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Excelente memória

Capítulo 3

Louise Gomez

Nasci e cresci em La Plata, na Argentina. É um lugar bonito, cheio de lembranças, mas muitas delas eu preferiria esquecer. Embora minha família esteja por perto, sempre sonhei em morar em outro país, longe de tudo que me mantém ancorada ao passado. Quero uma vida nova, em uma cidade movimentada, cercada de arranha-céus, onde o ritmo agitado das ruas me faça sentir viva. Aos 24 anos, sou uma mulher com um sonho — e algumas cicatrizes que prefiro não mencionar.

Atualmente, moro com minha irmã Mayara e sua família. Comecei a trabalhar como ajudante de limpeza na casa dela, mas, com muito esforço, consegui ingressar na faculdade. Trabalhava na casa e até na roça para pagar metade da mensalidade, pois consegui uma bolsa. Foi uma fase corrida da minha vida, dividir o tempo entre o trabalho e os estudos enquanto ainda ajudava meu pai a cuidar da minha mãe, que enfrentava um câncer.

Ricardo, meu cunhado e chefe, foi um grande apoio. Quando soube que eu estava cursando administração, logo me ofereceu uma posição na empresa dele, a “Taylor's Technologic”. Essa oportunidade foi o impulso que eu precisava. Hoje, além de assistente, sou gerente de contabilidade da rede e resolvo boa parte das questões administrativas.

Enquanto respirava fundo, olhando para os campos da casa, a voz da minha amiga Luana me trouxe de volta à realidade.

— E agora, amiga? Vai aceitar a proposta para trabalhar fora? Não está com receio que te enviem para Boston? — perguntou Luana, enquanto me observava da varanda.

— Claro que vou aceitar. Esperei tanto por isso! O Lourenzo vai comigo, mas você sabe que não preciso dele pra nada — brinquei, piscando pra ela. Luana sabe que não preciso de um homem que me defenda, não mais.

— Ninguém mexe com você, Lou! — ela riu. — Mas... você tem certeza de que superou o Wesley?

— Wesley? — sorri, fria. — Já faz quase quatro anos. Esse idiota sumiu sem explicações, fez a própria família me silenciar. Ele é quem deveria ter medo de mim agora, Luana. Se algum dia o encontrar, ele vai se arrepender de ter nascido. Vai implorar pra que eu suma de vista.

Luana segurou minha mão, tentando me acalmar.

— Aquele lá não presta, sei como foi um babaca. Se por acaso cruzar com ele, só ignore. Ele te fez acreditar em promessas vazias e desapareceu quando conseguiu o que queria.

— Ah, Luana, duvido que cruze com ele. A Taylor's é grande, e Ricardo certamente se lembra que eu e Wesley tivemos um... passado.

Ela me abraçou forte.

— Vou sentir sua falta, mas sei que esse é o seu momento. Você vai arrasar.

— Obrigada, minha amiga. Agora eu preciso ir, parece que meu cunhado precisa que eu viaje, logo.

— Vai lá...

Agradeci novamente com um sorriso e me despedi. Sabia que tinha muito a organizar antes de viajar no dia seguinte. Ricardo precisava acertar os últimos detalhes comigo.

Quando cheguei ao escritório dele, fui direta.

— Em qual das empresas vou trabalhar, Ricardo?

Ele me olhou calmamente, como sempre fazia.

— Na Taylor's de Boston. Vai ajudar no administrativo... com o Wesley.

Meus olhos se arregalaram. “Wesley?!“ Não pode ser. Senti o chão sumir sob meus pés e me apoiei na beira da mesa, tentando processar o que ele disse. O ar me faltou por um momento. Mal consegui ouvir Ricardo chamando meu nome.

Quando finalmente voltei a mim, ainda estava incrédula.

— Louise, então... vai para Boston ou não?

Olhei para Ricardo, mas minha mente estava longe, perdida em lembranças que eu preferia não reviver. Senti o sangue ferver, e quando finalmente encontrei minha voz, disparei:

— Que merda é essa, Ricardo? Você só pode estar maluco! Me mandar trabalhar com o Wesley?

Ele franziu a testa, confuso.

— Achei que era o emprego dos seus sonhos...

— Emprego dos sonhos, uma ova! Trabalhar com o Wesley? Preferia ser enviada direto para o inferno!

Ricardo suspirou, impaciente.

— Louise, você queria uma posição importante. Onde mais poderia te colocar? No Brasil? Você sabe que Hugo não poderia te manter em um cargo desse nível. Wesley é o líder em Boston, e essa é a sua chance!

Me controlei, respirando fundo. Claro que sabia o valor daquela oportunidade, mas a ideia de trabalhar com Wesley era insuportável.

— Você sabe muito bem que não pretendo ir para o Brasil. Gosto do meu cargo e salário, mas... Wesley? Ele não vai me deixar trabalhar de forma pacífica.

— Já conversei com ele, Louise. Ele precisa de você lá. Está ansioso para que comece logo — respondeu, tranquilamente. — E, para ser sincero, nem sei o que rolou entre vocês no passado, mas ele não demonstrou o menor problema com isso.

Senti meu coração apertar.

“Nem se importou?“ Isso me feriu mais do que eu esperava. Ele simplesmente não se importava?

— Mas eu sou responsável por toda a área administrativa aqui — tentei argumentar, em vão.

— Vai continuar sendo. Wesley só precisa de alguém competente que tire um peso das costas dele. Não se preocupe, ele não vai interferir no seu trabalho. E quanto ao Lourenzo, vou providenciar algo para ele, mas bem longe de você dois, para evitar complicações.

Suspirei, exausta. Já não tinha mais forças para discutir.

— Tá, e quando viajo?

— Amanhã mesmo. Compre a passagem e pode ir. — Ricardo sorriu, satisfeito com minha decisão positiva.

Apesar da raiva que ainda queimava em mim, eu sabia que ele estava certo. Essa era a oportunidade que eu sempre sonhei. Wesley seria apenas um obstáculo. E se dependesse de mim, ele iria se arrepender de ter voltado à minha vida.

Aproveitei as últimas horas restantes do dia para me despedir da minha família, e do Lourenzo, pois ainda não sei que dia nos encontraremos em Boston.

O problema, é que eu não conseguia parar de pensar em como farei a vida de Wesley um inferno. Talvez, no fundo, eu até esteja ansiosa por isso. Aquele canalha vai implorar para não ter me conhecido.

Se me perguntarem se sou má? Não... só tenho uma excelente memória.

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