Thierry Diante do postinho de saúde, estou parado há alguns minutos sem ter coragem de entrar. Tudo que eu sempre quis está a poucos metros de mim e, de repente, um medo idiotä tomou conta de mim. Afinal, se eu for filho do Carioca muda tudo, porque ser filho de um dos traficantes mais famosos do Brasil faz a vida de qualquer pessoa mudar em todos os sentidos. Mas não foi isso que eu desejei a vida toda? Não foi isso que eu sempre quis? Que tudo deixasse de ser apenas uma especulação e fosse esclarecido? Foi isso, sempre foi. Eu sempre quis confirmar ou descartar essa possível paternidade. Mas então, por que estou amedrontado assim? — Bora entrar lá? — A voz do Carioca me tira da viagem mental em que eu estava, sem nem ter fumado um baseado pra estar brisado assim. Eu nem percebi a chegada dele. — Vamos lá! — Respondi, e entramos. *** A sala onde eu sentaria para a coleta de material era pequena e com o barulho ar-condicionado se misturando com as vozes vindas do la
LecoChego na quadra do baile da VK acompanhado por dois seguranças. Aqui é sempre tranquilo, conheço tudo e todos, mas não posso ficar de bobeira.Faço o toque com alguns conhecidos que vou encontrando pelo caminho e, a poucos metros da entrada do camarote, vejo uma loira gostosa com um copo na mão, descendo até o chão com outras duas garotas.Fico olhando por alguns minutos pra ter certeza de que não estou sob o efeito da erva, mas não há dúvida: é a minha loira da pista. Não avisei a ela que eu viria pra VK, nem combinamos nada. Nosso lance é naquele pique: pega e não se apega, e pega outra vez quando dá vontade, sem compromisso nenhum. Mas não sei o que me deu que fiquei cheio de raiva ao ver ela ali, toda animada e soltinha.Ajeito minha pistola na cintura, pela parte de trás das costas, e vou até ela.— Tá fazendo o quê aqui, Lauane? — falo, puxando o braço dela com força, fazendo ela se virar rapidamente.— Oi, gatinho! — ela diz, após alguns segundos em que ficamos nos encaran
MOMENTOS ANTES DE APONTAREM A ARMA PARA LAUANE: Rafa Respondo uma mensagem da minha mãe no Whatsäpp, que perguntou se estava tudo bem comigo. Sempre que estou fora da comunidade à noite, ela fica muito aflita. Digo que estou bem, nos despedimos e logo eu vejo a foto que ela postou no status. Uma imagem com meu pai, onde o rosto dele não parece muito bem, e o texto era bem apaixonado: "Amor e paixão são sentimentos intensos, mas muito diferentes. A paixão é avassaladora, nasce rápido, queima como fogo e faz estragos. Ela é movida pelo desejo, pela idealização e pelo impulso. Já o amor é construção, é profundidade, é o que sobra quando a paixão se acalma. Amor é escolha, compromisso e cuidado. Quem ama não maltrata, não engana, não trai e não faz sofrer de propósito. O amor não se sustenta na dor do outro, mas na vontade de vê-lo bem. Quem verdadeiramente ama cuida, respeita e valoriza, porque entende que o amor não é sobre prender, mas sobre caminhar junto". Minha mãe é louc
Leco Que porrä o Cristiano pensa que tá fazendo? Meu sangue ferve instantaneamente. A Lauane não é a minha fiel, mas tá comigo, e o cara que eu conheço desde que me entendo por gente tá com uma pistola apontada pra cabeça dela. Meu primeiro impulso é erguer minha arma também, sem nem pensar. A batida do funk some dos meus ouvidos, abafada pelo latejar da minha raiva. Cristiano não está muito diferente, a fúria domina seu olhar fixo em Lauane. — Opa! Vamos manter a ordem aqui! Baixem essas armas, não quero sangue na minha quadra! Principalmente sangue dos meus. — LC intervém, se colocando no meio, entre Cristiano e eu, mas nenhum de nós baixa nada. — Qual foi? Tão surdos? — LC grita com sua voz autoritária, que impõe respeito. É raro ver ele assim, só em casos extremos. Sinto um peso no peito, mas abaixo minha arma devagar, os dedos ainda tensos no gatilho. Já o Cristiano não. Ele continua com a pistola erguida, firme, apontada pra Lauane, que tá dura igual estátua do meu lado, mor
