Preciso pensar com a razão, segurar firme as rédeas da lógica e não deixar que as emoções me conduzam. Tudo isso é um jogo, e eu conheço as regras. Ele é o caçador, e eu, a presa. Nada mais. Não há espaço para romantizações baratas, nada de histórias perfeitas como em livros ou comédias românticas. Isso aqui é a vida real. E a realidade é esta, se eu não agir agora, vou afundar antes mesmo de perceber. Preciso sair dessa casa enquanto ainda estou só na atração. Antes que essa emoção cresça e me arraste para um lugar sem volta.Minha decisão está tomada: pedir as contas e encarar o mundo lá fora e nunca olhar para trás. Melhor voltar para o pulgueiro onde morava, onde ainda podia sonhar sem correntes. Aqui, neste lugar, não há espaço para respirar. Não consigo sequer receber ligações sobre novas oportunidades sem ser interrompida por ele ou pela sombra que ele projeta sobre tudo. Se eu consegui este emprego, consigo outro. Só preciso encontrar a saída antes que seja tarde demais.Murat
Estou lavando a louça do café da manhã. Murat e o senhor Çelik tomaram juntos hoje cedo. Murat estava sério, com o rosto fechado. Mal me olhou. Não sei se ficou ofendido com a minha observação de ontem ou se agiu assim para não dar bandeira na presença do pai. Talvez tenha sido por ambas as razões.A senhora Çelik tomou o café mais tarde e, logo depois, entrou na cozinha e foi para os fundos da casa.Estou angustiada. Quero muito falar com Rose, recuperar minha carteira de trabalho e pedir a conta. É a oportunidade perfeita, já que Murat estará ausente nos próximos dias.Assim que terminei a louça, fui atrás de Rose e a encontrei no quarto de Murat. Meu coração disparou ao sentir o perfume dele no ar. O cheiro preenchia o ambiente. Sobre a poltrona, a roupa que ele usava quando foi até o meu quarto era uma lembrança forte demais.— Rose.Ela parou de arrumar a cama e se virou para mim.— Aconteceu alguma coisa?— Não. Eu gostaria de pegar minha carteira de trabalho com você.— Por que
MuratO guarda-roupa vazio dela me atinge como um golpe seco no peito. Minha mandíbula trava, os músculos do maxilar têm vida própria, enquanto um turbilhão de emoções se desenrola dentro de mim. Dor, raiva, decepção... Não sei qual deles vai ganhar essa corrida desenfreada para dominar meu coração, mas sinto o gosto amargo de todos. E esse aperto na garganta? Angústia? Não sei. Tudo o que sei é que estou sufocando.Ofego. Minhas passadas ecoam no chão de madeira enquanto caminho de um lado para o outro no antigo quarto dela. Cada detalhe é um lembrete de que ela esteve aqui, mas agora não está mais. A cama perfeitamente arrumada. As cortinas que ainda carregam o perfume dela, tão sutil, tão cruel. O espelho vazio me devolve um reflexo que não reconheço.— Então ela foi embora? — murmuro para o vazio, a voz áspera como um punhal.Ela se aproveitou da minha ausência para fugir. Fugir de mim. Um riso seco escapa dos meus lábios, mais amargo do que qualquer insulto. Por que eu me importo
No dia seguinte, acordei cedo. Isso já havia se tornado uma rotina. Tomei um banho morno em um dos dois banheiros, sempre muito disputados. Vesti uma saia social e uma camisa branca, combinando com sapatos de salto alto. Hoje, teria uma entrevista como recepcionista em uma construtora.— Bom dia. — Cumprimentei Margot, a dona da pensão.Ela, como de costume, havia preparado um café da manhã reforçado, mesmo que isso não fizesse parte do contrato. Acredito que seja pela minha magreza.— Bom dia. Mais uma entrevista de emprego?— Sim, espero que tudo dê certo. É a primeira entrevista na minha área. Só tem surgido empregos para os quais não tenho experiência.— Claro que dará, e você está muito bonita. Aliás, você é linda.— Ah, obrigada. Quero causar boa impressão.— Olha o que preparei para você.Ela colocou um prato com ovos mexidos com queijo, café com leite e torradas à minha frente. Sorri, emocionada.— Nossa! Você me fez um banquete. Obrigada.Uma garota se aproximou de nós, e eu
