A Cidade
O Daniel tem todo o direito de participar da empresa.O tom de voz da sócia-diretora da Inovare Sports não agradava muito o seu ouvinte.
Agora, o futuro da marca era incerto, sobrecarregando Pérola que era a atual responsável da empresa e estava grávida de quatro meses e, mesmo com o apoio dos colaboradores externos, os problemas na diretoria pareciam longe de mitigar.
O falecimento de Vitor completava dez dias e a família Sartori não retornava as ligações da família de Jonathan Franco, mas naquela manhã a agente de Daniel deixou algumas mensagens para Pérola, comunicando que o escritor estaria na cidade nos próximos dias.
— Pérola, minha querida, só quero ajudar e como está sobrecarregada só penso em melhorar as coisas por aqui. Meu bem, estamos sem o Vitor e você tem que cuidar de tantas outras coisas, por isso, imaginei que ficaria mais perto do comando. – explicava Enrico, marido de Pérola — E não creio que o Daniel venha para cá.
— Enrico, eu acho bom ter o Daniel por perto, ainda mais agora que estamos passando por um momento tão tenso e cercados de especulações em cima da empresa e do acidente, não é fácil aguentar. Não aguento fugir de repórteres e ainda tenho que delegar funções que só cabem a mim e não posso transferir para outra pessoa.
— Mas, o Daniel vai poder – reclamou o advogado — E eu estou aqui do seu lado aguentando tudo.
— Não vamos começar com esse assunto. Por favor.
— Já falou com o Daniel?
— Não. Eles não estão falando com ninguém. A minha avó conversou com o senhor João tem uns três dias, mas não aprofundaram o assunto e hoje a Júnia me deixou esse recado que acabei de te contar.
Enrico, desfocou o olhar na diretora, fingiu ler algo na tela do computador e num tom mais ameno alfinetou o irmão do amigo.
— Quer dizer que o famoso escritor vai primeiro para uma festa super badalada, esquecer o luto e depois vai aparecer por aquela porta mandando e desmandando em tudo que o irmão deixou. Inacreditável!
Pérola que naquela manhã usava um vestido branco e uma echarpe florida, levou alguns segundo para assimilar tamanha ironia do marido, mas resolveu não rebater, apenas girou o corpo para a saída, porém antes fitou a imagem de um quadro.
As lembranças da paixão que viveu nos braços de Vitor eram tão vivas e tão fortes, porém abafada por conta fruto que carregava em seu ventre.
— O Vitor jamais será esquecido. O Daniel e a Mel estão cuidando do pai nesse momento. Você sabe como eles são unidos.
O marido ouviu aquelas palavras e não se abalou para em seguida aproveitar o gancho daquela conversa e pedir uma coisa, pela segunda vez naquela semana.
— Pérola, eu queria as chaves da sala do Vitor.
— A sala vai permanecer fechada e isso não é um pedido de esposa.
— Pérola, minha querida, não quero brigar e sei como está sendo difícil, poxa… Ele era meu amigo.
— Todo mundo sabe e por enquanto quero deixar exatamente tudo como o Vitor deixou. – a mulher respirou fundo e tocou na barriga — Eu vou pra casa agora e qualquer emergência me avisem.
— Tá bom. Descanse, Pérola e saiba que estou aqui e cuidarei de tudo e de vocês também.
A ex- modelo deixou a sala de criações e não reparou no olhar que o marido lançou para aquele ambiente, principalmente para o quadro que tinha a imagem do Vitor Sartori esquiando em *Aspen- Alaska.
Um olhar indecifrável.
***
Pérola deixou a agência e ficou aliviada por não encontrar mais fotógrafos ou repórteres a sua espera, então resolveu caminhar até uma certa delicatelle e durante a curta caminhada encontrou uma pessoa, assim que se viram uma sorriu para a outra.
— Que bom vê-la caminhar, apesar da palidez. E, como vocês estão?
— Muito bom encontrar com você. Ah, estamos bem.
Pérola respondeu para a irmã caçula.
— Hoje só passei na empresa pra uma reunião e assinar alguns papéis, sorte que ainda tenho uma boa equipe. E aonde está indo?
— Estava indo visitar você
— Com docinhos?
Pérola se referiu ao pacotinho que a irmã carregava.
—E docinhos também. - respondeu a irmã caçula sorrindo.
— Só você mesma. Me abrace Sabine, ainda é tão difícil...
— Eu sei o quanto ele era importante para você.
As duas se abraçaram, com carinho.
— O Enrico não facilita em nada...
