando minha razão, e antes que eu abra os olhos, sua mão desliza gentilmente
— Meu coração é de carne. Não de pedra como pensa — diz ele, a voz carregada de algo que não consigo decifrar completamente.Ele se levanta com firmeza, como se quisesse selar a conversa ali, antes que qualquer emoção o denunciasse. Seus olhos se fixam nos meus por um instante, mas rapidamente ele desvia o olhar, como se estivesse se protegendo.— Bem, vou indo.Inclina-se para mim e deposita um beijo na minha testa. É um toque breve, seco, mas firme. Não há hesitação em seu gesto, mas também não há suavidade. Parece um beijo de despedida, como se quisesse me lembrar de algo que não consigo entender.Então ele se afasta, endireitando os ombros largos, o peito estufado como se carregasse um escudo invisível. Seus passos são decididos, ecoando pelo quarto em uma marcha de orgulho inabalável. Eu o observo até que ele desapareça pela porta, deixando apenas o cheiro amadeirado de seu perfume e um vazio que parece preencher todo o ambiente.Sozinha novamente, a voz na minha cabeça começa a
'' Ah se a gente soubesse o quanto o carinho salva, a atenção alimenta e a união fortalece. Não estaríamos a perder mutualmente todos os dias... ''.” Regina SouzaEster Marshal. —Vamos nos ver essa noite?Murat ergue os olhos para mim, tirando dos documentos que estava lendo. Ele então os guarda na pasta dizendo:—Não!Seco.Sem explicações.Antes não me incomodava, mas agora está começando a me incomodar.Trêmula, coloco a xícara de café sobre a mesa.—Posso saber que compromisso é esse? -Questiono, o encarando, revelando que quero muito mais que um "não". Quero uma explicação.Quando ele me olha com cara amarrada, enfio minhas mãos debaixo da mesa para ocultar o tremor.—Trabalho. Ester, você sabe que luto por nós. Gostaria que confiasse mais em mim. Não gosto de dar satisfação da minha vida. Por que essa pergunta agora? -O tom de sua voz sai amargo.Eu forço um sorriso.—Faz dias que não nos vemos, achei que ficaríamos mais tempo juntos.Por baixo da mesa, eu aperto as mãos, crav
Sei que concordei com tudo isso, já faz um ano e meio que levo essa vida. Murat já se acostumou com minha disponibilidade para ele, mas ele está cada vez mais ausente e eu o amo, isso tem acabado comigo. Preciso começar a pensar no meu futuro. Não sei se conseguirei continuar como sua amante.—Murat, eu quero fazer esse teste.Ele se aproxima e segura o meu rosto.—Eu te dou tudo que uma mulher possa desejar. Você não precisa disso. Não precisa trabalhar. Você é minha Ester e precisa de mim mais do que quer admitir. —Ele então me olha calado por um tempo. —Eu preciso de você. E muito! Você não tem ideia o quanto.Eu estremeço de prazer com a confissão dele. Mas isso é quebrado quando o vejo passar o lenço em seus lábios retirando meu batom que manchou sua boca, me lembrando que ninguém sabe de nós. Então, ele se vira e pega sua pasta no sofá. Deixa o apartamento.Solto o ar e trêmula caminho até o sofá. Praticamente desabo nele.Ele está certo quando disse que eu preciso dele. Ele é
Um ano atrás...Mansão dos ÇeliksChego à mansão por volta das 07h00min, me apresento aos seguranças que me deixam entrar, a governanta que me espera, deu a permissão.Caminho puxando minha mala de rodinhas reparando na beleza arquitetônica da casa, o jardim maravilhoso com uma cascata bem no centro. Um grande bolsão formado por paralelepípedos rodeia esse jardim.A casa é forrada de pedras brancas. Jardineiras com flores vermelhas enfeitam as janelas. Do seu lado direito, as portas balcões imensas dão acesso à uma varanda lateral ornamentada com lindos vasos.A governanta está na porta da entrada me esperando. Ela tem uns cinquenta e cinco anos.—Bom dia Ester, eu sou a Rose.—Prazer em conhecê-la.Ela me avalia, passando os olhos pela minha figura magra.—Trabalho com os Çelik há mais de vinte anos e confesso que é a primeira vez que me recebo uma garota tão bonita e tão magrinha como empregada. Você dará conta do recado?Meu coração se enche como medo de ela me rejeitar:—Sou magra
Ela sorri satisfeita.—Espero que se dê bem na cozinha.—Eu também. Sempre gostei de cozinhar. Sei alguns pratos. Aprendi alguns novos com a minha tia, nos tempos que fiquei na casa dela também. Sei fazer de tudo um pouco. Claro que só a culinária do dia-a-dia, nada da culinária mais sofisticada. Mas tendo um livro de receitas, consigo reproduzir tudo.Minha tia é uma pessoa muito simples, mas adorável. Muito diferente da minha mãe, que se casou com meu pai por causa do dinheiro.—Ah que bom. Bem, mas o importante é a noção de cozinha e isso você tem. Então, vamos lá?—Sim, Rose. Não vejo a hora de começar. O senhor Çelik virá para almoçar?—Não, só para jantar. Mas ele não come muito no jantar. Uma comida mais leve. Ele adora ensopados, sopas, tudo que tem molho.—Hum, está certo.—Tire esse uniforme que vou pegar outro para você.—Está certo.Eu a espero de calcinha e sutiã sentada na cama, pouco tempo depois ela surge com o novo uniforme. Ele é vestido um pouco grosso branco, com b
Ele saía de uma sala de reuniões acompanhado com alguns executivos. Na época ele estava com muletas, ainda posso ouvir o seu gemido de dor. Meus pensamentos me levam àquele dia:O choque foi violento, ouço o baque de algo caindo no chão. Então vejo as muletas. Quando ergo meu rosto dou com um homem lindíssimo pálido se segurando na parede gemendo de dor. Seu pé está enfaixado. Fico totalmente sem reação olhando para ele. Reparo no seu relógio de ouro e nas roupas finas dele.Que droga! Penso na hora que vejo o quanto esse gringo parece ser importante. —kahretsin! (Mas que merda!) Você quase me derruba no chão! —Ele diz abafado ainda se segurando na parede.Ele é árabe? Penso o encarando sem saber o que fazer e confesso que mais baqueada pela beleza desse homem do que por qualquer outra coisa.—Perdoe-me senhor, foi sem querer. Está doendo muito?Ele ergue o rosto e eu prendo o ar quando dou com seus lindos e expressivos olhos negros que combinam muito com ele...Um dos homens que o
Caminhamos juntos pelo largo corredor do hotel sentido aos elevadores. Eu estou lutando para manter calma, mas não está fácil. Relanceio os olhos para ele e vejo uma espécie de sorriso nos seus lábios, isso só piora as coisas, mas estou muito cansada para raciocinar, ou tentar entender tudo isso.O elevador está com as portas abertas. Entramos nele. Ele aperta o décimo andar. A música ambiente é romântica e piora muito as coisas. Olho para baixo, constrangida.—Não nos apresentamos.Relutantemente eu ergo o meu rosto e o encaro.—Ester Marshal. —Digo.—Murat. —Ele diz estendendo a mão para mim. Percebi que ele não me disse o seu sobrenome.Pego a sua mão e sinto o seu aperto firme. Os meus batimentos já rápidos, aceleram. O calor das suas mãos e a intensidade dos seus olhos provocam reações no meu corpo que estremece. De repente sinto como se tivesse entrando num campo magnético que me puxa para ele.As portas se abrem me trazendo para a realidade. Só então ele solta a minha mão. Saím