Doutor, não sei como lhe falar tudo o que passei. Hoje é nossa primeira conversa e espero aos poucos ganhar sua confiança ao ponto que possa abrir meu coração e contar-lhe todos os detalhes de tão complexo momento ao qual tento sobreviver.
Não estranhe, doutor, sei que nossa conversa sempre ficará em caráter confidencial, mas é difícil falar de algo tão íntimo, contar um caso pelo qual poderei ser julgado por muitos como culpado, como aproveitador. Atuarão como juízes da minha vida e pedirão minha cabeça, como executores de uma acusação ao qual considero-me inocente. Sim, não sinto que sou culpado deste momento tão intenso e tão único que vivi. Algo que pareceu destinado para mim, algo tão intenso e inesperado que nem mesmo o mais criativo autor de novelas poderia desenvolver em seus enredos.
E é por isso que preciso saber se você vai conseguir me escutar sem estabelecer tal juízo. Sei que esta é sua profissão, mas, além disso, sei que é um ser humano como outros. Por isso, primeiro preciso me adequar a esta realidade para que consigamos conversar com tamanha franqueza.
Não pense que sou vítima do destino ou que ficarei aqui tentando justificar cada ato. Na verdade, estou aqui justamente para revelar um segredo tão íntimo que somente eu e ela sabemos de cada detalhe. Foi tudo tão bem elaborado, cada passo refletido, cada momento, cada olhar, cada telefonema, que até mesmo aqueles que um dia desconfiaram são hoje testemunhas de que não passava apenas de impressões e que nada aconteceu entre nós.
Ela. Sempre tem uma “Ela”. Acho que desde que o mundo existe, são essas “elas” a fonte de nossas dificuldades, a causa de nossas crises, nossa maior necessidade, o motivo de nossa existência... Pelo menos é assim que me sinto diante de tudo isso.
O problema, doutor, não é a existência dela, não, nunca será. O problema é que nossos destinos se cruzaram num momento tão inesperado que arrisco a dizer que chegou com um atraso de pelo menos doze anos.
Ou será que doze anos atrás o destino só queria me avisar de que esse momento estaria por vir?
Parece loucura, eu sei. Mas, mais do que isso, é como se esse tempo todo nós estivéssemos nos preparando para este encontro e quando aconteceu... bem, doutor, como posso dizer? Não é que possamos viver algo agora. Nem eu e nem ela.
Não, não me leve a mal. Não considero que ela seja um problema. Na verdade, a considero um bálsamo perfumado que massageia a minha alma e a cada encontro traz uma nova esperança a minha cansada alma e me fortalece para que eu possa continuar minha caminhada por essa tão sôfrega vida.
Parece que estou me contradizendo, mas estou vivendo em meio a contradições. Sou aquilo que disse nunca ser, ajo do jeito que disse que nunca agiria, vivo como nunca imaginei que viveria. Sou a luz que brilha no meio da noite e a luminária que se esconde no dia debaixo de panos para passar despercebido em meio à multidão.
E esse conflito? Bem, ele tem me deixado bem perdido em meu destino, doutor. É como se a vida não mais existisse. Se ao lado dela as horas se esvaem, quando não a encontro, é como se nem mesmo um momento valesse a pena ser vivido.
Sei que meu tempo de hoje está acabando, mas preciso desabafar um pouco mais. É possível que eu fique aqui, ainda que mais cinco minutos, doutor? Sei que deveria ter começado a falar assim que entrei, mas lágrimas sofridas insistiam em cair deste cansado e desesperado rosto. A intensidade de tudo que vivi é como se tomasse a minha vida e fizesse com que eu e ela (claro, doutor, ela está envolvida em tudo isso, é a fonte maior de toda a dor) estivéssemos ligados em um sentimento tão profundo e fluído que transpassa a própria dimensão humana, elevando-nos a um lugar genuíno, regado apenas de nosso amor. Se é assim que posso chamar aquilo que vivemos. Sei, doutor, que tudo foi algo além de uma paixão. E que talvez palavras não expressem estes sentimentos.
Algumas vezes o ato de exteriorizar sentimentos tão profundos, de colocar em palavras aquilo tudo que está guardado dentro do peito, de simplesmente dizer para alguém tudo que aconteceu, nos deixa mais leve. E é o que tento fazer nestes momentos que me restam.
