Maria Júlia O silêncio no quarto de hospital era sufocante. O barulho dos monitores cardíacos ecoava ao fundo, misturado ao cheiro característico de medicamentos e desinfetante. Eu sentia o peso da realidade cair sobre mim como uma avalanche, esmagando qualquer esperança que tentasse surgir."Você perdeu os movimentos das pernas.""Não podemos afirmar se a recuperação será total.""Precisamos de paciência e dedicação."As palavras do médico martelavam minha cabeça, repetindo-se como um eco implacável. Pisquei algumas vezes, sentindo o coração martelar contra o peito, como se tentasse escapar daquela prisão invisível.Tentei me mexer.Nada.Tentei mais uma vez, fechando os olhos com força, implorando silenciosamente para que fosse apenas um erro, um engano. Mas nada mudou. Meus membros inferiores estavam completamente dormentes, alheios à minha vontade.O desespero subiu pela minha garganta, queimando como fogo.— Isso é um pesadelo, né? — Minha voz saiu fraca, quase um sussurro.O Dr
O hospital parecia cada vez mais distante à medida que o carro avançava pela estrada. O céu estava nublado, e o vento frio batia contra o vidro do carro. O cheiro familiar de casa parecia ser o único alívio para Maria Júlia, mas, à medida que se aproximavam de seu apartamento, ela sabia que a vida como conhecia não seria mais a mesma.O elevador do prédio foi uma bênção. Ronaldo pressionou o botão com uma expressão tensa, mas Maria Júlia percebeu que ele tentava manter a calma por ela. O som da porta do elevador se fechando ecoou pelo corredor silencioso, e a sensação de estar indo para casa não trazia o conforto que ela imaginara.— Aqui estamos. — Ronaldo disse, tentando dar um sorriso reconfortante enquanto observava o rosto de Maria Júlia, pálido e cansado.Maria Júlia olhou para o apartamento imenso que os aguardava. Ela nunca imaginou que esse lugar, que tanto representava conforto e segurança, agora fosse o cenário de sua maior luta. Ela estava na cadeira de rodas, mas sabia qu
A noite estava mais fria do que o normal. O silêncio no apartamento parecia mais pesado à medida que a escuridão se espalhava. Maria Júlia se sentia exausta. Não só fisicamente, mas emocionalmente também. Cada movimento, cada ajuste na cadeira de rodas, parecia um lembrete cruel de sua nova realidade.Ronaldo, sempre atencioso, tinha sido o pilar sobre o qual ela se apoiava. Ele a ajudava com tudo. Desde o momento em que saíram do hospital, ele fez questão de garantir que ela estivesse confortável, mesmo que estivesse se perdendo um pouco em seu próprio desespero.Agora, ali, na cama do quarto, Maria Júlia sentia seu corpo relaxar com o remédio para a dor. Ela sabia que estava cansada demais para reagir, para enfrentar mais uma noite de medos e incertezas. Seus olhos estavam pesados, e ela sabia que logo cairia no sono, mas, antes disso, sentiu Ronaldo ajeitando o travesseiro atrás de sua cabeça, ajeitando o cobertor sobre suas pernas, tentando suavizar os desconfortos de sua nova vid
A primeira semana após o acidente passou em um borrão de emoções conflitantes. A dor física que Maria Júlia sentia não era a única que a consumia. Sua mente estava cheia de incertezas, e o vazio que crescia entre ela e Ronaldo parecia maior a cada dia. Ele a olhava com carinho, mas algo estava diferente. O que antes era uma atenção constante se transformou em gestos rápidos e distraídos, como se ele estivesse sempre pensando em algo mais importante.Era difícil para ela expressar isso, porque ele ainda estava ali. Ainda cuidava dela de uma forma que tentava ser reconfortante. Mas as pequenas mudanças estavam começando a se acumular, e Maria Júlia não podia mais ignorá-las.Nos primeiros dias, ele estava sempre ao seu lado, ajudando-a com a cadeira de rodas, certificando-se de que ela estava confortável. Mas, com o passar do tempo, ele começou a se afastar mais e mais. Ele voltava ao trabalho, tentava retomar a rotina, mas Maria Júlia podia sentir que a conexão entre eles estava se des
