SÃO PAULO – 25 DE MARÇO DE 2017
RAONI YEKACAN ERA UM GAROTO paulista descendente de indígenas, era filho único de mãe solteira e por mais que sempre perguntasse pelo pai, sua mãe, Tainá, nunca falava absolutamente nada sobre ele, dizia apenas para esquecê-lo da mesma forma que os tinha abandonado antes de seu nascimento, agora era preciso abandoná-lo também e seguir a vida em frente, este era a única forma de viver plenamente a vida.Ele estava no último ano do ensino médio e suas notas eram sofríveis, o suficiente para passar de ano, mas insuficiente para passar pela vida como uma pessoa de sucesso, muitos professores afirmavam que ele sofria de TDAH – Transtorno de Déficit de atenção e hiperatividade, pois não conseguia se concentrar na sala de aula como os demais alunos.
Raoni não era bom em nenhuma matéria específica, enquanto seus amigos se gabavam, uns por serem de exatas e outros de humanas, Raoni simplesmente dizia:
— Um dia inventarei algo em que serei bom, muito bom, até lá estou ainda me descobrindo como pessoa.
Era engraçado ele falar isso na frente da sala toda, pois nenhuma pessoa ali se enquadrava como “seu amigo”, por ser descendente de indígena, nunca falavam propriamente seu nome, simplesmente o chamavam de cacique, índio, cabeça–de–pena entre outros apelidos, não que ele ligasse para aquilo, afinal, desde que se conhecia por gente, ninguém queria ficar ao seu lado.
Nem seu pai queria, porque iria desejar que as pessoas quisessem aquilo...
Seu próprio passado era um completo mistério, sua mãe simplesmente disse que após ficar grávida seu pai a expulsou da tribo e desde então só falava de vez e quando com a avó, uma mulher que em nada se enquadrava já em sua vida desenquadrada de tudo.
A diversão de Raoni era esporte individuais, como corrida e natação, pois não dependia da colaboração de ninguém, coisa típica de um filho único, ele simplesmente corria, nadava, saltava etc., e ia embora para casa, era como um fantasma diante da sociedade.
Ele admirava seus professores pelo conhecimento que tinha, admirava seus amigos mais descolados na escola, dos quais saiam com as mais diversas garotas, mas ele nunca tivera aquela sorte, e a única garota que, em tese, se interessou por ele era também uma das rejeitadas da escola, e ele sabia que aquilo não daria certo, dois rejeitados seria uma calamidade, e outra, era rejeitado por ser descendente de índios, e ela era rejeitada por ser descendente de orientais, mas no caso dela ainda tinha a questão de ser completamente desprovida de beleza e talvez de voz, quase ninguém sabia o que ela falava.
Raoni decidiu seguir em frente independente de qualquer coisa.
UM DIA ANTES DE SEU ANIVERSÁRIO de dezesseis anos, quase que morreu atropelado, se não fosse um homem que o puxou no último instante:
— Você está bem, garoto?
— É... acho que estou.
Mas o homem já havia sumido.
Se não fosse por ele, aquela existência miserável que chamava de vida chegaria ao fim, ele só não sabia se agradecia ou se viveria para culpá-lo por tudo que lhe acontecia.
Coincidentemente, aquela não era a primeira vez que alguém o salvava, quando tinha cinco anos de idade, durante a aula de natação, sua professora foi atender um pai, e ele pulou na piscina sozinho e não conseguia nadar direito ainda, até que um homem pulou e o salvou.
— Você está bem, garoto?
Ele assentiu, mas ao olhar para quem o salvara, só viu sua professora correndo em sua direção e o xingava de tudo quanto era nome por causa daquela travessura.
RAONI CHEGOU EM CASA e sua mãe estava fazendo comida.
— Está tudo bem, querido?
— Está sim, mãe.
— Deixei um pedaço de bolo separado para você, é o que mais gosta.
Raoni jogou a bolsa no canto do quarto e se jogou na cama e olhou para o pedaço de bolo de chocolate que também o espreitara.
— O que seria da minha vida sem você? – Disse sorridente e o devorou como se fosse a última vez na vida que comeria um pedaço de bolo, de certa forma, aquele pedaço de bolo seria realmente a última vez que veria por um bom tempo.
NOS DIAS DE ANIVERSÁRIO, sua mãe fazia seus pratos favoritos, ele adorava comida mexicana e italiana, sempre perguntava para a mãe se era descendente de um desses países, ela sorria e dizia que não, mas que qualquer pessoa do mundo se sentiria italiano ao comer uma bela macarronada.
Raoni foi para o quarto e ficou jogando videogame até adormecer.
Sua mãe entrou em seu quarto, desligou a televisão, o cobriu e lhe deu um beijo, ela sabia que a vida de seu filho não tinha sido fácil até ali, mas precisava manter a fé que tudo seria bom dali para frente, era sua única esperança...
