Doutor, por favor, me responda: é errado querer ficar ao lado de quem lhe faz bem? Pois esse é meu caso. Se há uma certeza nesta vida, é que ela faz bem para minha alma. Claro, doutor, há uma enorme atração física entre nós. Somente tocar aquele rosto, beijar aqueles lábios carnudos e sentir a doçura de sua boca me arrepia todo em cada lembrança. Só que é mais que isso. É algo que traz uma paz ao meu coração que não quero que os momentos acabem jamais.
Mas quero tentar narrar de maneira linear. Lembro que falei que eu e ela caminhos e conversamos. Depois daquele dia, começamos a conversar mais. De início, fizemos algo muito natural. Trocamos o número de nossos telefones, contatos em redes sociais e e-mails. Lógico que utilizávamos esses meios para comunicação, como qualquer pessoa dessa geração. Além disso, no serviço, eu precisava ter os dados de Joana Gabriela para qualquer emergência.
Aos poucos, aquele relacionamento treinador-treinada tornou-se uma amizade, sincera, pura, inocente. Sim, vou repetir essa trindade: sincera, pura e inocente. Afinal, no início, não havia nenhum tipo de interesse entre nós. Mais do que isso, doutor, digo sinceramente, que, acima de qualquer coisa que eu venha a contar, essa pura amizade ainda existe e sempre existirá. Não vejo Joana Gabriela somente como uma pessoa com quem me envolvi, ela realmente é uma amiga, alguém em quem posso confiar. A menos que esteja completamente enganado, e aí vou precisar de mais do que este tratamento.
Porém, voltando à minha história, eu e ela passamos a sair juntos todos os dias e a caminharmos conversando. E então, naturalmente, tudo começou.
Tentarei relatar cada encontro importante, cada momento que passamos juntos. Abrirei meu coração e contarei tudo aquilo que está escondido no meu íntimo. Por favor, não me julgue, doutor, o que menos preciso é de um juiz. Preciso de alguém que me escute, tente me entender e a partir dos dados que relatarei, traga uma luz para meu ser. Se não puder trazer uma luz, que pelo menos minhas palavras sejam eternizadas e conhecidas por alguém mais, por alguém neutro. Alguém que não interferiria em nenhum dos meus passos, mas pode servir de testemunha de um estranho e intenso caso de amor.
Dizer ao certo quando foi que surgiu um primeiro sentimento é difícil. Juro que tentei parar e pensar quando foi que aquele olhar se tornou algo mais. Acho que aos poucos foi nascendo em nossos corações e um dia simplesmente brotou. Às vezes associo ao nascimento do bambu japonês, que fica anos criando raízes dentro da terra e, quando brota, ninguém consegue arrancá-lo. Foi algo mais ou menos assim que aconteceu conosco.
Uso estes exemplos, comparações, frases e tudo mais, para tentar deixar mais simples aquilo que há aqui dentro, doutor.
Lembro-me de um dia em especial que acho que posso dizer ser o primeiro. E é por ele que quero começar, pois até aquele dia, nenhum sentimento havia brotado entre nós. Não tão claramente.
Nesse primeiro dia, falávamos de interesses. Do que eu gostava de fazer, do que eu sabia fazer, e daquilo que ela gostava. O assunto seguiu para o tipo de pessoa que ela esperava ter em sua vida. Perguntei sobre namorados e ela disse que estava enrolada, porém em busca de alguém que realmente a fizesse feliz. Ri, brincando que uma mulher tão bela como ela não precisava ficar sozinha. A resposta dela foi um leve sorriso e uma mexidinha no cabelo, fazendo charme para mim. Charme que exibia aqueles doces lábios e a pele iluminada pelo sol.
No final da caminhada, ela me abraçou e nossos olhos se encontraram. Acho que esse encontro de olhares foi um dos responsáveis por tudo que viria depois. Sim, aqueles olhos brilhantes, cheio de vida, cheio de luz, encontraram-se com os meus. Não sei quanto tempo passou. Sei que ficamos ali, abraçados, com olhares fixos.
