A tentação do Sultão
A tentação do Sultão
Por: Alice Dubois
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Adenium obesum – Rosa do deserto

Nativo de regiões desérticas e de fácil manejo, o Adenium obesum é um arbusto comumente conhecido como rosa do deserto. Embora suas delicadas flores rosa de cinco pétalas tornem a planta comum para decoração de interiores, as rosas do deserto são altamente venenosas.

As tribos africanas a usam há séculos como uma ponta de flecha mortal para fins de caça, e a seiva de Adenium obesum é capaz de matar até animais grandes.

E humanos...

Antes das grandes guerras e das invenções do mundo moderno, em um lugar no meio do deserto da península arábica, haviam dois reinos em constante disputa. A paz nunca durou muito tempo para nenhuma das famílias que detinham o poder daquelas terras.

O mais jovem sultão de sua dinastia, Riad Abdelkarin, estava disposto a mudar o cenário de guerra e fome que se instaurava por ambos os reinos, o curso do principal rio que atendia aos sultanatos e desaguava a quilômetros no mar, havia sido desviado há quase cinquenta anos pelo pai de Riad, trazendo consequências que ainda assombravam a todos.

Detendo o poder do bem mais precioso da região, a dinastia de Abdelkarin comandou com êxito muitas gerações, mas a glória de sua família era cada vez mais desperdiçada em batalhas e guerras sem fim de uma tensão desnecessária. Tensão a qual levou a todos que Riad costumava conhecer, uma maldição que no fim das contas, lhe deixou sem ninguém.

Assim, decidiu que faria diferente. Negociaria a paz junto ao sultanato vizinho, seu único objetivo quando ascendeu ao poder mesmo contra as crenças de todos.

E não desistiria de tal objetivo tão cedo.

— Riad — Vociferou o grão-vizir puxando as rédeas de seu cavalo — Não penso que seja seguro seguir viagem em grupo. Há salteadores por toda parte, espreitadores de Jawhal podem estar a nossa espera a cada duna que atravessamos. Precisamos nos dispersar e seguir caminho, é mais seguro do que avistarem o comboio real ao longe.

O sultão assentiu. Riad acariciou a crina de seu velho cavalo cinzento e ajeitou sua espada forjada em aço de damasco na cintura, por mais que detestasse a ideia, sabia muito bem que o grão-vizir estava certo. O comboio seria facilmente observado do alto das montanhas, há centenas de pontos em que uma emboscada os aguardava com uma passagem de ida direta para a morte. Segurando a espada presenteada pelo falecido pai quando tinha apenas sete anos, Riad conferiu o suprimento de comida e água em seu cantil, olhou para os seus homens e realizou um breve gesto com a mão.

— Que assim seja. Seguirei sozinho a oeste em direção ao palácio, encontro-os na entrada da cidadela. — Respondeu com um olhar fixo no horizonte.

— Não sugeri que siga sozinho, meu sultão. Acompanhárei-lo pelo deserto e o protegerei com minha vida. — Insistiu o grão-vizir — E se for abordado pelos lacaios de Jawhal Sahid?

Riad sorriu.

— Posso perfeitamente defender a mim mesmo, Ahmad. Vão, sigam em segurança e protejam o ouro. Se Jawhal não julga digna nossa oferta de paz, não verá mais nenhuma moeda de ouro de meu sultanato.

Mesmo contra a vontade, Ahmad acatou as ordens de Riad com sua expressão fechada. O grão-vizir, braço direito de seu falecido pai, era não mais do que dez anos mais velho do que o próprio sultão. Talvez o peso da idade o fizesse sentir superior frente a autoridade de seu senhor, afinal de contas, não estava habituado a receber ordens e sugestões de um homem mais jovem. Sempre olhava para Riad com olhos fixos e um sorriso cínico no canto de seus lábios, quase como se questionasse cada uma de suas decisões a todo instante.

O Sultão fingia não se importar. Por mais que Ahmad cobiçasse o seu poder e posição, nada poderia fazer contra ele. De fato, também não nutria nenhum afeto pelo homem, nunca foram próximos e tampouco ansiava por se tornar um amigo próximo, mas Riad entendia perfeitamente bem que era necessário fortalecer a suas alianças mesmo a contragosto. Viviam tempos difíceis, o conflito iminente com a dinastia de Sahid fazia com que cada pessoa em seu território estivesse em alerta. A guerra não era uma opção, o sultão sabia o quanto um conflito poderia assegurar a destruição mútua de ambos os sultanatos, então intermediaria as tensões até o quando fosse possível.

