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Um rapaz, mãe estranha e duras verdades...

            Os dois dias em que fiquei internada no hospital passaram lentamente, tomando soro e dormindo a maior parte do tempo, captando algumas informações nos momentos de consciência. Acordei na manhã do terceiro dia, ainda meio grogue e bocejei, sentando na cama. Quando meus sentidos retornaram, notei que minha mãe estava de pé aparentemente me esperando acordar, em uma de suas mãos havia uma bolsa de cor acinzentada que parecia ter roupas dentro, e me fitava com animação.

– Você recebeu alta, querida! - exclamou carinhosa enquanto me mostrava as roupas que trouxera, dispondo-as sobre as minhas pernas. – A menos que não esteja se sentindo bem...

– Não. Por favor, me leve... – pedi ficando inquieta somente por pensar na possibilidade de ficar presa mais dias naquele lugar deprimente.

Assim que terminei de me vestir, e ser obrigada a comer o café da manhã que foi trazido por uma das enfermeiras, finalmente meu pai chegou, mostrando as chaves do carro, sinalizando que já poderíamos ir, passou o braço ao redor da minha cintura e me ajudou a andar tropegamente pelos corredores do hospital até o estacionamento.

O caminho foi mais curto do que pensei que seria, meus pais falavam de todos os assuntos aleatórios possíveis, ignorando meus pedidos para que ligassem o rádio, claramente tentando me manter desinformada. Seus métodos de proteção eram cômicos.

Um arrepio subiu por minha coluna quando pude avistar o casarão a alguns metros de distância, meus membros enrijeciam apenas com a lembrança dos acontecimentos da noite anterior, rapidamente senti meus batimentos cardíacos aceleraram e senti o ar faltando. Precisei respirar fundo varias vezes, dizendo a mim mesma que estaria em segurança com meus pais antes de conseguir me acalmar um pouco, mas não o suficiente para acreditar que aquela coisa não me machucaria novamente.

– Tem como subir as escadas? - meu pai questionou assim que passamos pela porta de entrada, seus olhos focados na longa escadaria de onde eu havia caído na noite do blackout e seus membros pareceram tencionar com a lembrança.

– Não seria melhor deixá-la aqui em baixo, no quarto de hospedes? - foi minha mãe quem respondeu à pergunta com outra, ambos esquecendo-se de que estou ao lado deles, ouvindo tudo.

– O que acha, querida?

            Finalmente, haviam se lembrado da minha existência, mas não fiquei tranquila com isso e ouvir a palavra querida me deixou ainda mais apreensiva. Com os dois estando no primeiro andar, estarei ainda mais a mercê daquela coisa, se bem que não me sinto segura no meu quarto onde habita um espectro moribundo e aquela coisa demoníaca apareceu pela primeira vez.

– Acho que está tudo bem! - exclamei sem muita escolha, afinal não tenho muito o que fazer quanto a isso. Ainda mais quando lembro do quanto essa casa é pouco adaptada a alguém no meu estado, mas não queria ficar no meu quarto pois, sentia que arrebentada como estava, seria mais fácil para aquela coisa dar um fim em mim.

            Foi dessa forma que acabei ficando no quarto de hospedes do primeiro piso, não teria que subir as escadas e ficaria mais próximo da cozinha e banheiro. Era um pouco afastado, mas ao menos, aquele cômodo era inundado abundantemente pela claridade que entrava pela janela de vidro, tendo inclusive uma excelente visão dos jardins dos vizinhos que moravam ao redor da casa.

            Entrei no banheiro, que ficava ao lado do quarto, tirei minhas roupas e fitei meu reflexo no espelho. Meu estado era realmente deplorável, abaixo dos meus olhos havia grandes olheiras profundas, contrastando com a palidez do meu rosto, o que fazia parecer que todo meu sangue fora drenado, mas o mais chocante eram as marcas escuras ao redor do meu pescoço. Claramente, tinha o formato de dedos e ainda podia sentir aquelas mãos, que não deveriam ser físicas, me sufocando.

Eu sempre estive e estarei aqui!”