Maria Júlia estava sentada na cama, o telefone em suas mãos, hesitando. Sua mente estava cheia de pensamentos desconexos e sua angústia parecia insuportável. O que estava acontecendo com ela? Com o relacionamento dela e Ronaldo? A distância entre eles só aumentava, e a dúvida que se enraizava em seu coração não a deixava em paz. Ela olhou para a tela do celular, respirou fundo e pressionou o número de Mariana, sua irmã mais nova, com quem ela sempre podia contar.O telefone tocou algumas vezes antes de Mariana atender com sua voz animada, algo que Maria Júlia quase não reconheceu naquele momento.— Oi, mana! Como você tá? — Mariana parecia animada, mas Maria Júlia sabia que sua irmã não fazia ideia do turbilhão emocional que a consumia.— Mariana... — Maria Júlia se forçou a falar, mas sua voz falhou um pouco, e ela precisou de um segundo para se recompor. — Eu... eu preciso conversar com você.Mariana percebeu a mudança de tom e a preocupação na voz de Maria Júlia. Instantaneamente,
Mariana saiu do carro e caminhou até o prédio da irmã com passos firmes. Ela havia dito que viria no dia seguinte, mas a inquietação não a deixou dormir. Algo dentro dela gritava que Maria Júlia precisava dela agora.Quando chegou à portaria, não anunciou sua chegada. O porteiro já a conhecia e não questionou quando ela passou direto, subindo pelo elevador até o apartamento de Maria Júlia e Ronaldo.Ao chegar à porta, Mariana notou que ela estava apenas encostada. Seu coração acelerou, uma sensação estranha se espalhou por seu corpo. Com cuidado, ela empurrou a porta e entrou silenciosamente. Foi então que ouviu um barulho vindo do quarto. Risadas. Sussurros.Seus olhos se estreitaram, e ela caminhou em direção ao som, sentindo o sangue ferver em suas veias.Quando empurrou a porta do quarto, a cena que viu a deixou incrédula.Ronaldo estava na cama, sem camisa, e sobre ele estava Juliana, a melhor amiga de Maria Júlia. Eles riam, trocando carícias como se nada mais no mundo existisse
Juliana Sempre fui uma mulher ambiciosa. Desde nova, eu soube que se eu não corresse atrás, ninguém faria nada por mim. Eu não nasci rica, não tive oportunidades, e tudo que consegui até hoje foi porque soube me adaptar. Quando comecei a trabalhar como secretária do Ronaldo, vi nele um homem poderoso, respeitado e, principalmente, um homem que poderia me abrir portas. Mas, no início, não passava disso. Eu o respeitava, e ele me tratava apenas como sua funcionária. Só que com o tempo... as coisas mudaram. Notei quando ele começou a me olhar diferente. No começo, fingi que não percebia, mas lá no fundo, eu sabia que aquilo poderia ser a minha chance de sair do buraco em que eu estava. Foi sutil. Primeiro, pequenas conversas no final do expediente. Depois, saídas inofensivas para um happy hour depois do trabalho. Ele me contava sobre o estresse de ser casado, sobre como Maria Júlia era grudenta, sobre como ele
Ronaldo Meu nome é Ronaldo Albuquerque. Tenho 42 anos e sou CEO da Albuquerque Empreendimentos, uma das maiores incorporadoras do país. Sou um homem de negócios, um estrategista nato, e tudo que tenho hoje não veio por acaso. Dinheiro, poder, influência... Eu conquistei tudo isso. Ou melhor, quase tudo. Porque, no começo, não fui eu que construiu esse império do zero. O capital inicial veio de outra pessoa. Maria Júlia. Minha esposa — ou melhor, minha ex-esposa. No início, eu realmente gostava dela. Maria Júlia era uma mulher bonita, educada, vinha de uma família rica e tinha tudo para ser a esposa perfeita. Quando nos casamos, eu estava apenas começando a construir minha empresa, e o dinheiro dela foi essencial para impulsionar meus negócios. Ela nunca se importou com isso. Era ingênua, achava que estávamos construindo uma vida juntos, que éramos um casal feliz.<