Desconfiança

A noite estava mais fria do que o normal. O silêncio no apartamento parecia mais pesado à medida que a escuridão se espalhava. Maria Júlia se sentia exausta. Não só fisicamente, mas emocionalmente também. Cada movimento, cada ajuste na cadeira de rodas, parecia um lembrete cruel de sua nova realidade.

Ronaldo, sempre atencioso, tinha sido o pilar sobre o qual ela se apoiava. Ele a ajudava com tudo. Desde o momento em que saíram do hospital, ele fez questão de garantir que ela estivesse confortável, mesmo que estivesse se perdendo um pouco em seu próprio desespero.

Agora, ali, na cama do quarto, Maria Júlia sentia seu corpo relaxar com o remédio para a dor. Ela sabia que estava cansada demais para reagir, para enfrentar mais uma noite de medos e incertezas. Seus olhos estavam pesados, e ela sabia que logo cairia no sono, mas, antes disso, sentiu Ronaldo ajeitando o travesseiro atrás de sua cabeça, ajeitando o cobertor sobre suas pernas, tentando suavizar os desconfortos de sua nova vida.

— Dormir um pouco vai te fazer bem, Maria. Eu vou estar aqui quando acordar. — Ele disse, com um sorriso suave.

Ela respirou fundo e assentiu, fechando os olhos. A dor estava mais controlada, e ela se entregou ao sono, ou ao que pensava ser o sono. Mas a mente de Maria estava muito mais ativa do que seu corpo.

Ela ficou ali, com os olhos semiabertos, ouvindo o som de Ronaldo se movendo pelo quarto. Ele foi até a janela, puxou a cortina, talvez para garantir que não houvesse mais luz, e depois, silenciosamente, se dirigiu ao banheiro. Ela sabia que ele ia dar um tempo para ela descansar, mas, naquele momento, tudo estava tão silencioso e carregado, que ela se sentiu curiosa.

Enquanto ele se preparava para tomar um banho, Maria ainda não estava completamente imersa no sono. Seus ouvidos estavam atentos a cada movimento de Ronaldo, mas algo diferente aconteceu quando ela ouviu o som do telefone de Ronaldo tocando.

Ronaldo não costumava receber muitas ligações à noite, ou pelo menos, Maria não se lembrava de ele atender o telefone tão tarde. Ele foi até a sala, onde o sinal do telefone parecia mais forte, e, com a voz um pouco mais baixa, mas ainda audível, atendeu a chamada.

— Oi. — A voz de Ronaldo estava mais grave, com uma tensão que Maria não conseguia identificar.

Ela ficou ali, imóvel, tentando ser discreta, mas a conversa logo pegou sua atenção.

— Sim, eu sei que estamos adiando isso, mas agora não dá. — Ronaldo falou com um tom de voz que ela não reconheceu, a preocupação evidente em sua fala.

Maria sentiu algo estranho apertar seu peito. Algo estava acontecendo. Algo que ela não sabia, mas que parecia envolvê-lo de uma maneira que ela não entendia. Ela tentou ignorar, mas a conversa começou a tomar um rumo diferente.

— Eu entendo o que você está dizendo, mas depois do que aconteceu, não tem como voltar atrás. Eu não posso… não posso largar a Maria agora. — Ronaldo fez uma pausa, e o silêncio que se seguiu foi pesado. Maria podia ouvir seu coração batendo mais forte, e seus pensamentos estavam uma confusão.

— Ela arriscou a vida dela para me salvar, e as coisas não funcionam assim. Eu não seria um filho da puta de largar ela nesse momento. Não é assim que as coisas acontecem. Eu não vou ser esse tipo de homem. — Ronaldo parecia agora um pouco mais irritado, e a voz dele estava mais firme, mais decidida, como se estivesse tentando convencer alguém.

Maria engoliu em seco, seus olhos estavam abertos agora, e ela não conseguia mais se controlar. Seu coração estava disparado. Ela não entendia completamente o que estava acontecendo, mas uma palavra a atravessou como um golpe. "Largar". Ele pensou em largá-la?

A angústia foi instantânea, e ela sentiu sua respiração ficar mais curta. O peso das palavras que ele disse não saíam de sua mente. O que ele quis dizer com isso? Quem ele estava falando? Quem seria capaz de pensar em deixá-la, especialmente agora?

— Não, não é o que você pensa. — Ronaldo continuou, agora com um tom de voz mais baixo, como se estivesse tentando se acalmar. — Eu sei que você tem seus próprios problemas, mas agora minha prioridade é a Maria. Eu tenho que ficar com ela. Eu não posso fazer isso com ela agora. Eu não posso, entende? Vai ter que esperar.

Maria sentiu o estômago revirar. Ela não queria acreditar no que estava ouvindo, mas a dúvida estava crescendo dentro de si. Ela queria se levantar, ir até ele e perguntar o que estava acontecendo, mas não conseguia. A dor na coluna, a incapacidade de se mover com facilidade, tudo isso a impedia de agir. E, pior ainda, ela não queria parecer frágil, mesmo que sua mente estivesse cheia de inseguranças.

— Eu sei que você não vai gostar disso, mas… agora eu preciso cuidar dela. — Ronaldo falou novamente, com um tom de voz que, de alguma forma, soava mais duro. Ele estava claramente discutindo com alguém, mas quem era essa pessoa?

— Eu entendo o que você está dizendo, mas agora não é a hora. Quando tudo isso passar, podemos conversar. Mas, até lá, você vai ter que esperar. Eu estou ficando com ela. Vou cuidar dela.

Maria fechou os olhos por um momento, tentando processar tudo o que acabara de ouvir. O que estava acontecendo? Quem era a pessoa que ele estava discutindo ao telefone? E o que ele quis dizer com "quando tudo isso passar"? Era como se ele já tivesse planejado algo para depois. E ela? O que ela representava agora na vida dele?

Ela não queria ouvir mais. Queria acreditar que estava ouvindo errado, que tudo era só uma confusão. Mas as palavras ficaram ecoando em sua mente, como um martelo batendo no seu peito. Quando ele voltou ao quarto, ela rapidamente fechou os olhos, fingindo estar dormindo, sentindo uma mistura de raiva e tristeza crescer dentro de si.

Ronaldo entrou no quarto sem fazer barulho, provavelmente tentando não acordá-la. Ele a observou por um momento, sentindo o alívio de vê-la tranquila, mas Maria estava longe de estar tranquila. Ela ainda ouvia as palavras dele reverberando na sua cabeça.

— Eu vou te cuidar, Maria. Sempre. — Ele sussurrou, como se não soubesse que ela estava bem acordada, ouvindo tudo.

Maria permaneceu em silêncio, respirando fundo, tentando controlar o turbilhão de sentimentos dentro de si. Ela não sabia o que fazer com aquilo. Não sabia o que pensar. Mas, naquele momento, algo dentro dela mudou. O mundo estava girando em torno dela de um jeito estranho, e ela sabia que, por mais que quisesse acreditar que Ronaldo estava ali por ela, algo estava começando a se desmoronar.

Ela fechou os olhos, fingindo estar dormindo, mas as palavras de Ronaldo ficaram ali, na sua mente, queimando como fogo.

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