Sendo honesta, não estava pronta para as informações que encontraria naquele diário, meu emocional ainda estava um pouco debilitado e depois de ler aqueles trechos, senti um forte aperto no peito, ergui meus olhos, fitando ao redor do quarto e pude imaginar vividamente todos os horrores que aquela moça havia passado no interior daquelas paredes.As descobertas eram chocantes, mas encaixavam-se lentamente dentro de um padrão compreensível. A mulher da parede, se chamava Elise e realmente viera do interior para trabalhar como babá das duas crianças da família, dois meninos gêmeos de seis anos de idade que pareciam a amar incondicionalmente. E apesar de ela adorar as crianças, temia muito o patriarca, a quem referia-se somente como Nodier.Inicialmente, ela falava dessas investidas, insegura, cogitando se eram ações apenas para causar ciúmes a esposa, ou se o homem realmente estava dando-lhe uma atenção pouco apropriada, como ela própria citava. Por um tempo, foram apenas estas situações
Depois de praticamente ser expulsos, retornamos à estrada e pedi a Gabriel que me levasse até o fim do vale, onde ficava o cais, de onde poderíamos ver o mar e as poucas cargas que chegavam de navio para abastecer o comércio da ilha. De todo o lugar, aquele era o único em que me sentia bem e conseguia refletir, era como se fosse meu porto seguro. Parei em frente ao despenhadeiro, notando como a água batia sobre as pedras e suspirei, sentindo minha cabeça se encher novamente de perguntas. Respirei fundo e decidi ler o que estava escrito no diário que a senhora nos entregou, voltei meus olhos a Gabriel, que acendia um cigarro, e ao me ver, o apagou rapidamente, sorrindo amarelo. – Não se preocupe! - murmurei lhe sorrindo de canto, o puxei para perto e lhe dei um selinho enquanto tentava pegar seu cigarro. – Acho que também preciso de um... – Mais nem foden*, seus pais me matam! - ele respondeu jogando o cigarro, que pouco queimou, no despenhadeiro.
Agachei-me na grama, procurando pela minha agenda dentro da bolsa e quando a encontrei, desenhei aquele símbolo, tentando deixar o mais parecido que pude. Mostrei para Gabriel e sorri meio sem graça por imaginar que estivesse mal feito por conta de ansiedade.– O que é isso? - ele questionou, claramente escondendo o riso, mas fitava atentamente os detalhes que tentei passar para a folha de papel.– Desculpe-me! Minha coordenação está meio ruim... – murmurei meio sem graça, apertando as mãos, notando que meu tique nervoso havia retornado.Em resposta, ele acenou positivamente, mostrando que suas brincadeiras eram apenas para tentar diminuir a pressão que recaia sobre nós. Olhou ao redor, observando as dezenas de pequenas pedras rúnicas e em seguida, começou a procurar pelo local, usando meu desenho torto como referência.Procuramos por um bom tempo, cansando nossas colunas pela constante envergadura em direção ao chão, e quando os últimos raios solares começaram a sumir no horizonte, fi
A conversa, que acabei ouvindo por acidente, ficou impregnada em minha mente durante parte da noite insone que acabei tendo, queria que meus pais sentassem comigo e conversassem a respeito da situação. Eu já não era mais uma criança, e sentia que poderíamos mudar o rumo das coisas caso não omitissem tanto de mim. Alguns poucos dias se passaram desde o pronunciamento da polícia, inicialmente, foi feita uma assembleia com os pais e o corpo escolar, queriam que as aulas fossem suspensas, porém, o período de relativa tranquilidade acabou por animar um retorno às aulas. Obviamente, as medidas e regras de segurança aumentaram paulatinamente, a sensação de insegurança ainda estava presente, mas precisávamos seguir em frente. Sentei-me diante da mesa, abrindo o caderno no componente daquela aula e distrai-me rolando o lápis entre os dedos, perdendo-me em pensamentos rapidamente. As duas moças assassinadas consecutivamente retornaram a minha cabeça, eram adolescentes e tinh