Foi até um pouco constrangedor, porque depois de nos olharmos por alguns segundos, ou minutos, não sei, ambos desviaram o olhar, um pouco envergonhados.
Por fim, ela disse que precisava em sua vida alguém igual a mim.
Você acha, doutor, que essas palavras não mexeram comigo? Você acha que minha vontade não era me candidatar a ser essa pessoa ideal para ela? Mas não podia. Não, realmente não podia. E, por mais que as palavras dela fossem essa, havia alguém na vida dela, mesmo que não fizesse tanta diferença.
Por fim, depois que partimos, poucos momentos depois, ela me mandou um recado dizendo que seu aniversário estava chegando e que ela jantaria com amigos e familiares em um restaurante que muito conheço e aprecio. Ela fez questão da minha presença. Fui para casa. Meu coração palpitava por ela.
Não, doutor, não tenho medo de relacionamentos. Não. Não é uma questão de querer evitar algo mais sério com ela. Não. Nunca foi essa a questão.
A questão, doutor, é o motivo pelo qual muitos me julgariam culpado e que me acusariam de muitas coisas: eu... bem, eu já tenho alguém. Já vivo envolvido em um relacionamento do qual nunca pretendi me afastar. Porém, no meio disso tudo, surge este estranho sentimento em minha vida. E na dela também. E aí, doutor, envolvido com uma pessoa, sabendo que ela também estava com alguém, como viver este inesperado caso de amor que mais parece uma novela mexicana?
Sei que em nosso último encontro posso tê-lo chocado um pouco, doutor, pois antes não havia revelado o fato de que tanto eu quanto ela estamos em um relacionamento. E acho que é sobre isso que quero começar a falar nesse encontro, pois isso fará com que você entenda ou não mais um pouco do meu problema. Há mais ou menos dez anos eu estava solteiro, e havia terminado um relacionamento. Esse relacionamento me deixou desgastado e desanimado. Disse a mim mesmo que não me envolveria com ninguém durante um bom período para que pudesse reestabelecer as minhas forças. Neste intervalo, apareceu ela, uma mulher aparentemente gentil, inteligente, que buscava alcançar seus objetivos e que inicialmente apoiara a caminhada profissional que eu seguia naquele
Sei que posso ter chocado você, doutor, com minhas últimas revelações, mas preciso que me escute. Se no final de tudo quiser me julgar, me acusar de um destino que simplesmente aconteceu, eu gostaria desde já de lembrá-lo, como religioso que você diz ser, das palavras de Cristo: “Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Então, se ao fim de meu relato, você se achar inocente, aceitarei que condene, mas, antes, ao menos reflita em minha história e tente me entender. Em um dos últimos encontros, falei do aniversário de Joana Gabriela que se aproximava. Ela marcara um jantar em um restaurante para comemorar a data junto com familiares e amigos. E fez questão da minha presença. Naquele dia, tudo deu errado. Precise
Doutor, queria que você entendesse que relembrar todos esses momentos não é uma coisa muito simples. Tenho vontade de sorrir, por ter tido a oportunidade de viver cada um deles, mas tenho vontade de chorar, porque nunca sei o que vai acontecer depois, ou ainda se haverá um depois.Por outro lado, fico sem saber como agir, vivo a complexidade desse relacionamento na pele e sei como isso pode ser intenso. O fato é que tudo é tão complexo que simplesmente lembrar de momentos como esse me fazem chorar. Um choro nostálgico, de quem queria ter a oportunidade de viver tudo de novo ou fazer com que cada momento fosse eterno. Não sei o que aconteceria se tivéssemos a oportunidade de reescrever nossa história, mas sei, doutor, que alguns acontecimentos seriam realizados da mesma forma. Afinal, tudo aconteceu de uma forma tão natura
Veja bem, doutor, alguns momentos são divisores de destinos. E alguns acontecimentos também, por mais simples que possam parecer. E não podia ser diferente conosco. Acho que o destino gosta de brincar na simplicidade, tornando algo tão complexo e indescritível que no fim, nem mesmo nós, que passamos por tudo isso, conseguimos descrever os fatos de forma coesa. Sim, acho que o destino brinca conosco. Lembra o que relatei no último encontro? Um olhar que aconteceu por causa de uma chuva em um dia que não parecia que ia chover. Dois rostos que se encontram, dois lábios que se desejam e, no final, nada acontece. Não é estranho, doutor? Não é o destino brincando com nossas vidas?
