Antonela A história do primo da Rafa não saía da minha cabeça. É muito estranho saber que o filho de um policial seguiu o caminho do crime. Milena e Rafaela estão muito doidas, já beberam todas. Eu bebo menos, mas bebo também. Vou até o cara que está preparando os drinks para encher meu copo que está vazio. Quero tomar mais alguma coisa pra ver se esse tal Cold sai da minha cabeça. Aliás, que vulgo é esse, gente? — O que essa princesa quer beber? — O rapaz pergunta enquanto entrega dois copos a um cara com um fuzil enorme nas costas, que aguardava. — Então... acho que vou querer igual ao que você entregou para o cara ali. — Hi, morena, aquilo ali não é bebida pra uma princesa como você, não! Sorrio ao ser chamada de morena. Eu cresci ouvindo meu pai chamar minha mãe assim. Dizem que me pareço muito com ela e gosto dessa comparação, pois minha mãe é uma mulher linda e incrível. — Então qual drink você me indica? — O mais leve! — Uma voz grossa fala ao meu lado — Faz um sem á
G4No início de semana, o ritmo no morro tá frenético.Pessoas sobem, outras descem.Coleta de lixo, entrega de abastecimento de gás, vapores no comércio intenso nas biqueiras. Grana numa mão, drogä na outra, e todo mundo fica contente.Faturar alto é o plano e o esquema não pode falhar nunca. Nesse lema, o sucesso é garantindo.Tudo palmeado enquanto ando acelerado de moto pelo morro. Leco me ajuda nisso. Ele é sagaz e mesmo ainda sendo um moleque, cresceu nesse mundo entre drogäs, armas e mortes, assim como eu, então a maturidade chegou cedo pra nós.Na escola da vida, onde meu pai e o dele foram nossos professores, nós nos formamos com maestria no crim€.Chego no paiol estacionando minha moto que de tão acelerada que estava, levantou poeira do chão. Leco gesticula e fala impaciente com alguns soldados.Ali, só de bermuda, deixando as várias tatuagens à mostra e o fuzil atravessado no peito, mesmo ainda sendo tão novo, ele mostra que tem o porte de um líder.Assovio.Ele se aproxima
Antonela Depois do baile na Pedreira, a amizade com a Rafa só se fortaleceu. Milena, ela e eu nos falamos diariamente, inclusive por chamadas de vídeo. Três garotas de três comunidades diferentes, mas com uma vida tão parecida. O destino tem dessas coisas. A Rafaela é uma pessoa incrível: muito simples, humilde, extrovertida e sem papas na língua. E o primo dela? Ele é uma tentação. Eu quase me perdi nos braços dele. Foram os amassos mais quentes que já vivi. O Cold sabe o que dizer, o que e como fazer. Ele é o perigo em forma de homem, e eu quase perdi minha virgindade durante um baile funk, com um cara que eu nunca tinha visto, atrás de um camarote de uma comunidade desconhecida. Onde eu estava com a minha cabeça? Na noite do baile, quando retornamos ao camarote, estava estampado, pelo menos na minha cara, que eu estava com ele. Era nítido que havia rolado algo entre nós. Só depois as meninas me contaram que, quando retornaram da pista me procurando, nos viram aos beijos, prova
ThierryMorando num quarto minúsculo de uma pensão barata, em um bairro nada nobre, vou levando minha vida do jeito que dá.Uma cama de casal com colchão ruim, um frigobar velho e uma televisão onde, tantas vezes, assisti reportagens sobre o Complexo da Penha, o temido traficante Carioca e seu famoso herdeiro, o tal G4, meus supostos pai e irmão.Penso que, se realmente eu fosse filho dele, minha vida poderia ter sido melhor. Da minha avó e da minha irmã também. Mas ele não me quis, e eu vivi uma vida de dúvidas e frustrações.Tantas vezes quis estar diante dele, olhar nos olhos e perguntar apenas: POR QUÊ?Por que ele nunca quis saber de mim?Mesmo sem ter a chance de perguntar, a resposta era clara: para ele, eu era um nada, e a possibilidade de ele ter matado minha mãe era grande. Minha avó desconfiava disso também. Para ela, havia duas possibilidades: minha mãe e o marido dela tinham sido mortos pela polícia ou pelo próprio Carioca, e, com medo, ela nos levou embora. Ela morria d