— Brigaram de novo? – perguntou preocupada.
— Não existe briga é só um descontentamento mesmo.
As duas começaram a andar uma do lado da outra.
— É tão bom ter você do meu lado. A maioria das pessoas parecem que não entendem a minha dor.
—Vocês namoraram por longos anos, construíram uma empresa e tinham planos, o que as pessoas pensam são problemas delas.
—Tudo mudou tão repentinamente e no fundo sei do que me culpam.
As irmãs que agora andavam lado a lado eram diferentes. A mais velha era alta, morena, cabelos longos, traços finos e Sabine, a filha caçula do doutor Jonathan Franco e Ingrid, era moça mais tímida, de cabelos castanhos e cacheados, não era muito alta como a irmã, tinha os traços delicados e os olhos esverdeados vinham da parte materna.
Sabine Franco dividia o seu tempo com artesanatos e a delicatelle Sister Sun, um apelido que receberam ainda crianças e que a família achou um bom marketing quando compraram a antiga padaria para modernizar mais a cidade.
A Delicatelle Sisters Sun era uma sociedade de Martina e Sabine, porém a irmã do meio pouco aparecia no lugar e vivia a vida à beira da piscina e divertidas viagens, mesmo com a faculdade trancada, o dinheiro nunca era problema, além da mesada do pai havia também os lucros do charmoso estabelecimento.
No entanto, Sabine já tinha saído de casa e mantinha o próprio sustento.
Assim que Pérola e Sabine adentraram no estabelecimento, foram atendidas rapidamente pela prestativa funcionária que logo trouxe dois cappuccinos e dois pratinhos com cupcakes, em seguida chegou Martina.
—Nossa é o encontro das irmãs docinhos - brincou Martina, ocupando um lugar entre as duas irmãs.
— Milagre você por aqui –Pérola cutucou a irmã do meio.
— Estou aqui porque preciso de um como se chama mesmo, qual é aquela palavra...Vale. Eu preciso de Um Vale, Sabine.
— Um vale? –Sabine indagou antes de sorver o líquido — Não tenho como dar vale algum, não nesse momento.
— Por quê? A loja está sempre cheia de clientes e também sou a dona, sabia?
— Eu sei que também é a dona só que você nem aparece por aqui e no mês passado, tive que trocar o fogão e quero trocar as cadeiras e as mesas, no momento, estou pesquisando valores, bem que poderia ajudar.
— Trocar? Está tudo perfeito aqui e você manda em tudo mesmo, hein!
— Não, Martina – cortou Pérola — A Sabine trabalha e muito, mas bem que você poderia ajudar mais e não só quando tem alguma festividade ou quer se aparecer para os seus amigos.
— Nossa. Nem é tanto dinheiro assim, poxa...
— Sinto muito, Martina, daqui é que não dá não agora – Sabine explicava de forma simples para a irmã não criar caso no futuro.
— Passa o valor que eu empresto – disse Pérola, querendo cortar a brigar e aproveitar mais o momento com as irmãs.
Martina abriu um sorriso largo e fitou a caçula com vitória e ainda soprou, uma provocação.
— Piralha!
Sabine ouviu mas não esticou o assunto e voltou a sua atenção para a irmã mais velha que agora mais calma começou a desabafar.
— Hoje passei na agência e fiz uma pequena reunião, precisava tranquilizar a equipe e assinar alguns papéis. E, agora o Enrico não está gostando da vinda do Daniel para cá.
As duas arregalaram os olhos, surpresas.
— Daniel, aqui na cidade? – Martina, tinha um tom irônico enquanto Sabine ficou calada.
— Ele não vem morar, talvez venha mais para resolver algumas coisas. Acho que eles querem saber como está indo a empresa e tudo que era do Vitor, é normal.
— Mas, vocês nem se falaram no enterro – lembrou a irmã caçula
— Eu sei, preferi ficar distante e também a minha ficha só caiu nesses últimos dias.
— A Melissa faz o quê da vida mesmo? – perguntou Martina
— Ela é veterinária e trabalha mais no interior, em um haras.
— Vem todo mundo, depois de tanto tempo… - Martina rondava com um certo interesse.
— Só vem o Daniel, a Júnia é quem cuida da agenda dele e me avisou por mensagens essa manhã. A nossa avó quer que ele fique hospedado na casa Azul, mas no recado diz que ele vai ficar no hotel, por enquanto.
— Será que a dona Lígia já sabe? – indagou Sabine
— Não sei, a relação deles não são das melhores...
