Capítulo 4

       — Há milhares de anos, nós, as fadas, nos retiramos do mundo dos humanos. Foi muito difícil nos adaptarmos ao nosso novo mundo, cheio de solidão. Algumas fadas não suportaram ficar longe dos campos, dos mares, dos bosques, dos animais, enfim, da vida terrena com todos os seus prazeres. E então voltaram, mas elas foram caçadas e exterminadas, como muitas outras criaturas mágicas que ousaram desafiar os tiranos que dominavam o mundo. Só nos restou então vivermos reclusas, bem longe da maldade daqueles que habitavam a Terra. Neste novo mundo, construímos nosso lar. Usamos toda nossa criatividade e sensibilidade para construí-lo. Você teve a chance de ver um pouco dele hoje, não foi?

Assenti com um gesto de cabeça. Ela continuou:

— Com as pedras que trouxemos da Terra, construímos nossos palácios, nossas ruas e até nossa natureza. Aqui tudo é feito de pedras preciosas, ouro, prata e cristais. Colocamos aqui nosso amor e nossa perfeição.

Ela fez uma pequena pausa e continuou:

— Sempre fomos amantes das artes, entre elas as nossas preferidas são a música e a dança. Todos os dias, ao alvorecer, nos reunimos, dançamos e cantamos em uma grande roda. Apesar de não vivermos no mesmo plano terreno, ainda podemos com o nosso poder proteger a natureza. Nossa arte é mágica, com ela sempre conseguimos nos conectar com o mundo dos homens. Aqui vivemos unidas, somos as fadas do ar, da água, do fogo e da terra. Esses quatro elementos, quando unidos, garantiram até hoje o equilíbrio da vida terrena. Nossa canção ecoa por todas as partes do mundo, todos os fenômenos da natureza estão intimamente ligados à nossa música e dança. Elas enchem a Terra dos humanos de beleza e amor. Sem elas, o mundo, com certeza, não teria sobrevivido até os tempos atuais.

A fada rainha parou de falar por mais algum tempo, eu a ouvia atentamente. Depois de alguns minutos ela retomou sua narrativa:

— Os homens não conseguem proteger a natureza. Eles retiraram dela tudo o que podem, exploram, maltratam e não a preservam como deveriam. Matam seus semelhantes por inveja e ganância, suas guerras destroem suas almas e seus corações. Estão sempre querendo mais e mais. Aprisionam e matam os animais, não cuidam como deveriam das criancinhas, que são as sementes do amanhã. A maioria dos humanos não se preocupa com o futuro da Terra, a sua própria morada.

Ela parou de falar e me olhou, seu olhar era profundamente triste.

— Você entende, Rick? — ela indagou.

— Sim, eu entendo! — ela falava como minha mãe. A fada continuou:

— Há alguns anos, uma fada muito especial conseguiu descobrir uma maneira de voltarmos ao mundo dos humanos sem sermos reconhecidas como fadas. Uma das pedras que colecionamos tem um poder diferente, uma pedra capaz de nos dar qualquer forma, sem, no entanto, fazer-nos perder nossos poderes   e nossa magia. De posse dessa pedra podemos transitar entre os dois mundos e assim desfrutarmos da alegria de passearmos pelos campos, observarmos o céu azul, nos banharmos nos rios e mares, vislumbrarmos o pôr do sol e principalmente darmos às pessoas que mais necessitam todo o nosso amor.

— Então vocês podem ir ao nosso mundo! Disfarçadas?

— Sim, nós podemos. Disfarçamo-nos das mais diversas criaturas, borboletas, pássaros, animais pequenos ou grandes, ou apenas como mulheres. Entretanto, antes do alvorecer, temos que estar todas de volta para o nosso ritual sagrado e assim garantir que o equilíbrio do nosso mundo e o mundo dos homens seja mantido. Nossa dança é muito importante para o equilíbrio da natureza.

— Fantástico! Só não entendo onde me encaixo nessa história! —exclamei.

— De posse de uma das pedras mágicas, uma das fadas de nosso reino foi passear pela floresta. Na floresta havia um belo rapaz, um mortal, ele estava procurando por novas ervas para serem usadas como remédios, era um jovem cientista. A fada o viu e apaixonou-se perdidamente por ele. Ela tomou a forma humana e o seduziu. O rapaz ficou tão fascinado pela beleza da fada que não queria deixá-la. Entretanto, a fada voltou para o nosso reino a fim de se despedir e voltar para viver com seu amado.

Ela parou de novo, parecia cansada.

— Vossa majestade está bem? — perguntei preocupado, entre- tanto, não queria que ela parasse logo agora.

