Sei que em nosso último encontro posso tê-lo chocado um pouco, doutor, pois antes não havia revelado o fato de que tanto eu quanto ela estamos em um relacionamento. E acho que é sobre isso que quero começar a falar nesse encontro, pois isso fará com que você entenda ou não mais um pouco do meu problema.
Há mais ou menos dez anos eu estava solteiro, e havia terminado um relacionamento. Esse relacionamento me deixou desgastado e desanimado. Disse a mim mesmo que não me envolveria com ninguém durante um bom período para que pudesse reestabelecer as minhas forças.
Neste intervalo, apareceu ela, uma mulher aparentemente gentil, inteligente, que buscava alcançar seus objetivos e que inicialmente apoiara a caminhada profissional que eu seguia naquele momento, já que me conheceu durante o período que comecei nesta área de atuação de treinamento.
O tempo foi passando, mantivemos nosso relacionamento, passamos por diversos momentos juntos, bons e ruins. Passamos a morar juntos e vivemos um relacionamento normal. Algumas vezes temos nossas diferenças, verdade, mas acabamos nos acertando.
Só que, de algum tempo para cá, além de ser uma pessoa que implica com minha carreira, principalmente por atuar diretamente com outras pessoas, passou a se tornar alguém que desgasta minha vida. Tem dias que eu simplesmente não quero nem mesmo chegar em casa e a encontrar. Ainda assim, estou em um relacionamento estável que não intento terminar. Até porque não seria justo, nem comigo, nem com ela e nem com tudo que construímos ao longo dos anos. Pelo menos é o que penso até agora.
Você consegue entender esse lado da minha história, doutor? Não quero desestabilizar aquilo que demorei muito a construir. Estou errado?
E existe o outro lado da história. Em uma conversa ela me falou melhor do relacionamento que vivia. Era algo conturbado. Uma pessoa que não tinha nenhum motivo para que ela se interessasse. Preguiçoso, não gostava de trabalhar e queria que ela conseguisse dinheiro para ambos. Ainda que não morassem juntos (diferente do meu caso), ele passava mais tempo na casa dela do que na dele. E ainda não demonstrava interesse em nada que ela fazia.
Doutor, espero que não pareça que sou uma espécie de legalista, que quer mostrar o quanto conhece aquilo que é o correto diante da sociedade, o que é estabelecido pelas leis e o que é bem visto pelo povo. Não, nada disso.
Agora dá para entender um pouco de como me sinto?
E então, em meio a tudo isso, surge ela, Joana Gabriela, e mostra outro lado do meu ser. Mostra que ainda posso sentir algo tão forte e tão intenso por outra pessoa.
Complexo? E qual relacionamento não é?
Doutor, não me olhe assim. Não me julgue com esse olhar que diz que não sou uma pessoa séria. Não. Não sou um canalha aproveitador como você deve achar. Sou alguém envolvido em um complexo paradoxo da qual não sou inocente muito menos culpado.
Na verdade, desde antes de tudo começar, a crise existencial de minha vida começou, pois como me envolver com alguém se já tinha um outro caminho para seguir? E, ao mesmo tempo, era alguém que seguia seu próprio caminho também.
Doutor, não tenho como explicar. Só sei que ela mexeu de uma forma comigo que estou sem saber o que fazer.
E você entenderia muito bem isso se conhecesse ela, se passasse pelo menos um dia com Joana Gabriela.
Sei que posso ter chocado você, doutor, com minhas últimas revelações, mas preciso que me escute. Se no final de tudo quiser me julgar, me acusar de um destino que simplesmente aconteceu, eu gostaria desde já de lembrá-lo, como religioso que você diz ser, das palavras de Cristo: “Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Então, se ao fim de meu relato, você se achar inocente, aceitarei que condene, mas, antes, ao menos reflita em minha história e tente me entender. Em um dos últimos encontros, falei do aniversário de Joana Gabriela que se aproximava. Ela marcara um jantar em um restaurante para comemorar a data junto com familiares e amigos. E fez questão da minha presença. Naquele dia, tudo deu errado. Precise
Doutor, queria que você entendesse que relembrar todos esses momentos não é uma coisa muito simples. Tenho vontade de sorrir, por ter tido a oportunidade de viver cada um deles, mas tenho vontade de chorar, porque nunca sei o que vai acontecer depois, ou ainda se haverá um depois.Por outro lado, fico sem saber como agir, vivo a complexidade desse relacionamento na pele e sei como isso pode ser intenso. O fato é que tudo é tão complexo que simplesmente lembrar de momentos como esse me fazem chorar. Um choro nostálgico, de quem queria ter a oportunidade de viver tudo de novo ou fazer com que cada momento fosse eterno. Não sei o que aconteceria se tivéssemos a oportunidade de reescrever nossa história, mas sei, doutor, que alguns acontecimentos seriam realizados da mesma forma. Afinal, tudo aconteceu de uma forma tão natura
Veja bem, doutor, alguns momentos são divisores de destinos. E alguns acontecimentos também, por mais simples que possam parecer. E não podia ser diferente conosco. Acho que o destino gosta de brincar na simplicidade, tornando algo tão complexo e indescritível que no fim, nem mesmo nós, que passamos por tudo isso, conseguimos descrever os fatos de forma coesa. Sim, acho que o destino brinca conosco. Lembra o que relatei no último encontro? Um olhar que aconteceu por causa de uma chuva em um dia que não parecia que ia chover. Dois rostos que se encontram, dois lábios que se desejam e, no final, nada acontece. Não é estranho, doutor? Não é o destino brincando com nossas vidas?