— Oras, Pérola todo mundo sabe que ela só tinha olhos para o Vitor e claro que a nossa querida avó quer um escritor em nossa propriedade.
Martina, usava a ironia para tudo, para falar, pensar, agir e sempre imaginando que agradava quem estava ao seu redor, já que para a família era comum aqueles modos. Agora pra quem era de fora, não gostavam ou não entendiam aquele comportamento.
— Bom, continuando o jeito é esperar ele chegar e decidir o que fazer, estou de mãos atadas e cansada de enviar notas para a imprensa que não para de inventar teorias. – desabafou Pérola para as irmãs que acompanhavam todo aquele fardo.
— Pode ser que ele venha depois da premiação, o filme recebeu indicação de melhor roteiro, é importante para a carreira e será daqui dois dias. – comentou Sabine, sem levantar emoções.
— Quem diria que a família da Cidade Baixa cresceria tanto assim na vida, com premiação estrangeira. Uau! – ironizou a morena Martina.
— Credo, você fala igual o nosso pai – ralhou Sabine
Pérola fitou a irmã caçula e se manteve quieta.
— Está sabendo bastante maninha. – Martina rebateu na mesma hora.
— Eu vejo os noticiários Martina, é só olhar na tevê ou na internet – defendeu-se Sabine.
— O Enrico tem medo do quê? – Martina mudou o rumo da conversa e virou-se para Pérola — Que os irmãos tomem a agência? Eles teriam esse direito? – perguntou um tanto curiosa.
— Acredito que sim já que o Vitor não deixou herdeiros...
Sabine, passou o olhar para Pérola, que alisava a barriga com cuidado.
Em seguida, os assuntos mudaram e Martina contou o destino do dinheiro. Pérola comentou que já estava pesquisando a decoração do quarto do bebê e estava encantada com tudo, porém ainda não queria comprar nada.
Depois disso Sabine apenas escutava as irmãs com toda calma e gentileza e assim que elas deixaram a delicatelle, voltou para o trabalho.
A noite do Prêmio Leão Branco.
A premiação era uma grande homenagem para os amantes da sétima arte. Uma festa como o Leão Branco era tão quanto importante como o Oscar, era uma noite linda de festa e um alto merecimento às equipes de cinema.
E aquela noite um brasileiro iria brilhar.
Quando a equipe do filme The Trump chegou, a expectativa dos fotógrafos era ter a imagem do roteirista, porém nenhuma câmera captou e assim souberam que Dan Sartori não estaria presente na festa.
A premiação seria televisionada e começaram com as apresentações, homenagens e algumas piadas ou discursos calorosos. O filme The Trump, era uma produção americana-brasileira, concorria em quatro categorias: melhor fotografia, melhor ator e melhor roteiro e melhor filme.
O enredo do filme The Trump era sobre um jogador compulsivo que passou os seus melhores anos de vida em luxuosos cassinos estrangeiros até que uma grave doença o faz repensar na vida e, então pede ajuda para a filha e o neto que tem uma vida simples no interior do Brasil. Entre lembranças do passado e a nova relação com uma família que sempre o rejeitou, os sentimentos vão se estabelecendo e florescendo até que um dia o homem que passa bom tempo do dia contando para o neto as suas jogadas e anos de glória decide fazer a sua última aposta.
A história familiar é um drama cheio de situações nostálgicas, psicológicas e surpreendentes e reflexivas.
Durante a premiação falaram sobre todos os filmes e os bastidores. No terceiro intervalo, falaram do filme que Sartori tinha roteirizado e o mostraram com o diretor e ator falando do filme e do preparo das cenas mais fortes, também mostraram o set de filmagem e a equipe bem entrosada e unida.
O filme ganhou todos os prêmios e quando o nome do Daniel Sartori foi pronunciado com o melhor Roteiro, quem subiu ao palco para receber o prêmio foi a atriz americana Brenda Sullivam.
Que além de amiga do escritor brasileiro, tem diversos papéis no cinema e em publicidades, foi uma das personagens do filme o Soldado de Papel e, desde então são amigos.
*Aspen- Alaska (cidade na Região Norte) que pertence aos Estados Unidos.