LecoSaio do camarote do baile arrastando a Lauane pelo braço, cada célula do meu corpo exalando ódio. E ninguém iria se meter, por motivos óbvios, é claro.A morte dela toda sendo arquitetada na minha mente, uma morte dolorosa, pra sentir na pele que não devia tentar me fazer de otärio.— Marcelo, me escuta, pelo amor de Deus! — Lauane interrompe a cena de tortura dela que se passava ainda na minha mente, enquanto eu a arrastava pra uma estrada deserta na parte mais alta da VK.— Cala a boca, piränha!— Por favor, Marcelo, me ouve, por favor! — Ela tentava em vão andar e me fazer ouvir qualquer baboseira que tentasse inventar. Mas eu não ligava pra porrä nenhuma que ela quisesse dizer. Com a minha raiva, Lauane era arrastada com muita brutalidade e, em certo ponto, caiu e levantou rapidamente, pois não parei de puxar seu braço.Filha da putä, desgraçada, pilantra... Meu cérebro e minha boca xingavam a Patricinha de todos os palavrões possíveis, enquanto ela implorava pela vida.Ela a
ThierryUma confusão se formou no camarote e, num primeiro momento, Milena, Rafa e eu ficamos atônitos vendo tudo aquilo. Poderia ter rolado muito tiro pra todo mundo ali.O jeito que o Leco arrastou a garota do camarote foi algo surreal, tudo com muita brutalidade e um ódio evidente em seus olhos e em suas atitudes. Rafa falou que a garota já circulou pelo morro da Pedreira também e, pelo que escutamos o tal Cristiano gritando, ela é filha de alguém da Justiça. Certeza que isso não iria dar coisa boa.O que essas garotas têm na cabeça? É só o que eu me pergunto.Não que eu seja um cara que nunca tenha feito merda na vida, mas não sou nenhum assassino ou traficante. Bom, talvez eu seja filho de um, mas isso não me faz um deles.Fico pensando que a Milena nunca passou esse tipo de coisa com o Leco pelo fato de ser filha do LC e, pelo olhar dela no momento da confusão, acho que ela pensou a mesma coisa.Segundo ela, provavelmente o Leco levou a garota para executar de uma forma bem cruë
ThierryMeu olhar ia repetidas vezes para o rosto do Carioca e para o resultado do teste de DNA, e vice-versa. Mesmo vendo o resultado, eu ainda estava sem acreditar.Levantei da cadeira e comecei a andar de um lado a outro na pequena sala. Eu estava parecendo aqueles malucos de clínicas psiquiátricas das novelas, que ficam inquietos e com o olhar perdido.Eu precisava de alguns minutos pra processar, e realmente meu olhar estava longe, assim como meu pensamento também.Minhas memórias viajaram para minha infância e a minha adolescência, onde cresci sem pai e sem mãe. Mas a memória mais triste que carrego é do dia em que mataram ela, a minha mãe.Dizem que não é possível guardar lembranças de quando somos muito pequenos. Em parte, isso pode ser verdade, pois não lembro de muita coisa, com exceção de uma forte lembrança que nunca saiu da minha memória: o triste acontecimento que eu gostaria de esquecer. O momento em que soubemos da morte da dela e também do marido dela, o pai da Thayla
ThierryQuando penso em sair da salinha, Carioca quer mais papo. O que mais ele quer conversar?— Senta aí! — Ele aponta autoritário para a cadeira em que eu estava antes e ele se dirige até a cadeira dele, atrás da mesa, enquanto mexe outra vez no celular.— O que faltou? — pergunto após me sentar, fazendo um sinal com a boca e posicionando uma mão entrelaçada à outra.— Calma, Thierry, não precisa ficar sempre na defensiva assim!Com as pernas esticadas, passo um pé por cima do outro, ficando tenso sem saber o que viria.O Carioca sempre consegue fazer isso, de uma forma ou outra, ele mexe com o emocional das pessoas.— Você não é meu filho, como o exame comprovou, mas eu prometi que mudaria a sua vida! — Ele digita algo no celular.Sigo calado, sem entender nada.— Não é porque você não é meu filho que eu não posso te proporcionar uma vida boa, Thierry. Minha mulher e eu, anos atrás, prometemos um ao outro que faríamos isso, e é o que vamos fazer.— Você não tem que me dar nada! —