Manter a fé...
AONI ESTAVA EM UMA FLORESTA densa, parecia que olhos o espreitavam o tempo todo e de tempos em tempos surgiam trovões no céu, mesmo não chovendo, ele sabia que algo ruim estava para acontecer quando um grande veado, com olhos flamejantes surgiu à sua frente, sorriu e disse: — Foi bom te encontrar novamente, grande guerreiro. E um relâmpago explodiu ao seu redor, fazendo com que o monstro a sua frente desaparecesse e apenas uma leve voz disse indo embora: Jurupari...RAONI ACORDOU ASSUSTADO com a tempestade que caia e a saraivada de trovões que sucediam, quando a campainha de sua casa soou.&
ELES EMBARCARAM NO AVIÃO e se assentaram.— Mãe, sei que não gosta de falar nisso.— Não me pergunte sobre seu pai. — Não entendo porque. — Não precisa entender tudo, Raoni, apenas siga o seu caminho, simples assim, você não precisa de alguém que nunca se importou com você... ele nunca se importa com ninguém. Raoni adormeceu após o avião decolar e teve um sonho.RAONI ESTAVA NA FLORESTA com seu corpo pintado para a guerra, ele não estava sozinho, tinha alguém com ele. — Siga-me, filho
A VIAGEM TRANSCORRIA sem maiores problemas, a não ser por uma visão um tanto quanto diferente. Raoni estava olhando a água, debruçado no parapeito deslumbrado com a inusitada viagem, quando viu uma sereia, e ouviu uma voz doce penetrar–lhe a cabeça: Venha grande guerreiro, seu lugar é ao meu lado... Era simplesmente a mulher mais bela que ele já tinha visto, cabelos ruivos brilhantes, seios enormes à mostra, olhos verdes e uma voz que encantaria o mais tolo dos homens, quiçá um garoto de quinze anos. Por um instante ele percebeu que iria cair, quando um homem o segurou e disse sorridente: &mdash
OS TRÊS CHEGARAM NA TRIBO e imediatamente o xamã os recebeu e foram para a sua tenda. O xamã o olhou atento. — Então sua avó estava certa, você é o grande guerreiro. Raoni bufou e tentou desvencilhar-se de seus olhares, mas o velho segurou seu queixo e o puxou de volta, dessa vez olhou profundamente em seus olhos. — Sabe que terá que cumprir uma grande missão, filho, a mais difícil de todas, recuperar a flauta de Jurupari, para que seu som traga a harmonia de volta para nosso lar, ela foi roubada por amazonas por muitos e muitos anos atrás, e só o grande guerreiro pode trazê-la de volta. 
RAONI CORREU POR TRÊS HORAS mata adentro, só então percebeu que tinha esquecido de comer algo. Droga... se não comer algo, não dá para continuar... Ele segurou seu talismã e disse: — Arco e flecha. Magicamente o talismã se transformou em um enorme arco, ele segurou na corda e automaticamente apareceu uma flecha. — Cara, isso aqui parece o arco do Erick da Caverna do Dragão, irado demais, cara. — Caverna do que? Raoni se virou e sem querer disparou a fl
- DROGA! ELE NOS ENGANOU DIREITINHO. — Não adianta ficarmos pensando nisso agora – disse Raoni – pelo menos estamos alimentados e cumprimos uma parte da profecia. — Que profecia? Ele se lembrou da parte em que tinha que desposar uma garota virgem e mudou rapidamente seus pensamentos. — Esquece isso, de qualquer forma temos que caçar um peixe e uma ave, o que vier primeiro será de bom tamanho. Eles andaram por mais de seis horas no meio da mata de noite ouviram os mais diversos sons de animais, apesar de assustador, Raoni estava adorando aquela aventura.&nb
O DIA ESTAVA AMANHECENDO, quando chegaram do outro lado do rio, tinha uma pequena fogueira com alguns peixes assando. — Louvado seja Guaraci, nos recompensou pela vitória. Eles comeram, descansaram um pouco e olharam para o rio e viram Iara se recompondo e indo embora. — Ela é ainda mais linda do que falavam as histórias. Pequena Princesa percebeu que Raoni estava olhando hipnotizado para Iara e lhe deu mais um tapa. — Cara, você não cansa de me bater não? Não percebeu que eu estava hipnotizado. — Só existe um jeito
ELES SE LEVANTARAM após descansar por meia-hora e continuaram.— Só temos mais dois dias para encontrarmos o fruto – disse Raoni triste.— Bem... já cumprimos boa parte da profecia. Ele olhou estranhamente para ela. — Mas você sabe qual a profecia? — Todos na tribo sabem que o grande herói tem que cumprir cinco etapas, é por isso que estou aqui. Raoni encostou a cabeça no tronco da árvore e bateu diversas vezes com a cabeça nela. — O que você está fazendo? — &