Mais uma vez aqui estou, doutor. Hoje quero contar como se desenrolou a nossa aproximação após o apelido que encontrei para a doce Joana Gabriela. Ah, se você estivesse com ela, se ouvisse aquela voz melodiosa que tanto se assemelha aos cantos das mais belas sereias do mar, se olhasse os profundos olhos e se pudesse tocar naquela pele morena como eu pude, entenderia o meu drama e meu desespero. Desde que a chamei de bombom pela primeira vez, comecei a criar situações que envolvesse esta palavra. Frases soltas que, ao cair em seus ouvidos, seriam interpretadas de outra forma. Afinal, queria justificar que ela perguntou qual bombom eu queria provar. Ela, nesse momento, já havia percebido o quão enlouquecido eu estava e o quanto a desejava mais do que o ar que respirava. Pela manh&atild
Doutor, sei que parece uma coisa infantil ter apelidos bobos para se referir um ao outro. Mas a verdade foi que isso funcionou muito bem para ela. Assim que o treinamento voltou, ela chegou e conversava com uma outra colega. Lembro de passar ao lado dela e escutar uma inocente frase:– Bem vi um Papai Noel na rua que queria um bombom.Por mais que não pudesse demonstrar que entendi, eu sabia que ela estava tentando me provocar. Em meio ao treinamento, doutor. Que audácia!Respirei fundo e dei o recado que todos queriam ouvir, menos eu e ela:– Senhores, nosso treinamento entrará em recesso de final de ano. Neste período, avisaremos quem irá para a segunda fase.Senti uma ponta de decepção no olhar de Joana Gabriela. Eu queria já ter comentado com ela sobre isso, mas fui surpreendido com a notícia assim que cheguei no treinamento.O treinamento findou naquele dia com m
Na última vez que aqui estive, contei sobre o dia que ela teve problemas com seu material de trabalho no treinamento. Esse momento foi citado porque tudo que aconteceu depois foi consequência desse dia. Esse momento foi quase um marco zero em nossa história, foi quase um preparativo para tudo que ia acontecer nos dias subsequentes.Hoje e no próximo encontro irei falar sobre o dia que a devolvi o material consertado.Por que dois encontros? Porque foi um dia que muita coisa aconteceu. Foi um dia meio decisivo, o dia onde começamos a definir tudo aquilo que sentíamos um pelo outro. Posso dizer que foi o dia que aquela pequena chama que havia em nosso íntimo resolveu brilhar de uma forma estranha e decidida que é difícil descrever com palavras o que realmente aconteceu. Era uma explosão de sentimentos. Algo mágico. Como se estivesse determinado que ali tudo deveria acontecer.E tudo come&c
Doutor, existe algo mais complexo neste mundo do que a relação de um homem com uma mulher? Me diga, doutor, o que leva um ser humano a se encantar por outro? Quais são os efeitos científicos que acontecem no corpo humano que levam a essa aproximação?Quando conheci Joana Gabriela nunca imaginei tal aproximação. Na verdade, tudo foi acontecendo naturalmente. Conversávamos normalmente, e, de uma forma tão estranha e natural, fomos descobrindo pontos em comum. Tornamo-nos grandes amigos, pessoas que se gostam, que fazem bem um ao outro.E onde chegamos cultivando essa bonita amizade? Na tarde daquele dia tão especial para nossas vidas.Primeiro, doutor, entenda que nunca fui nenhum santo. Sustento um cargo de confiança, de incentivo, de formar pessoas dispostas a crescer intelectualmente. Mas quem eu sou, muitas vezes difere do profissional que eu sou. Afinal, sei separar muito bem