Despediu-se dos seus homens, que se espalharam pelas areias do deserto e seguiram caminho. Riad Abdelkarin olhou para o horizonte banhado pelos raios fortes de sol, uma extensão de areia sem vim em colinas e colinas esbranquiçadas, estava a pelo menos um dia e meio de viagem de seu palácio. Havia muito chão a percorrer. Estava cansado, cansado demais de toda aquela situação, não desejava ter herdado tantos problemas em seu sultanato com a morte do pai. Desejava mesmo nunca ter retornado.

Apreciava o mar e a liberdade de comandar um navio pelo golfo e visitar muitas outras terras, a seca do desértico sultanato lhe incomodava profundamente, despertava-lhe memórias perigosas sobre o seu passado, um passado de crueldades e pouco afeto. Destino de todos os seus oito irmãos, seis deles agora mortos, resultado obtido pela carnificina em nome do poder. De que resultara toda a batalha? Seus corpos agora apodreciam longe de casa, suas viúvas sofreriam sem amparo, os seus filhos jamais saberiam como é ter um pai. Não que Riad soubesse ao certo, nunca foi o favorito, mas se mostrou o mais forte.

Seu velho cavalo relinchou, assustado. Disperso, o sultão segurou as rédeas do animal com firmeza entre os seus dedos e permaneceu em silêncio, em completo alerta. Olhou ao redor preocupado, tudo que conseguiu ouvir era o som do vendo movendo a areia para longe, um chiado baixo e constante entre as dunas colossais. O chiado habitual gerado pela areia se movendo era uma canção comum, mas em intensidade poderia significar problemas.

— Me ajude! — Um grito estridente ecoou solitário.

O cavalo pareceu se assustar ainda mais, erguendo os cascos dianteiros do chão, relinchou em desespero e pôs se a correr.

— Espere! — Gritou Riad para o animal, indo em disparada em direção ao assustado corcel.

O grito de socorro feminino pareceu soar ainda mais alto ao ouvi-lo. O cavalo saltou sobre os galhos secos de uma árvore há muito caída, parando a tempo antes mesmo de cair em um fosso cavado na areia, fundo o bastante para engoli-lo por inteiro. Alguém havia reunido uma abundância de vegetação rasteira para cobrir o buraco, mas ainda era possível vê-lo com um pouco mais de atenção. Riad segurou o seu animal e o acalmou, puxando a suas rédeas para longe do fosso, que mais lhe parecia uma armadilha.

Foi então que a viu.

— Senhor, por favor me ajude... — Implorou a jovem. — prenderam-me neste lugar, estou em perigo!

Muito surpreso, Riad inclinou suavemente sua cabeça para o lado, tentando averiguar se a imagem da jovem presa a uma árvore seca era de fato ou uma miragem gerada por sua mente cansada. Piscou um ou duas vezes para se assegurar de não estar sonhando, a garota tentou se remexer entre as cordas apertadas que a prendia contra o tronco. Vestia apenas uma túnica laranja em seu corpo, seus cabelos escuros e lustrosos jaziam soltos nos ombros como serpentes, a pele era clara, olhos azuis como o céu ao alvorecer. Seu rosto se contorcia em puro desespero, por alguma razão havia sido presa a um tronco, desprotegida.

A mais bela mulher que já viu em toda a sua vida.

Riad se aproximou devagar, contornando a armadilha do fosso. A jovem pareceu recuar, amedrontada. A beleza exótica da jovem mulher era fascinante a seus olhos, parecia uma estrangeira de terras distantes, mas falava sua língua como nativa da região. Sentiu-se compelido a ajudá-la, mesmo sabendo que quem quer que fosse haver colocado ali tais armadilhas, talvez espreitasse de algum canto.

— Não tenha medo — Falou ele demonstrando a sua preocupação — Não pretendo machucá-la.

Ela engoliu seco e assentiu, o lábio inferior trêmulo de pavor. Riad observou o rosto delicado da jovem, estreitou a distância entre eles cauteloso, o impulso que lhe ocorreu em socorrê-la falou mais alto em seu peito.