A frase que ouvi daquela coisa, continuava a ressoar em minha mente, me assombrando como uma lembrança constante do perigo que aquele lugar representava. Aquele homem não era fruto da minha imaginação, assim como as marcas deixadas em meu corpo também não eram, tudo aquilo eram claros sinais de que ele estava apenas brincando comigo, se divertindo com meu terror e se alimentando do meu desespero. Por um momento, um calafrio subiu por minha coluna ao pensar que aquela coisa poderia atacar meus pais, mas como eles nunca comentaram sobre absolutamente nada, nem mesmo a sensação de uma presença, me agarrei na esperança de que assim, aquele espectro não poderia afetá-los.

– O que mais você disse? - questionei a mim mesma, tentando me lembrar de suas outras palavras e pousei a testa perto do espelho, sentindo minha cabeça esquentar pelo esforço. – Porque não encontro respostas? Somente perguntas?

Continuei pensando sobre isso e lembrei-me das fotografias, precisava procurar por elas novamente e quem sabe, descobrir mais sobre aquela casa e sobre os primeiros moradores. Na primeira tentativa, descobri sobre a última família que morou sob este mesmo teto antes de a casa ficar fechada por quase uma década, lembrei-me da jovem muito parecida com a mulher da parede e voltei a me questionar quem seria o outro espectro. Não consegui o reconhecer pelas fotos, mas tenho em mente que sua aparência esteja diferente já que nesse momento, sequer parece ser humano.

– Sarah! Tem alguém chamando-a na porta! - minha mãe gritou, me tirando dos meus devaneios. Vesti as roupas que separei rapidamente e sai do quarto, me deparando com Gabriel sentado no sofá ao lado da minha mãe, parecendo estar tímido.

            Arregalei os olhos em surpresa, sem acreditar que ele estava em minha casa e sequer tive tempo de pensar em como ele descobriu meu endereço pois, o mais chamativo era ele estar sentado ao lado dos meus pais. Para ser honesta, nós temos um relacionamento, estranho e pouco explicável, trocamos alguns beijos, às vezes, mas nunca houve nada realmente sério entre nós e nunca sequer falamos em namoro.

Gabriel não gostava muito da ideia de termos um “rolo”, brincando que como nenhum de nós era casado, não havia necessidade de escondermos de nossos amigos e familiares, mas eu não posso manter um relacionamento por muito tempo, ainda mais por estar muito mais preocupada em entrar numa boa universidade, sem contar meus problemas paranormais.

Mas ignorei todos esses pensamentos, e apenas caminhei em sua direção, questionando-lhe silenciosamente o que estava fazendo, afinal essa atitude estava sendo realmente muito esquisita da sua parte, já que nunca me cobrou muita atenção.

 – Olá! - ele sorriu sem graça e ajeitou a postura, estava sentado de frente para a minha mãe e parecia desconcertado, ou arrependido de sua aparição repentina.

– Faz alguns dias que você falta as aulas, então fiquei preocupado! Se justificou coçando a nuca meio sem graça, e sorrindo de canto. -  Trouxe meu caderno de anotações para que possa estudar enquanto estiver de repouso.

Esse final, falou procurando algo dentro da mochila que trazia consigo, de onde tirou um caderno de capa azul e me entregou. Gabriel é o típico garoto que se pode chamar de “gracinha”. Bonito, alto e tem um corpo atlético, além de ser realmente responsável para um rapaz ainda menor de idade, e seus cabelos e olhos são castanho-claros deixavam-no ainda mais atraente, combinando com sua pele amorenada pelo sol.

– Ah! Obrigada por se preocupar! - minha mãe sorriu, rapidamente projetando seu amor incondicional nele. Claramente, vendo-o como um genro em potencial.  – Filha, fique aqui pois, irei fazer um suco pra vocês...

            Assim que terminou a frase, ergueu-se e foi para a cozinha fazer o tal suco, piscando para mim como uma sugestão. Franzi o cenho para ela e voltei minha atenção ao rapaz que me fitava sem graça, ainda coçando a nuca desconcertado.

– Você está bem? - ele questionou, seu rosto contorcendo-se em uma preocupação genuína, sua mão tocou a minha em um gesto carinhoso e me sorriu. – Soube que estava internada, o que aconteceu?

– Rolei escada a baixo... literalmente – expliquei com um suspiro cansado, a voz um pouco desprovida de emoção, estava me acostumando a viver me ferrando. – Quebrei alguns ossos, mas vou sobreviver.

– Você me assustou! - ele sussurrou e puxou minha mão boa, beijando-a com carinho. Claramente estava se segurando todo aquele tempo, mas não estava conseguindo.