Chamávamos isso na empresa de “efeito panela de pressão”. Se não falássemos, íamos criando uma pressão tão grande dentro de nós que éramos capazes de explodir. E essa explosão levou muitos dos meus. Vi aqueles que desfaleceram porque simplesmente deixaram de se abrir.
Talvez esse seja o meu maior motivador. Talvez seja esse o motivo que aqui estou, revelando segredos ocultos da minha alma para um estranho.
Não se ofenda, doutor, mas não o vejo de outra forma, mas como um estranho, alguém a quem contarei fatos que nem mesmo a pessoas próximas eu contei. Talvez, além dela e, claro, eu, por ter vivido esta louca história, somente o você, doutor, saiba do que estou passando. Que pela eternidade as páginas deste momento em que vivi sejam ocultadas pelas areias do tempo.
Mas isso será bom, assim você não me julgará. Apenas escutará os fatos e tentará me ajudar. Posso contar que assim seja? Pelo bem meu e pelo bem daquela que está tão envolvida quanto eu nesta história?
Ah, a pergunta que talvez esteja em sua mente neste momento tão complicado. Por que eu e ela não podemos simplesmente assumir o nosso amor e seguirmos vivendo aquilo que talvez há doze anos esperamos? Pois é, doutor, esta parte da história é um tanto complexa e talvez eu só vá falar dela agora. Mas eu estou em um relacionamento sério há anos e ela... bem. Ela vive sua vida ao lado de uma pessoa. Vivermos nosso amor às claras faria com que nossa história envolvesse outras pessoas. E estas pessoas, que nada sabem desta paixão louca e intensa que nos invadiu e que simplesmente acelera nosso coração com a troca de um simples olhar, talvez não sejam merecedoras de passar por esta situação.
Antes de ir, doutor, queria só dizer mais uma coisa: hoje consigo entender Guimarães Rosa, quando este disse tão sábias palavras: “Viver é muito perigoso”.
Olá, doutor, estou aqui novamente. Quando saí, achei que não voltaria, que era perda de tempo. Mas os acontecimentos dessa semana me fizeram refletir e ver que sim, eu precisava voltar. Não sei quantos encontros teremos, mas acredito que refletir na minha história dentro de uma linearidade me fará bem, pois pode ser que dentro de cada fala eu realmente descubra como transformar em palavras algo que ainda não consigo expressar. Ainda assim, doutor, não sei o quão linear minha história é, ou se há alguma lógica nesta história que hoje vivo. Só sei que, neste momento, preciso parar e refletir em tudo que aconteceu até aqui. Talvez, só talvez, assim eu encontre um rumo para os meus perdidos pensamentos. Quando saí daq
Doutor, por favor, me responda: é errado querer ficar ao lado de quem lhe faz bem? Pois esse é meu caso. Se há uma certeza nesta vida, é que ela faz bem para minha alma. Claro, doutor, há uma enorme atração física entre nós. Somente tocar aquele rosto, beijar aqueles lábios carnudos e sentir a doçura de sua boca me arrepia todo em cada lembrança. Só que é mais que isso. É algo que traz uma paz ao meu coração que não quero que os momentos acabem jamais.Mas quero tentar narrar de maneira linear. Lembro que falei que eu e ela caminhos e conversamos. Depois daquele dia, começamos a conversar mais. De início, fizemos algo muito natural. Trocamos o número de nossos telefones, contatos em redes sociais e e-mails. Lógico que utilizávamos esses meios para comunicação, como qualquer pessoa dessa geraç&atil
Sei que em nosso último encontro posso tê-lo chocado um pouco, doutor, pois antes não havia revelado o fato de que tanto eu quanto ela estamos em um relacionamento. E acho que é sobre isso que quero começar a falar nesse encontro, pois isso fará com que você entenda ou não mais um pouco do meu problema. Há mais ou menos dez anos eu estava solteiro, e havia terminado um relacionamento. Esse relacionamento me deixou desgastado e desanimado. Disse a mim mesmo que não me envolveria com ninguém durante um bom período para que pudesse reestabelecer as minhas forças. Neste intervalo, apareceu ela, uma mulher aparentemente gentil, inteligente, que buscava alcançar seus objetivos e que inicialmente apoiara a caminhada profissional que eu seguia naquele