Mais uma vez aqui estou, doutor. Hoje quero contar como se desenrolou a nossa aproximação após o apelido que encontrei para a doce Joana Gabriela. Ah, se você estivesse com ela, se ouvisse aquela voz melodiosa que tanto se assemelha aos cantos das mais belas sereias do mar, se olhasse os profundos olhos e se pudesse tocar naquela pele morena como eu pude, entenderia o meu drama e meu desespero. Desde que a chamei de bombom pela primeira vez, comecei a criar situações que envolvesse esta palavra. Frases soltas que, ao cair em seus ouvidos, seriam interpretadas de outra forma. Afinal, queria justificar que ela perguntou qual bombom eu queria provar. Ela, nesse momento, já havia percebido o quão enlouquecido eu estava e o quanto a desejava mais do que o ar que respirava. Pela manh&atild
Doutor, sei que parece uma coisa infantil ter apelidos bobos para se referir um ao outro. Mas a verdade foi que isso funcionou muito bem para ela. Assim que o treinamento voltou, ela chegou e conversava com uma outra colega. Lembro de passar ao lado dela e escutar uma inocente frase:– Bem vi um Papai Noel na rua que queria um bombom.Por mais que não pudesse demonstrar que entendi, eu sabia que ela estava tentando me provocar. Em meio ao treinamento, doutor. Que audácia!Respirei fundo e dei o recado que todos queriam ouvir, menos eu e ela:– Senhores, nosso treinamento entrará em recesso de final de ano. Neste período, avisaremos quem irá para a segunda fase.Senti uma ponta de decepção no olhar de Joana Gabriela. Eu queria já ter comentado com ela sobre isso, mas fui surpreendido com a notícia assim que cheguei no treinamento.O treinamento findou naquele dia com m
Na última vez que aqui estive, contei sobre o dia que ela teve problemas com seu material de trabalho no treinamento. Esse momento foi citado porque tudo que aconteceu depois foi consequência desse dia. Esse momento foi quase um marco zero em nossa história, foi quase um preparativo para tudo que ia acontecer nos dias subsequentes.Hoje e no próximo encontro irei falar sobre o dia que a devolvi o material consertado.Por que dois encontros? Porque foi um dia que muita coisa aconteceu. Foi um dia meio decisivo, o dia onde começamos a definir tudo aquilo que sentíamos um pelo outro. Posso dizer que foi o dia que aquela pequena chama que havia em nosso íntimo resolveu brilhar de uma forma estranha e decidida que é difícil descrever com palavras o que realmente aconteceu. Era uma explosão de sentimentos. Algo mágico. Como se estivesse determinado que ali tudo deveria acontecer.E tudo come&c
Doutor, existe algo mais complexo neste mundo do que a relação de um homem com uma mulher? Me diga, doutor, o que leva um ser humano a se encantar por outro? Quais são os efeitos científicos que acontecem no corpo humano que levam a essa aproximação?Quando conheci Joana Gabriela nunca imaginei tal aproximação. Na verdade, tudo foi acontecendo naturalmente. Conversávamos normalmente, e, de uma forma tão estranha e natural, fomos descobrindo pontos em comum. Tornamo-nos grandes amigos, pessoas que se gostam, que fazem bem um ao outro.E onde chegamos cultivando essa bonita amizade? Na tarde daquele dia tão especial para nossas vidas.Primeiro, doutor, entenda que nunca fui nenhum santo. Sustento um cargo de confiança, de incentivo, de formar pessoas dispostas a crescer intelectualmente. Mas quem eu sou, muitas vezes difere do profissional que eu sou. Afinal, sei separar muito bem
Doutor, quando o procurei, o fiz porque sei de seu largo curriculum e de sua experiência de anos. Por isso, tenho a esperança de que até o final de todos os encontros que teremos que eu possa ao menos definir parte daquilo que eu sinto. Sei que esse não é o principal objetivo de nossos encontros, na verdade nossos objetivos são outros. Mas não tenho como seguir se não conseguir entender o que sinto aqui dentro. E parece que palavras não conseguem definir isso.Mas, me diga, doutor. Na sua juventude, quantas vezes você falou que estava apaixonado? Quantas escutaram de seu lábio um “eu te amo” que parecia tão verdadeiro que até mesmo você acreditou nele? E quantas vezes foram somente palavras jogadas ao vento, que se perderam na linha de sua história, palavras que não devem ser nem lembradas por quem as ouviu?Pois é, doutor. Já