Quando cheguei à casa de Mark, um complexo de apartamentos recém-construídos e onde inclusive meu pai havia auxiliado na produção da planta, parei em frente à porta da entrada, retirando meus sapatos e enquanto desafivelava o detalhe da sandália do pé esquerdo, deslizei os dedos pela planta do meu pé, sentindo uma longa e antiga cicatriz, o fitei melhor e notei que era o resultado do machucado que lembrava-me em meu sonho. Meu estômago se revirou ao perceber que aquilo realmente não havia sido um sonho e senti vertigem, percebendo que, na verdade, aquele pesadelo terrível era uma lembrança que tentei, inconscientemente, esquecer. Aquilo estava tão escondido em minha mente que se não fosse a cicatriz deixada pela pedra afiada, eu jamais teria percebido que aquilo realmente havia acontecido. Contudo, não pude comentar a respeito pois, me deparei com uma cena no mínimo inusitada em frente a porta de entrada, dona Emere, a mãe de Karen, estava discutindo de form
E novamente, a ansiedade resultava em uma insônia persistente, que me tomava com força e impedia de ter uma noite decente de sono, meus olhos secaram rapidamente e não demorou muito para os hematomas na perna atingida pelo carro começassem a doer, aparentemente, os medicamentos anti-inflamatórios estavam perdendo o efeito. Minha mente estava cheia de pensamentos confusos, e um amontoado de perguntas sem resposta mantinha-me acordada. Em parte, a explicação de Karen retirou um pouco do peso em meu peito, não parecia ser algo tão ruim como meus pesadelos faziam parecer, mas imaginar que minha amiga tivesse algum tipo de dívida com uma entidade pagã, ainda me assustava um pouco. Enquanto os primeiros raios de sol da manhã surgiam, o cansaço já me fazia rir dos meus próprios desalentos. A verdade era que as tragédias na minha vida eram como tsunamis, formando-se silenciosamente sob a água e que, de repente, irrompiam em ondas violentas que destruíam cada pequena const
Na manhã seguinte, acordei com os primeiros raios de sol adentrando pela janela, iluminando o quarto e afastando os últimos resquícios da noite. Bocejei, me remexendo sobre os lençóis, olhei para trás e notei o semblante adormecido do meu namorado que ainda dormia abraçado à minha cintura. Observando-o, tão tranquilo,e notei o quanto ficava bonito sonhando, seus cabelos claros estavam bagunçados e os lábios entreaberto, ressonando baixinho. Sorri com o pensamento, me erguendo e caminhei em direção ao banheiro, precisava ao menos escovar os dentes antes que ele acordasse.Tomei um banho, me sentindo diferente do habitual e sorri para o meu próprio reflexo, feliz por todas aquelas marcas deprimentes terem sumido. Parece que depois da noite que tivemos, o poder que aquela entidade tinha sobre mim, sumiu momentaneamente e isso renovou minhas esperanças.Naquele momento, decidi que não deixaria que aqueles acontecimentos me deixassem louca, a boa sensação que sentia me mostrava que poderia
Enquanto caminhávamos de volta em fila indiana, passamos por uma pequena trilha por dentro do bosque onde algumas pessoas gostavam de correr com cachorros durante as manhãs de verão, era um ambiente amistoso e quase todos os moradores o frequentavam. Gabriel, ao meu lado, observava as árvores com um interesse estranho, seus olhos claros estreitavam-se como se procurasse por algo que mais ninguém estava vendo, e quando percebeu que estava sendo observado, voltou-se a mim.– Está vendo aquilo? – questionou em um cochicho, ainda esticando o pescoço para visualizar melhor o ambiente a nossa volta. – Parece uma moça acenando, mas não se aproxima, será que está machucada?Ouvi suas palavras ficando ainda mais confusa, desviei meus olhos dele e voltei minha atenção na direção em que ele indicava, mas não conseguia ver nada que parecesse com uma pessoa. As intenções de Gabriel eram óbvias, mas nos embrenhar na mata seria perigoso e se fossemos pegos, certamente receberíamos alguns esporros por