Vazio

A primeira semana após o acidente passou em um borrão de emoções conflitantes. A dor física que Maria Júlia sentia não era a única que a consumia. Sua mente estava cheia de incertezas, e o vazio que crescia entre ela e Ronaldo parecia maior a cada dia. Ele a olhava com carinho, mas algo estava diferente. O que antes era uma atenção constante se transformou em gestos rápidos e distraídos, como se ele estivesse sempre pensando em algo mais importante.

Era difícil para ela expressar isso, porque ele ainda estava ali. Ainda cuidava dela de uma forma que tentava ser reconfortante. Mas as pequenas mudanças estavam começando a se acumular, e Maria Júlia não podia mais ignorá-las.

Nos primeiros dias, ele estava sempre ao seu lado, ajudando-a com a cadeira de rodas, certificando-se de que ela estava confortável. Mas, com o passar do tempo, ele começou a se afastar mais e mais. Ele voltava ao trabalho, tentava retomar a rotina, mas Maria Júlia podia sentir que a conexão entre eles estava se desgastando, e ela não sabia o que fazer com isso.

Naquela tarde, o toque da campainha a tirou de seus pensamentos. Quando ela olhou para a porta, a enfermeira que Ronaldo contratou para cuidar dela entrou no apartamento. O rosto dela era gentil, mas Maria Júlia não conseguia evitar o pressentimento de que algo estava errado.

— Oi, Maria Júlia. Como você está hoje? — A enfermeira perguntou com um sorriso, mas o tom parecia um pouco forçado.

Maria Júlia não sabia o que responder. Como ela estava? Ela estava mais confusa do que nunca. Mas, em vez de dizer isso, ela apenas respondeu com um sorriso fraco.

— Eu estou... bem. Apenas cansada. — Ela tentava esconder o quanto se sentia vazia, sem saber para onde suas emoções estavam indo.

Nos dias seguintes, a enfermeira começou a ser uma presença constante. Ela sempre estava ali, trazendo remédios para Maria Júlia, mas, apesar da boa vontade, a quantidade de medicamentos que ela tomava começou a aumentar. Remédios para a dor, remédios para dormir, remédios para tudo. A enfermeira dizia que era para ajudar no processo de recuperação, mas algo parecia estranho.

Maria Júlia se sentia cada vez mais sonolenta. A cada manhã, ela acordava, mas a sensação de cansaço não desaparecia. O sono se arrastava durante o dia inteiro, e ela passava as horas mais acordada, mas sem energia para fazer nada. Quando ela se levantava para tentar algo, como se arrumar ou mudar de posição, o cansaço parecia piorar, tornando a cada movimento mais difícil. Ela ficou tão exausta que, quando a enfermeira sugeriu um medicamento para ajudar no sono, ela aceitou sem pensar muito.

A enfermeira sorria gentilmente enquanto entregava os comprimidos e dizia que era o melhor para a recuperação de Maria Júlia. Mas, em algum lugar dentro de si, Maria Júlia começava a sentir que estava perdendo o controle sobre sua própria vida.

E, enquanto Maria Júlia estava imersa nessa rotina, a presença de Ronaldo parecia mais distante do que nunca.

Quando ele voltava para casa após o trabalho, o que costumava ser uma reconexão com ela se transformou em momentos sem muito significado. Ele estava sempre mexendo no celular, os dedos rápidos, os olhos perdidos em uma tela que parecia mais importante do que ela.

Toda vez que ela tentava conversar, ele dava respostas curtas, distraídas, e a conversa nunca avançava para algo mais profundo. Ele falava sobre o trabalho, sobre pequenas coisas cotidianas, mas nunca sobre como ela estava se sentindo. Ela tentava se aproximar, mas ele parecia sempre ocupado, sempre distante.

Era como se ele estivesse ali, mas não estava. E, apesar de Maria Júlia tentar se convencer de que isso era apenas uma fase, algo dentro dela começou a se questionar.

A lembrança da ligação que ele teve na noite que ela ouviu, a conversa tensa e as palavras que ficaram ecoando em sua mente, começaram a crescer. Ela não podia esquecer o jeito que ele havia falado sobre "não ser um filho da puta" e de "ficar com ela". A sensação de dúvida a corroía, e uma ideia, que ela se recusava a aceitar, começou a surgir em sua mente.

Será que ele tem uma amante?

Ela queria afastar esse pensamento, queria acreditar no amor que ele dizia ter por ela. Mas, quanto mais ela via o comportamento distante dele, mais a dúvida se instalava. Ele parecia sempre tão preocupado, sempre falando com alguém, mas nunca ela. E as horas que passavam com ele se tornavam cada vez mais vazias.

Em um desses dias, quando ele chegou em casa mais tarde do que o normal, Maria Júlia estava sentada no sofá, olhando para a janela. Ela não sabia o que fazer consigo mesma. O remédio estava começando a fazer efeito novamente, e seus olhos estavam pesados. Ela ouviu a porta se abrir, mas não teve forças para se mover.

— Oi, Maria Júlia. Como foi o seu dia? — A voz de Ronaldo estava lá, mas ela não sentia o calor que costumava vir com ela. Era apenas uma pergunta sem resposta.

Maria Júlia não sabia o que dizer. Ela sabia o que ele queria ouvir, mas, naquele momento, ela não queria mentir para si mesma.

— Foi bem. Só... cansada. — A resposta saiu sem emoção.

Ronaldo se aproximou e se sentou ao lado dela, mas, mais uma vez, seu olhar estava fixado no celular. Ele parecia estar respondendo a mensagens, mexendo em algo que a tirava de sua atenção. Maria Júlia sentiu uma dor profunda no peito. Esse era o homem que ela amava, mas, ao mesmo tempo, era como se ele estivesse em outro lugar. Como se não a visse mais.

Ela tentou conversar, tentou puxar um assunto, mas ele continuava distraído. A última gota d'água foi quando ele atendeu uma ligação enquanto ela estava ao lado dele, tentando contar como se sentia.

— Não, eu sei... Depois a gente conversa sobre isso. Agora, preciso ver como ela está. — Ele disse, com uma pressa na voz. Maria Júlia se afastou, sentindo algo dentro de si quebrar.

O que estava acontecendo com ele? Onde estava o homem que ela amava? Onde estava o Ronaldo que jurava que estaria ao seu lado?

Ela queria acreditar que era só uma fase, que ele estava sobrecarregado. Mas as dúvidas começaram a se transformar em certezas. Ela se lembrava daquela conversa que ouvira, da tensão no telefone, e agora, com o afastamento de Ronaldo, ela não conseguia ignorar os sinais.

Naquela noite, enquanto ele se preparava para dormir, Maria Júlia ficou acordada, virada para o lado. O sono parecia vir mais rápido a cada dia, mas as sombras que ele deixava em seu coração não desapareciam. Ela não sabia como resolver isso, como falar com ele sobre o que estava sentindo, mas a dor de ser ignorada, de ser tratada como um peso, estava se tornando insuportável.

A mente de Maria Júlia estava em um turbilhão de emoções. Ela queria confiar nele. Ela queria acreditar que tudo estava bem, mas as evidências começavam a ser claras demais para ignorar.

E o pior de tudo é que ela sentia que, a cada dia que passava, ela estava se distanciando ainda mais dele. O que antes era amor agora parecia um eco distante de algo que já havia sido. E Maria Júlia não sabia por quanto mais ela conseguiria resistir a essa distância crescente entre eles.

Ela fechou os olhos, mas, em vez de encontrar consolo no sono, encontrou apenas mais perguntas e um vazio crescente que não conseguia preencher.

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