— Me ajude, eles estão por perto, voltarão logo mais para me torturar!

— Quem a prendeu aqui? Quem são eles?

Os olhos da moça pareceram refletir o mais puro terror.

— Eu não sei... Pode me ajudar? Estou com sede, me deixaram aqui para definhar.

— Certamente — Riad aproximou-se um pouco mais carregando o seu cantil entre os dedos. Bem perto da jovem, inclinou o cantil até os lábios da moça e a observou beber de sua água avidamente. — Qual é o seu nome?

— Amara, senhor.

— Amara. — Repetiu ele como se gostasse de como aquele nome soava em seus ouvidos. — Sou Riad. Desamarrarei as cordas, tudo bem? Não tenha medo.

— Chegue mais perto, as cordas estão apertadas. — Pediu ela parecendo mais calma — já nem sinto os meus dedos...

O sultão não protestou. Deslizou os dedos pelas cordas trançadas até os nós do outro lado do tronco, e para sua surpresa, não estavam atados. Nada prendia as cordas ao redor da moça.

Antes que pudesse se dar conta do que acontecia, a jovem mulher soltou-se com habilidade, passando uma mão pelo pescoço do sultão e colando em sua pele uma adaga afiada. Apesar de pequena, a garota era terrivelmente forte em seu toque, não seria fácil se desvencilhar da ameaça sem sair com um corte mortal.

Talvez não para um transeunte comum. Contudo, Riad aprendera cedo demais a arte do combate corpo a corpo para sobreviver no palácio, poderia soltar-se depressa, mas a curiosidade tomou conta de seu ser. Jamais havia sido enganado por uma mulher antes em sua vida, estava profundamente interessado em descobrir até onde a jovem seria capaz de prosseguir.

— Perdoe-me, Riad. — Disse ela com um sorriso angelical — Não é pessoal, mas preciso que me entregue todo o seu dinheiro.

Ele não conseguiu esconder uma sonorosa risada. Estava sendo roubado, roubado por uma mulher que não deveria ter mais do que vinte anos. Uma jovem mulher pequena e delicada de mãos muito hábeis.

— Não posso fazer isso. — Falou tranquilamente — Solte-me, Amara. Posso me livrar de ti em questão de segundos. Decerto não apreciará ter um braço quebrado, tampouco aprecio machucar uma mulher tão bonita.

— Bonita? Não é um bom momento para elogios, meu senhor. Sei perfeitamente bem que pode se defender, afinal de contas, não são os homens mais fortes? — Murmurou ela bem próximo a seu ouvido de forma jocosa — Receio que futuramente odiará ter escolhido reagir, não será nem de longe agradável.

— Então aceitarei o desafio. — Respondeu ele girando seu corpo, agarrando a lâmina afiada do punhal na palma de sua mão e pressionando o corpo da jovem com o seu contra o tronco da velha árvore — Entende o que quero dizer? Não me alegra deixá-la nesta posição.

Ela ergueu o seu rosto com um sorriso nos lábios generosos. Seu peito subiu e desceu com a sua respiração forte.

— Não diga que não lhe avisei. — Falou a jovem enfiando no braço do homem algo como um espinho, uma vareta de zarabatana encharcada por um veneno incolor de cheiro amargo.

A princípio, o sultão imaginou que talvez não passasse de um engano, mas em seguida, sentiu todo o mundo ao redor girar. Caiu para trás feito uma fruta podre, causando certo sorriso no rosto da jovem mulher. Com cuidado, Amara prendeu os cabelos para trás e cobriu-se com o lenço que envolvia toda a sua cabeça e rosto. Abaixou-se com cuidado e apalpou a cintura do homem à procura de algo precioso, olhou com desdém para a sua espada e revirou os olhos. Não havia nada de valor junto a seu corpo.

Pegou a espada, prendeu-a em suas costas, e foi até o cavalo. Seus olhos se encheram ao observar que junto a sela o homem trazia consigo moedas de ouro, comida para a viagem e tecido. Feliz, tratou de subir no animal, olhou uma última vez para o homem caído, sentiu certa pena em deixá-lo para trás, mas não recuou. Apertou os pés contra as costelas do corcel e partiu em direção ao sol.

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