RicochetesNo momento em que Brenda Sullivan chegou ao palco, seguida pelo som dos aplausos, vestida com um longo cor de rosa, um belo colar e o penteado elegante, recebeu o prêmio do amigo das mãos de um importante convidado. Caminhou assim para o microfone e mirou com o seu doce olhar para uma câmera de frente para o palco.Com a estátua do Leão nas mãos e com sua voz macia, pronunciou tais palavras:— Boa noite a todos e para a academia que premiou essa noite o meu amigo Dan Sartori. Temos certeza que ele e todos da equipe do filme The Trump estão felizes e orgulhosos por todos os prêmios indicados desta noite e, todos sem exce&c
A chegadaO tema que envolvia os irmãos Sartori era dividia em dois assuntos: o acidente de Vitor e o prêmio de Daniel.Os dois irmãos que ainda jovens desbravaram o mundo com seus talentos, agora eram alvo de especulações de uma cidade com um cotidiano simples, turístico e comercial.Em São Paulo, Daniel antes de partir deu uma entrevista para o jornalista Paulo Dias do canal 27. Respondendo todas perguntas e aniquilando qualquer suspeita de suicídio e afastando uma ideia de que a família estaria contra a ex- noiva do irmão e agora a atual Diretora Executiva da empresa de publicidade esportista.A entrevista durou
Família Franco Alô.— Daniel?! Oi, sou eu a Pérola, soube agora que está na cidade. Chegou bem e como você está?— Oi, Pérola. Tudo bem. Cheguei essa manhã – respondia de bom agrado, mas já pensando numa maneira de não prolongar aquela conversa. — E você?— Eu estou indo, todos estamos… Eu tentei falar com você outras vezes...— Eu peguei os recados, desculpe não ter respondido antes, é que só agora as coisa estão ficando calmas.— Está sendo bem difícil, doloroso e sufocante, mas como está o seu pai?
Encontros Anoiteceu na cidade Campos. As luzes começaram iluminar ruas e vielas, sem deixar de admirar as fachadas dos comércios e pequenos prédios comercias. O trânsito tranquilo no final da jornada diária e, as praias com suas ondas calmas era o espetáculo no final do dia.Contudo, as luzes da mansão Franco estavam acesas para aquela noite, além do belo e charmoso jardim que era um charme a mais para qualquer olhar. Uma música lenta harmonizava o ambiente. O cheiro das flores suavizava ainda mais o ambiente.Naquela noite, não era um menino pobre precisando de ajuda,
Dor Daniel chegou na agência Inovare Sports por volta das dez horas naquela manhã de quinta-feira e Pérola já o esperava.— Bom dia Pérola.— Oi Daniel. Aqui estão as chaves da sala.— Você me acompanha?A chegada do escritor naquela manhã agitou alguns funcionários curiosos e outros surpresos, fora que ninguém sabia ao certo quando aquela visita iria acontecer, nem mesmo Enrico.Daniel e Pérola subiram as escadas e pararam diante da sala de Vitor, por alguns segundos, uma corrente forte passou por eles, um misto de dor e saudades.Respirar...
Desconfianças A entrevista mais aguardada do noticiário das dez naquela noite de domingo, começou com uma chamada tensa de poucos minutos que resumiu a vida de Vitor Sartori até os bombeiros o resgatando muito ferido e hipotérmico. E, por fim, a nota de falecimento.Pérola assistiu a reportagem ao lado da família, apesar das perguntas, eram as respostas que a deixavam um pouco tensa. Ainda mais quando seu nome foi citado em perguntas como:Paulo Dias:Dan, sobre as notícias passadas, aquelas que diziam que o Vitor estava passando por algum momento não muito bom na vida pessoal...Dan Sartori:O Vitor estava muito bem. Feliz
A atração— Não abrimos hoje – explicou Sabine — Na parte da manhã, adiantamos algumas coisas, arrumamos outras e depois do almoço todos se foram. Eu fiquei aqui cuidando das notas e preparando alguns docinhos.— O cheiro está bom, se quiser posso voltar em outro momento, não quero dar trabalho.— Imagina… Sente-se – Sabine era muito educada e não deixava transparecer a timidez, também controlava bem a emoção de estar ali apenas ela e ele – Vou fazer um cappuccino.Daniel ocupou a cadeira da mesma mesa que Sabine estava usando e aproveitou para observar o lugar
Amizades— A Brenda Sullivan está aqui. Agora. E na nossa casa?!— Ela chegou tem uma hora – explicava Pérola pela segunda vez — E ela está hospedada na Casa Azul, sim.— Preciso ir vê-la!A felicidade de Martina não os contagiou durante o café da manhã.— Você não vai incomodar ninguém – a mãe logo cortou aquela empolgação — Ela é uma hóspede na casa que sua avó ofereceu para o Daniel e você não foi convidada para ir até lá.— Mãe, a Brenda é uma estrela! E o Daniel foi meu colega de classe e...<