Sei que posso ter chocado você, doutor, com minhas últimas revelações, mas preciso que me escute. Se no final de tudo quiser me julgar, me acusar de um destino que simplesmente aconteceu, eu gostaria desde já de lembrá-lo, como religioso que você diz ser, das palavras de Cristo: “Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Então, se ao fim de meu relato, você se achar inocente, aceitarei que condene, mas, antes, ao menos reflita em minha história e tente me entender. Em um dos últimos encontros, falei do aniversário de Joana Gabriela que se aproximava. Ela marcara um jantar em um restaurante para comemorar a data junto com familiares e amigos. E fez questão da minha presença. Naquele dia, tudo deu errado. Precise
Doutor, queria que você entendesse que relembrar todos esses momentos não é uma coisa muito simples. Tenho vontade de sorrir, por ter tido a oportunidade de viver cada um deles, mas tenho vontade de chorar, porque nunca sei o que vai acontecer depois, ou ainda se haverá um depois.Por outro lado, fico sem saber como agir, vivo a complexidade desse relacionamento na pele e sei como isso pode ser intenso. O fato é que tudo é tão complexo que simplesmente lembrar de momentos como esse me fazem chorar. Um choro nostálgico, de quem queria ter a oportunidade de viver tudo de novo ou fazer com que cada momento fosse eterno. Não sei o que aconteceria se tivéssemos a oportunidade de reescrever nossa história, mas sei, doutor, que alguns acontecimentos seriam realizados da mesma forma. Afinal, tudo aconteceu de uma forma tão natura
Veja bem, doutor, alguns momentos são divisores de destinos. E alguns acontecimentos também, por mais simples que possam parecer. E não podia ser diferente conosco. Acho que o destino gosta de brincar na simplicidade, tornando algo tão complexo e indescritível que no fim, nem mesmo nós, que passamos por tudo isso, conseguimos descrever os fatos de forma coesa. Sim, acho que o destino brinca conosco. Lembra o que relatei no último encontro? Um olhar que aconteceu por causa de uma chuva em um dia que não parecia que ia chover. Dois rostos que se encontram, dois lábios que se desejam e, no final, nada acontece. Não é estranho, doutor? Não é o destino brincando com nossas vidas?
Mais uma vez aqui estou, doutor. Hoje quero contar como se desenrolou a nossa aproximação após o apelido que encontrei para a doce Joana Gabriela. Ah, se você estivesse com ela, se ouvisse aquela voz melodiosa que tanto se assemelha aos cantos das mais belas sereias do mar, se olhasse os profundos olhos e se pudesse tocar naquela pele morena como eu pude, entenderia o meu drama e meu desespero. Desde que a chamei de bombom pela primeira vez, comecei a criar situações que envolvesse esta palavra. Frases soltas que, ao cair em seus ouvidos, seriam interpretadas de outra forma. Afinal, queria justificar que ela perguntou qual bombom eu queria provar. Ela, nesse momento, já havia percebido o quão enlouquecido eu estava e o quanto a desejava mais do que o ar que respirava. Pela manh&atild
Doutor, sei que parece uma coisa infantil ter apelidos bobos para se referir um ao outro. Mas a verdade foi que isso funcionou muito bem para ela. Assim que o treinamento voltou, ela chegou e conversava com uma outra colega. Lembro de passar ao lado dela e escutar uma inocente frase:– Bem vi um Papai Noel na rua que queria um bombom.Por mais que não pudesse demonstrar que entendi, eu sabia que ela estava tentando me provocar. Em meio ao treinamento, doutor. Que audácia!Respirei fundo e dei o recado que todos queriam ouvir, menos eu e ela:– Senhores, nosso treinamento entrará em recesso de final de ano. Neste período, avisaremos quem irá para a segunda fase.Senti uma ponta de decepção no olhar de Joana Gabriela. Eu queria já ter comentado com ela sobre isso, mas fui surpreendido com a notícia assim que cheguei no treinamento.O treinamento findou naquele dia com m