            Corei com aquela ação, mas não consegui puxar a mão de volta e como minha mãe parecia distraída na cozinha, aproveitamos para ter um momento só nosso. Posso até estar errada, e ele se sinta usado, mas apenas não temos um relacionamento convencional, nos damos bem assim e por hora, está sendo o suficiente.

            Mas nosso momento romântico durou pouco pois, logo ele despediu-se ainda sem graça, depois de praticamente ser obrigado pela minha mãe a beber o bendito suco, que pela cor, devia ser de várias frutas cítricas. Nos despedimos na porta e fiquei olhando-o ir embora rapidamente.

– Namoradinho? - minha mãe questionou animada assim que o viu sair pela porta da frente, seu sorriso era enorme, feliz por eu me relacionar como uma pessoa normal. Talvez tenha medo de que eu seja lésbica, ou apenas seja realmente estranha.

 – Mais ou menos isso... – murmurei voltando para o sofá, deitei a cabeça em uma das almofadas macias e senti os olhos pesarem. Malditos remédios que não me deixam acordada.

Acabei cochilando por alguns minutos no sofá mesmo, mas fui acordada por barulhos de vozes, abri os olhos vagarosamente e notei que eram meus colegas de classe falando ao mesmo tempo, grudados em mim. Os grandes olhos verdes de Karen – minha dupla costumeira – me fitavam como se estivesse vendo um acidente horrível, estavam arregalados e sua boca entreaberta.

– Como você conseguiu se machucar desse jeito? - ela questionou com as sobrancelhas franzidas, tocou minha mão engessada com extremo cuidado, parecendo temer me machucar mais ainda. – Isso dói muito?

– Ainda estou meio chapada de remédios! - respondi com sinceridade, ainda não estava sentindo muita dor, mas sabia que assim que o torpor dos analgésicos passasse, eu as sentiria e isso me deixava um pouco ansiosa. – Houve um apagão e acabei caindo da escadaria...

– Quando soube que você tinha sido internada, a Karen ficou maluca achando que você tinha sido atacada pelo serial killer! - Mark, que até então, permanecia calado no canto da sala, exclamou enquanto aproximava-se devagar.

– Mas graças a Deus você está bem, e trouxemos chocolate para te alegrar! - Karen mudou de assunto, abrindo sua bolsa de couro envernizado e retirou uma caixa de chocolates que amo. – Encontramos com Gabriel no caminho...

Um sorriso travesso formou-se em seu rosto enquanto me dizia isso, ela sabia sobre nosso relacionamento meio bagunçado e apoiava totalmente, mas isto não a impedia de me perturbar sempre que podia. Nos conhecemos poucos meses depois de me mudar para a ilha, estávamos matriculadas na mesma escola e ela parecia super animada em conhecer uma garota do continente, mesmo que eu não fosse das melhores companhias. O período em que nos conhecemos foi o mais delicado para mim, estava fazendo o tratamento psiquiátrico e não conseguia me adaptar a nova vida longe de tudo que conhecia, mas sua amizade me ajudou muito a superar tudo aquilo.

  – Obrigada! - sorri agradecendo não só pelos chocolates, mas também por ser uma boa amiga desde nossa infância. Abri a embalagem e saboreei uma das trufas recheadas com coco, suspirando em agrado. – Você realmente sabe escolher os melhores doces...

– Claro que sei... serei a maior confeiteira do mundo, lembra? - Karen sorriu convencida e me lembrando de seu grande sonho, que assim como o meu, é sair dessa ilha assustadora.

Karen nasceu nessas terras, nunca conheceu o continente, e como seus pais são muito tradicionais, não aceitam seu desejo de mudança, o que a entristece muito. Eles querem que ela permaneça na vila, trabalhando na agricultura assim como eles, se case com algum homem local e tenha filhos, perpetuando o isolamento dessa comunidade que, aos poucos, me deixa ainda mais inquieta.

Nunca contei a ela sobre os espectros que via, mas nunca escondi os tratamentos para ansiedade e ficava ainda mais confortável ao seu lado porque sabia que ela também se sentia depressiva e fazia tratamento psicológico escondido dos pais pela internet com a ajuda de uma tia. Eram motivos diferentes, mas conseguíamos nos entender dentro de nossas peculiaridades, e tínhamos uma amizade forte, a qual desejo que dure eternamente.

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