MuratMeu pai construiu seu império sozinho, vindo do nada. Por isso, sempre é dele a última palavra em tudo. Mal sabe ele o que estou armando bem debaixo do nariz dele. Não me orgulho disso, mas se eu não o fizer, ele me devora vivo.Agora ele está aqui no meu quarto, exibindo um sorriso satisfeito no rosto: — Então irá à casa de Hazal hoje? — Irei. — Digo, sem sorrir, enquanto coloco o meu blazer marrom.Meu pai aperta meu ombro direito. — Ela é uma ótima garota. Você escolheu bem, meu filho. Ainda bem que não evoluiu nada com as outras que apresentei. Hazal realmente é a melhor.Eu lhe dou um sorriso frio. — Eu sei.— Sua mãe não me amava quando nos casamos. Eu mal a conhecia. O amor foi construído ao longo dos anos, pedra sobre pedra. Claro que não é empolgante como uma paixão, mas o que tenho é forte e durável. A paixão é algo fugaz, ela vem rápido e passa.Solto o ar, ainda tentando me convencer disso. — Bem, vou indo. Já estou atrasado. — Digo, sentindo-me como se fosse a um ja
EsterFecho os olhos. Minha cabeça lateja como se estivesse sendo esmagada por dentro, a dor pulsante me obriga a manter as pálpebras cerradas. Cada batida ecoa como um tambor, abafando qualquer pensamento que não seja a tentação de me render ao vazio acolhedor da escuridão. Lá, pelo menos, não há dor. Não há peso.—A cuidadora que contratei ficará com você agora. É bom que se acostume com ela, pois depois ela continuará com você no apartamento.Eu luto para abrir os olhos, mesmo que cada fração de movimento pareça um esforço desumano. Quando finalmente consigo, a claridade do quarto me agride— Desde quando estou aqui? — minha voz sai rouca, frágil, como se tivesse atravessado um deserto de palavras. — Quando você soube do meu acidente?Ele me encara, os olhos tão intensos quanto de costume, mas há algo mais ali: cansaço, talvez raiva.— Faz uma semana. Eu acompanho seu caso desde o início. — Sua resposta é direta, seca, mas o peso de suas palavras é inegável. — Se não tivesse saído
'' Ah se a gente soubesse o quanto o carinho salva, a atenção alimenta e a união fortalece. Não estaríamos a perder mutualmente todos os dias... ''.” Regina SouzaEster Marshal. —Vamos nos ver essa noite?Murat ergue os olhos para mim, tirando dos documentos que estava lendo. Ele então os guarda na pasta dizendo:—Não!Seco.Sem explicações.Antes não me incomodava, mas agora está começando a me incomodar.Trêmula, coloco a xícara de café sobre a mesa.—Posso saber que compromisso é esse? -Questiono, o encarando, revelando que quero muito mais que um "não". Quero uma explicação.Quando ele me olha com cara amarrada, enfio minhas mãos debaixo da mesa para ocultar o tremor.—Trabalho. Ester, você sabe que luto por nós. Gostaria que confiasse mais em mim. Não gosto de dar satisfação da minha vida. Por que essa pergunta agora? -O tom de sua voz sai amargo.Eu forço um sorriso.—Faz dias que não nos vemos, achei que ficaríamos mais tempo juntos.Por baixo da mesa, eu aperto as mãos, crav
Sei que concordei com tudo isso, já faz um ano e meio que levo essa vida. Murat já se acostumou com minha disponibilidade para ele, mas ele está cada vez mais ausente e eu o amo, isso tem acabado comigo. Preciso começar a pensar no meu futuro. Não sei se conseguirei continuar como sua amante.—Murat, eu quero fazer esse teste.Ele se aproxima e segura o meu rosto.—Eu te dou tudo que uma mulher possa desejar. Você não precisa disso. Não precisa trabalhar. Você é minha Ester e precisa de mim mais do que quer admitir. —Ele então me olha calado por um tempo. —Eu preciso de você. E muito! Você não tem ideia o quanto.Eu estremeço de prazer com a confissão dele. Mas isso é quebrado quando o vejo passar o lenço em seus lábios retirando meu batom que manchou sua boca, me lembrando que ninguém sabe de nós. Então, ele se vira e pega sua pasta no sofá. Deixa o apartamento.Solto o ar e trêmula caminho até o sofá. Praticamente desabo nele.Ele está certo quando disse que eu preciso dele. Ele é