— Eu estou bem! — ela respondeu e então continuou sua narrativa. — A fada não tomou os devidos cuidados e não percebeu que seu amado a seguiu até ao carvalho onde está o portal para o nosso mundo. Quando ela ia atravessar o portal mágico, o rapaz agarrou seu braço e junto com ela entrou na terra sagrada das fadas. Ela suplicou para que ele voltasse o mais breve para a Terra, alertando-o de que ele não poderia ficar ali, porém ele estava muito apaixonado e, mesmo descobrindo o segredo da linda jovem, não cedeu aos seus apelos. Ela disse-lhe que, se ficasse, jamais poderia voltar ao seu mundo, mas o rapaz não se importou. Mesmo com a desaprovação de algumas fadas, ela o mantinha protegido. Os dois viviam uma linda história de amor. Com o tempo todas as fadas começaram a aceitar o romance dos dois e não se importaram mais com a presença dele em nosso reino, eu como rainha das fadas os abençoei. Numa bela manhã, depois do ritual da dança a fada revelou ao jovem que esperava um filho dele. Um filho nascido do amor de uma fada com um humano! — ela me encarou com um olhar enigmático.

— Uma fada e um humano vivendo juntos! — exclamei admirado.

— O amor é um mistério, Rick, ele pode acontecer das mais diversas formas, você nem pode imaginar! — novamente ela me encarou e levou algum tempo para continuar a narrativa. Então ela continuou: — Ele ficou tão feliz que quis presentear a sua amada com flores. Porém, para colhê-las ele teria que voltar ao mundo dos humanos, pois em nosso reino não há flores. Acho que ele pensou que alguns minutos na Terra não fariam diferença, mas, infelizmente, ele estava muito enganado. Assim que atravessou o portal, seu corpo virou pó.

— Por quê? — perguntei.

— Porque no mundo das fadas um minuto vivido por um ser humano equivale a mais ou menos um ano.  Aqui o tempo    é completamente diferente. Já fazia muito tempo que aquele o rapaz vivia entre nós, ele era um mortal.

— Meu Deus, então o tempo dele na Terra já havia passado!

— Sim, e quando a fada descobriu o que aconteceu com seu amado ela ficou tão triste, mas tão triste, que assim que deu à luz à criança não quis ficar com ela, e então a levou para o mundo dos humanos. Ela saiu escondida de todas nós. Se soubéssemos, teríamos impedindo-a de fazer tal coisa. Mas quando descobrimos já era tarde demais. Naquele dia ela voltou sozinha. Não nos revelou onde havia deixado seu filho. A amargura tomou conta de seu coração. A melancolia era muito grande, tentamos de tudo para fazê-la feliz, mas foi tudo em vão. Ela já não participava mais do ritual ao alvorecer. Sempre se isolava. O seu sofrimento era visível. Ela continuou a nos ocultar o que tinha feito com a criança nascida daquele amor. Então, um dia, sem que percebêssemos, ela convenceu outras quatro fadas a deixarem para sempre o nosso mundo. Ela culpava nosso reino pela morte de seu amado. As outras fadas concordaram em viver para sempre na Terra. Elas não queriam mais voltar ao alvorecer.

Seu semblante ficou sombrio e seu olhar se perdeu. Depois de uma grande pausa ela continuou:

— A fuga das fadas causou em todas nós uma imensa melancolia. Eu sou a mais atingida, pois o sofrimento das outras fadas me faz ainda mais triste e fraca. Nossa dança ao alvorecer não acontece mais. Sem as fadas que se foram, nosso círculo perdeu toda a força. As cinco pedras que faltam são vitais em nossa árvore, a mágica se perdeu, não temos o poder de nos transformar em outros seres para visitarmos a Terra.

Ela fez uma pausa, uma lágrima caiu de seus olhos, e continuou:

— Não podemos ficar novamente aprisionadas nesse mundo, que, apesar de ser deslumbrante, já não nos faz plenamente felizes. Precisamos estar na Terra, precisamos sentir o perfume das flores, sentir o vento tocar nossas faces, precisamos de nossos banhos de mar, voar pela imensidão do céu azul, não podemos mais viver sem liberdade. As fadas que se foram não tem ideia das graves consequências que seus atos trouxeram para todas nós. Elas ignoram o perigo que a Terra corre sem nosso ritual ao alvorecer.

Olhei para ela e tentei entender o seu sofrimento. Mas eu não conseguia entender o que eu estava fazendo ali?

Foi então que ela falou:

— Precisamos de sua ajuda, Rick, você precisa descobrir o paradeiro das fadas que se foram e trazê-las de volta com as pedras mágicas. E o mais importante, Rick, você precisa encontrar sua mãe, ela é uma fada muito especial e amada por todas nós. A continuação da vida na Terra depende da luz que as fadas emanam. Nosso círculo é vital para o equilíbrio da natureza e a harmonia dos homens.

Naquele momento eu senti como se tivesse recebido um soco na boca do estômago.

— Eu sou a criança! — minha voz quase não saiu.

— Sim, Rick, você é aquele que buscávamos. Você é o único capaz de transitar pelos dois mundos. O futuro de nosso reino está em suas mãos.

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