SÁBADO, DIA DE EVENTO NA ASSOCIAÇÃO:ThaylaA faculdade está tomando bastante parte do meu tempo, e não estou conseguindo ajudar tia Célia tanto quanto eu gostaria.Durante os intervalos das aulas, e às vezes na saída, Antonela e Milena conversam comigo, e confesso que está se formando uma amizade entre nós.Gostei delas. Elas parecem Patricinhas, mas só parecem mesmo, são extremamente simples.Antonela é totalmente diferente do irmão. Ela é simpática, humilde e meiga. Já ele, é arrogante, agressivo e se acha demais.Thierry parece que finalmente está tomando jeito na vida. Ele está trabalhando, e nós estamos nos falando diariamente.Eu o convidei para vir à nossa casa, e até que enfim ele aceitou. Agora só falta a tia Célia falar com o dono do morro, para ver se ele permite.Antonela me convidou para irmos a uma comemoração que terá hoje na associação. Lá tem projetos muito legais para as crianças da comunidade. Parece que foi a mãe dela quem ajudou a fundar. Mas já avisei que minha
ThaylaMilena chegou animada bem no momento em que o grupo de pagode começou a tocar.Ela beija minha bochecha e a da Antonela também.— Sua doida, você disse que não vinha!— Ai, Nélis, minha mãe acha que eu não paro mais em casa, mas consegui dobrar a dona Rebeca. Só que ela me fez prometer que, no próximo final de semana, vou ficar em casa. — Milena responde, revirando os olhos.Rimos.— Onde tem um desses pra mim? — Milena pergunta logo após tomar um gole da bebida de Antonela.— Vamos lá buscar, vem! — Antonela fala.Um tempo depois, o pagode está rolando solto, o grupo é bom e a música é muito animada. Já tomei alguns copos de drink, que, na verdade, não sei quantos foram, e de tempo em tempo olho para onde o G4 está. Ele e a loira pareciam ter muita intimidade.Eu não queria olhar, mas era mais forte que eu, e várias vezes nas quais olhei, ele também me olhava.— Ele não para de te olhar!Me assustei ao ouvir isso e olhei para as meninas.— Ai, para, Antonela. Não posso cair de
G4A mão da Thayla tá fria, ela realmente deve ter bebido mais do que tá acostumada, se é que já bebeu antes.Entramos no carro, dou partida.— Você vai me levar pra onde? — ela pergunta assustada.— Só vamos sair daqui, ou você quer que sua tia saiba que você tá bêbada dentro do carro comigo?— Não estou bêbada!Dou risada.— Tá bom! Não tá bêbada, mas bebeu um pouco além da conta, aliás, vocês três, né?Ela não responde nada.Acelero o carro e paro em frente à minha casa. Não à casa dos meus pais, mas em uma das casas que são minhas.— Por que você parou aqui?— Sei lá, aqui você pode descer, tomar um café, uma água, e esperar melhorar um pouco.Ela me olha em dúvida.Destravo o alarme do portão e entro com o carro.Estaciono e desço. Ela também.— Você mora aqui?— Só durmo às vezes. Vem, vamos entrar! — Puxo a mão dela.— Eu já estou melhor, quero ir pra casa! — ela fala sem se mover do lugar.— Não vai! — falo. — Tá longe da sua casa! — Nós nos olhamos fixamente — E eu não quero
MATEUSDesde o dia que vi aquela garota no baile junto com a Rafa, o rosto dela não saiu da minha mente, aliás, não só o rosto, mas tudo, até os movimentos e o jeito de falar. Ela é idêntica a Fernanda na época em que namoramos. E se isso não bastasse, o nome dela também é o mesmo.Sorrio pensando nas coincidências da vida enquanto fumo um fininho, sentado atrás da minha mesa na boca.Cold chega e fazemos nós o toque. Passo o beck pra ele, que dá uma tragada e me devolve.— Contigo mesmo que eu queria trocar uma ideia! — falo, apontando o beck pra ele.— Manda!— Qual o lance com aquela garota?— Quem? A Fernanda? — ele pergunta.Acho estranho ouvir ele falar esse nome, até porque se estivesse se envolvendo com a Fernanda que eu conheço, ele não estaria mais vivo, aqui, conversando comigo. Todos sabem quanto o Carioca é ciumento e possessivo com ela, isso é um assunto conhecido pra muita gente.Depois que salvei Fernanda, há tantos anos atrás, nunca mais nos vimos ou tivemos qualque